O principal problema é a falta de penas alternativas; cerca
25% dos detidos aguardam julgamento por consumir drogas
Esgotado. Assim pode ser definido o sistema carcerário do Grande ABC atualmente. Segundo números da Secretaria de Administração Penitenciária, os quatro Centros de Detenção Provisória da região operam muito acima da capacidade: são 6.491 detentos para 2.432 vagas disponíveis, ou quase três no espaço em que só deveria haver um.
A Pasta diz que será investido R$ 1,5 bilhão na construção de cinco CDPs e outras unidades de carceragem em todo o Estado. Para as sete cidades da região, porém, não há previsão de quando serão criadas vagas.
Segundo especialistas, no entanto, os novos centros não devem resolver o problema enquanto não houver mudanças de cima, no judiciário. "O inchaço das prisões é um problema de todo o Brasil, não apenas do Grande ABC", avaliou Carmen Silva Barros, integrante do Núcleo Especializado em Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo. O principal problema, segundo ela, é a falta de penas alternativas, principalmente para aqueles que estão presos por consumo de drogas.
Segundo dados da Pastoral Carcerária, entidade da Igreja Católica que lida com detentos, 25% dos presos em CDPs paulistas são usuários pegos em flagrante com quantias pequenas, e que esperam o julgamento. Como muitos não têm dinheiro ou apoio da família, não têm advogado que os represente. "O governo não sabe o que fazer com eles. Deveriam receber tratamento de saúde ou outros tipos de pena, como o regime semiaberto. Não podem ficar em uma prisão, com marginais", advertiu o advogado da pastoral, José de Jesus.
LEGISLAÇÃO
Com o endurecimento das leis antinarcóticos há quatro anos, o sistema penitenciário não deu conta da demanda de viciados autuados de acordo com as novas regulamentações do Código Penal. O aposentado João Rodrigues Nunes, 66 anos, que o diga. Seu neto, Davi, 22, foi flagrado comprando cocaína para consumo próprio em março. Desde então está no CDP de Santo André, sem previsão de solução para o caso. O julgamento, inicialmente marcado para setembro, foi adiado e segue sem data. O garoto tinha residência e emprego fixos e lutava contra o vício há seis meses, quando iniciou tratamento em clínica. "Ele foi condenado sem sequer ser julgado."
É apenas um caso dentre tantos outros. Especialistas avaliam que a polícia não pode deixar de fazer seu trabalho, e também é vítima da superlotação. Sem espaço para remoção, muitos detentos continuam esperando vagas nas carceiragens dos Distritos Policiais, que deveriam ser apenas transitórias. O número de pessoas presas nos DPs do Grande ABC é incerto e varia diariamente. "O judiciário não dialoga com o sistema penitenciário, que não dialoga com a polícia, que não fala com o Ministério Público. O governo não sabe o que fazer para resolver esse problema", disse o advogado da pastoral.
As 39 mil vagas prometidas pela secretaria ao fim do plano de expansão de presídios não satisfazem os familiares. Isso porque o CDP mais próximo da Região Metropolitana, por exemplo, será em Cerqueira César, a 280 quilômetros da Capital. "Que ele continue em uma cela cheia aqui de São Bernardo, mas perto de mim", disse Denise, 52, mãe de um preso por receptação de roubo de 21 anos.
Lotação ameaça trabalho dos carcereiros
Aglomeração, mau cheiro, calor e, em alguns casos, comida escassa e falta de água. A situação nos Centros de Detenção Provisória é apontada por parentes e especialistas como bomba-relógio. "Não tem como não perder o controle", advertiu o advogado da Pastoral Carcerária José de Jesus.
E ele tem razão. Henrique (nome fictício), 32 anos, é carcereiro há cinco em CDP da região. Vê brigas todos os dias e é ameaçado e ofendido. Diz que cansou. "Se um dia eles quiserem se rebelar, vou sair pela porta da frente. Não sou louco de enfrentá-los", disse.
Medo por um lado, falta de incentivo do outro. Em um ambiente sem estrutura, o preso não pensa em regeneração, mas em voltar a cometer crimes nas ruas. "Violência gera violência. Imagina a saúde mental das pessoas que saem de lá", afirmou Jesus.
A Secretaria de Administração Penitenciária não divulgou detalhes da rotina dos detidos. Pelos parentes, é possível saber dos problemas acarretados pela superlotação. "É feio", disse o aposentado João Rodrigues Nunes. Segundo ele, que tem um neto de 22 anos no local, a única atividade é o cigarro. "Ele fuma um atrás do outro."
Janaína, 20, mulher de um detento de 27 que aguarda julgamento por roubo há um ano, está desesperada. " Eles ficam todos esprimidos, em pé, sem dormir. Não sabem o que vai acontecer. Ele me fala que vai morrer."
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