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Clássicos perturbadores do cinema fazem aniversário
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
04/05/2002 | 16:20
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Raul Seixas falou, Raul Seixas avisou: “Ei, Al Capone, vê se te emenda.” Isso é conselho que se dê a gângster? Ainda mais ao gângster que inspirou o crime organizado romanesco de Hollywood, que neste ano festeja duas efemérides do crime enquanto arte? Há 70 anos, Howard Hawks conseguia levar aos cinemas Scarface – A Vergonha de Uma Nação –, dois anos depois de concluído. Mais jovem, O Poderoso Chefão foi lançado com devido estrondo há 30 anos. Ambos tiveram problemas com a sociedade civil dos Estados Unidos.

A começar pelos problemas de Scarface. A pré-história do crime organizado filmado por Hawks incomodava, sem dúvida, os Estados Unidos, então sob o toldo da depressão dos anos 30. Contudo, a pedra no sapato que mais mutilava os incontáveis calcanhares-de-Aquiles cívicos da América era a relação incestuosa entre o bandido Scarface e sua irmã. A América não era (nem é) daquelas que entendem que tabu é para ser quebrado.

O incesto é detalhe. E que detalhe, dentro de um filme que mereceu a qualificação de “cinema puro”, segundo François Truffaut. O cineasta e crítico francês ainda daria o veredicto sobre o verdadeiro quilate da interpretação aparentemente (e propositalmente) caricata do ator Paul Mouni. “Hawks orientou deliberadamente Paul Mouni para fazê-lo parecer um macaco, os braços pendendo soltos, um tanto curvado, o rosto surpreendido numa eterna careta”.

A caricatura trágica do crime não faz Marlon Brando igual a um primata em O Poderoso Chefão. O ex-galã, que há 30 anos cultivava anatomia roliça, está mais para cachorro são-bernardo na sua caracterização de dom Vito Corleone. Canino ou não, seu papel se tornou clichê do personagem que manda prender, manda soltar.

Além de possuir o físico adequado, Brando foi favorecido pela recusa de Laurence Olivier, a primeira opção para protagonizar o filme de Coppola. O próprio Coppola saiu da reserva para assumir a direção, cooptado depois que Costa-Gavras e Richard Brooks desviaram do convite para reger a adaptação do livro de Mario Puzo.

Faltava pouco para o crime ganhar proporções épicas. A máfia seria empossada como apêndice do capitalismo em plenos anos 40, uma chaga a ser aberta, intrínseca ao colaboracionismo do pós-guerra. Dom Vito era a encarnação do imigrante arrendatário das brechas da legislação comercial nos Estados Unidos. O personagem motivou a Liga dos Direitos Civis dos Ítalo-Americanos a protestar contra a difamação de seus associados. Coppola fez tão bem o serviço a ponto de levar o espectador a crer que o grande Capo era uma figura extralegal, e não ilegal. Para arredondar o épico foi convocado o compositor Nino Rota, colaborador freqüente de Federico Fellini. A música de Rota tem um quê de melancolia, um tango sem síncope que ganhou a preferência das buzininhas alternativas, aquelas que dispensam bibis e fonfons. Pois é, o Capo é pop, e o pop não poupa ninguém.




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