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Eles limpam sujeira que você produziu

No Dia do Gari, hoje, trabalhadores falam sobre preconceito e sustento com dignidade

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
16/05/2015 | 07:00
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Andréa Iseki/DGABC


“A gente tem de ser feliz com o que tem”. A frase, que poderia ser de um pensador contemporâneo, reflete o pensamento do gari José Rodrigues Martins, 50 anos, sendo 15 deles dedicados à limpeza das vias públicas de Santo André. Hoje, no dia dedicado aos profissionais da área, o Diário mostra um pouco do cotidiano de trabalhadores como o nordestino de Novo Horizonte, no Piauí, conhecido como Tamarutaca entre os amigos, e que encontrou na profissão, por vezes desrespeitada e vista com preconceito, oportunidade de melhorar de vida e criar os filhos.

A rotina de Martins começa às 7h, quando chega ao DRS (Departamento de Resíduos Sólidos) do Semasa (Serviço de Saneamento Ambiental de Santo André). Uniformizado com botas, luvas e boné, e depois de rápido cafezinho, ele parte para o calçadão da Rua Coronel Oliveira Lima, no Centro, e começa a recolher o lixo reciclável da área. O deslocamento entre as vias da região tem a ajuda de carrinho motorizado para carregar o volume de resíduos até o caminhão-baú estacionado na Rua Primeiro de Maio. A tarefa é finalizada às 15h20 e, no meio do turno, há intervalo de uma hora para o almoço.

“Até hoje vemos pessoas que tiram sarro do nosso trabalho, mas não me importo. Estou limpando a sujeira que elas fizeram. Defendendo o pãozinho de cada dia”, observa o morador do núcleo Tamarutaca. Consciente do preconceito que enfrenta e das dificuldades vivenciadas no dia a dia, Martins revela ter incentivado os filhos (Jonathan, 25, e Gustavo, 23) a seguir caminho diferente. “Não tenho estudo. Digo para eles estudarem para ter profissão menos doída.”

O gari considera que atualmente sua rotina é mais leve que quando iniciou a carreira. Ele passou os seis primeiros anos de sua profissão “correndo atrás do caminhão da coleta do lixo”. “A coleta é ruim porque é mais puxada, exige esforço físico e, como eu já entrei na empresa com sobrepeso, acabei desenvolvendo problemas na coluna, ombros e nos dois joelhos, mas assim que termina, o setor já vai embora. Não fica preso a horário”, destaca Martins, que considera o salário de R$ 1.221 mensais pouco para compensar o esforço diário. Ainda assim, ele diz “ser feliz com o que tem” e planeja voltar para sua terra natal assim que conseguir se aposentar.

Para o trabalhador, a comunidade precisa avançar em relação à consciência quanto ao descarte adequado dos resíduos, não misturando o lixo seco do úmido. Outro detalhe importante, segundo ele, é o cuidado com materiais cortantes. “Algumas pessoas não se preocupam em colocar os cacos de vidro ou lâmpadas quebradas em caixas com fita. Muitas vezes acabamos nos cortando, mesmo que já estejamos experientes”, observa Martins.

MARGARIDA

Há 24 anos, a varredora Virlene de Souza, 43, ‘desfila’ pelas ruas de Santo André com sua vassoura. Ela se orgulha de dizer que é uma das tradicionais margaridas, como são popularmente conhecidas as profissionais que efetuam a limpeza da cidade. Vaidosa, animada e disposta, já que percorre cerca de 15 quilômetros durante seu turno (que começa às 18h e termina às 6h dia sim e dia não), ela destaca amar o que faz.

Segundo Virlene, não fosse o trabalho, conquistado após ser aprovada em concurso público antes mesmo de completar 18 anos, ela não teria dado infância digna aos seis filhos (com 27, 25, 23, 21, 19 e 17 anos). “Tive de esperar três anos para trabalhar porque não era maior. Nesse tempo, o pessoal ficava me dizendo que eu poderia conseguir profissão melhor que mexer com o lixo. Sorte que eu não vou pela cabeça dos outros”, diz.

O objetivo de vida da varredora é conseguir comprar uma casa para ficar tranquila após a aposentadoria, prevista para daqui oito anos. “Ganho R$ 1.100 e paguei aluguel por dez anos. Agora estou morando nos fundos da casa do meu pai e, por isso, está mais tranquilo. Mas teve época difícil, quando as crianças eram pequenas”, lembra Virlene, também famosa entre os colegas por preparar doce de coco e de amendoim. “Quem sabe eu não abro uma doceria depois de me aposentar”, cogita. 




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