Uma resolução do Conselho Nacional de Saúde pode abrir espaço para que comunidades terapêuticas que tratam dependentes de drogas recebam verba pública. A medida, polêmica, esquentou o debate entre os colegiados, já que uma parte dos integrantes do conselho defende que a verba que iria para essas instituições seja aplicada na construção e manutenção de Centros de Atenção Psicossocial.
O texto, proposto pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e que define a Política de Combate ao Álcool e Drogas, traz diversas diretrizes na área de Saúde mental e prevê parcerias com entidades da sociedade civil na prevenção, promoção e apoio ao tratamento de dependentes, desde que respeitadas as diretrizes do Sistema Único de Saúde.
Esse é o segundo passo dado pelo governo para facilitar convênios entre o SUS e as comunidades terapêuticas. Em julho, uma semana depois de uma determinação da presidente Dilma Rousseff, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária abrandou exigências para funcionamento desses serviços. A nova regra dispensou, por exemplo, que o responsável técnico da instituição seja médico ou que a infraestrutura do local seja aprovada por normas da Vigilância Sanitária.
"Fizemos amplo debate e há um consenso de que é preciso reforçar a rede de atenção psicossocial. Mas é preciso salientar que a verba pública que seria repassada a essas comunidades seria melhor aplicada nos equipamentos públicos já existentes e em novas unidades CAPS", afirma a conselheira nacional do Conselho Federal de Psicologia, Maria Ermínia Ciliberti.
A posição do órgão é de que essas comunidades não oferecem tratamento adequado aos dependentes químicos, já que muitas se apoiam na teoria de que o paciente possui "falha moral" e utilizam da religião para afastar o vício. "Esse argumento não procede. Além disso, muitas dessas comunidades internam seus pacientes sem sua autorização e os afastam por longo período do convívio familiar, quando sabemos que o contato com amigos e familiares é imprescindível para a recuperação deles", diz a conselheira.
Para o diretor-executivo da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas, Maurício Landre, a resolução aprovada pelo CNS deve ser comemorada. "Estamos lutando por isso há muitos anos. Essa decisão é um reconhecimento do trabalho realizado pelas comunidades, que precisam de ajuda para continuar funcionando, já que nosso sistema de Saúde não consegue absorver, sozinho, a demanda."
De acordo com Landre, não existe levantamento preciso de quantas comunidades terapêuticas existem no Brasil, mas o número oscila entre 2.000 e 3.000 instituições. "Se cada uma atender uma média de 30 pessoas, estamos falando entre 60 mil e 90 mil pessoas em tratamento", destaca. O modelo do Caps é positivo, segundo o diretor, mas insuficiente para atender a todos os perfis de dependentes.
"Muitos pacientes não podem conviver com a família e amigos. Defendo a internação apenas em alguns casos, mas não podemos negar que esse é um tratamento viável", opina. Para Landre, o aconselhamento de cunho religioso é fundamental. "Negar o consolo espiritual é um equívoco. É como dizer a 90% da população mundial que acredita em um ser superior que todos estão errados."
Entidade cuida de 13 dependentes em Ribeirão Pires
Localizada no bairro Quarta Divisão, em Ribeirão Pires, a comunidade terapêutica Pronovi - Projeto Nova Vida possui atualmente 13 pacientes, entre dependentes químicos e de álcool. Todos são homens e ficam internos no local por período que pode variar caso a caso. A instituição sobrevive de doações.
"É uma situação muito difícil, já que não temos nenhuma verba pública para nos ajudar. Sobrevivemos de pequenas doações em dinheiro, cestas básicas e produtos de higiene, entre outras necessidades básicas", conta o coordenador da instituição, Ivan de Cássio de Lima. Para diminuir os gastos, a comida é feita em dois fogões a lenha e a água utilizada vem de uma mina localizada no terreno da entidade.
O Pronovi funciona na estrada da Sondpalia, 1.925, bairro Quarta Divisão. O telefone para contato é 4829-3628.
HISTÓRIA
Para o ex-interno do Pronovi Élcio Roberto Pagani, 40 anos, o apoio espiritual é fundamental para mantê-lo longe das drogas. Viciado em substâncias químicas desde os 14 anos, foram muitas recaídas desde que decidiu pedir ajuda, há cerca de dez anos. "Perdi o controle da minha vida, emprego e família. Naquela época fiquei internado em um hospital psiquiátrico, mas lá o tratamento utilizava psicotrópicos e vi que apenas estava trocando uma droga pela outra", revela.
Pagani conheceu o Pronovi em 2000 e, desde então, já ficou internado várias vezes. "O problema do viciado é que qualquer frustração gera uma recaída. Mas se não fosse o apoio que encontro aqui não sei o que seria de mim. Na minha opinião, o sistema público não funciona, porque trata o dependente com remédios, sendo que o que mais ele precisa é ficar limpo", opina.
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