Na contramão que domina a historiografia atual do século XX, Lukacs não hesita em classificar como falsa a perspectiva que temos hoje de que a história do século passado é marcada pelo conflito global do capitalismo contra o comunismo. “O principal aspecto do panorama histórico do século XX é o das duas guerras mundiais. Elas são as duas grandes cadeias de montanhas sob cujas sombras nós ainda agora vivemos. Elas mudaram o mundo (...) A revolução bolchevista na Rússia, a ascensão dos EUA à posição de superpotência do mundo, o fim dos impérios coloniais, a bomba atômica etc. foram as consequências dessas guerras, não suas causas”.
O historiador que escreve de modo fácil e atraente vai mais longe: “É insensato considerar as idéias como se fossem independentes dos seres humanos”. Daí ele centrar seus estudos sobre a Segunda Guerra em dois personagens-chaves e, a partir deles, explicar o conflito que para ele determina ainda hoje a realidade mundial.
Lukacs partiu da constatação de que os últimos dias de maio de 1940 poderiam ter sido decisivos para o desfecho da Segunda Guerra. Ou seja, bem antes da entrada dos Estados Unidos na Guerra, em dezembro de 1941. Em 1976, publicou A Última Guerra Européia: 1939-1941. Este O Duelo foi escrito em 1990 e agora é publicado no Brasil em função do notável êxito de vendas obtido com a trilogia Cinco Dias em Londres: Negociações que Mudaram o Rumo da II Guerra (Zahar, 220 págs., R$ 26), escrita em 1999 e publicada aqui no ano passado.
Como se vê, Lukacs aumentou em cada livro o zoom sobre o período-chave da Guerra, indo do exame dos dois anos, passando pelos 80 dias e chegando a esmiuçar em 22O páginas os primeiros cinco dias de poder de Churchill, entre 10 e 15 de maio de 1940. Agora que o leitor brasileiro tem acesso aos dois livros é recomendável começar a leitura por O Duelo e aprofundar-se depois em Cinco Dias.
Os tais 80 dias, entre 10 de maio e 1º de agosto de 1940, segundo Lukacs, foram mesmo cruciais. No 10 de maio, a coincidência: enquanto Churchill assumia como primeiro-ministro, em Londres, Hitler, a bordo do trem especial blindado de codinome Amerika, a caminho de Hamburgo, anunciou para seu estado-maior: “Senhores, a ofensiva contra as potências ocidentais começou”. Em Londres, naquele momento, Churchill, de pijama de seda e pantufas, atacou uma travessa de ovos fritos com bacon em seu café da manhã.
A narrativa de Lukacs é tão vívida que põe o leitor na cena mais íntima dos acontecimentos. E o livro se lê como um bom romance policial. Bom não, ótimo, fascinante, porque nada é ficção. É a pura realidade. E o melhor: realidade muito bem pesquisada, com extremo rigor e mergulhos profundos na documentação secreta de Churchill e do governo inglês do período da Guerra, recentemente aberto ao público.
Ao reduzir a Segunda Guerra a um embate de titãs como Churchill e Hitler, Lukacs pode até simplificar a realidade. Mas, por outro lado, chama a atenção para a participação de personalidades individuais e seu papel fundamental na história – e complementa de modo admirável a atual voga da historiografia, muito mais devotada à história das mentalidades e de anônimos.
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