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Terror, sem ir a Paris
Wilson Marini
Da APJ
19/01/2015 | 07:00
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Em pleno janeiro de recesso parlamentar, a CPI da Assembleia Legislativa pisa fundo na investigação de violações de direitos humanos em universidades paulistas. O quadro revelado é de autêntico terror aos calouros. Não há bombas e tiros, mas há mortes, danos físicos e, principalmente, sequelas morais. Os efeitos dos trotes detonam intimidades e deixam marcas psicológicas entre as vítimas. Esta semana os deputados colheram depoimentos em sessões de terça a quinta-feira, as quais acrescentaram novos ingredientes às estarrecedoras denúncias de violência nas faculdades. O mundo inteiro permaneceu em vigília nesta semana em relação às ameaças terroristas na Europa. A consciência global foi despertada para valores de tolerância, liberdade de expressão e direitos humanos. Não é preciso ir a Paris para marcar posição contra o terror. São Paulo expõe com esta CPI um escândalo que a rigor não é novidade, pois os trotes violentos se repetem a cada ano em diversos campus, com maior ou menor grau de violência, e quase sempre sob a conivência de professores e diretores. A diferença é que agora esses acontecimentos estão consolidados em depoimentos. Os deputados esperam concluir os trabalhos até 14 de março. Depois, a vez de agir será do Ministério Público.

Diretor tenta explicar
José Otávio Costa Auler Júnior, diretor da Faculdade de Medicina da USP, disse aos deputados que 120 milhões de mulheres sofreram abuso sexual em 2014, segundo a ONU. É um problema de “proporções endêmicas”, diz ele. Além disso, pesquisa com 18 mil estudantes nos Estados UnIdos revela que mais de 50% dos estudantes consomem álcool e número perto disso faz uso múltiplo de drogas. “O consumo de álcool é maior entre os universitários do que entre a população em geral. Ficamos estarrecidos e envergonhados”, disse.

O ‘Pior’
Rodolfo Furlan, que vive nos Estados Unidos, disse em depoimento via skype que os trotes na USP vão do corte do cabelo e pintura do corpo até a ingestão de vômito alheio, urina na cabeça e ingestão de fezes. Os trotes contam, segundo ele, com participação de alunos e de médicos formados. Um dos líderes mais sarcásticos é conhecido por Pior, formado em 2014. “Ele era o líder do trote na universidade”, disse Rodolfo, que acredita que atos violentos permanecem impunes por conta do espírito de corpo existente entre os médicos.

Bebedeira e sequestro
Trecho de depoimento do estudante Alan de Oliveira, da USP: “A cada dia, um dos calouros passa por esse trote. Você é amarrado numa cadeira para não cair de tanto beber. E vai tomando destilados até passar mal e desmaiar. Isso porque, quando você não aguenta mais, um outro colega faz você beber ainda mais. Em dado momento, mesmo sendo segurado, levantei, tropecei, caí de cara no chão, bati a cabeça e quebrei o dente molar. Me deram um banho porque eu havia vomitado. Ligaram para um sapo (apelido dos veteranos) da Ortopedia. Ele me cutucou, acordei, me deu um mata-leão e me levaram para o Instituto Central. Lá, um cirurgião fez tomografia porque eu estava com um traumatismo cranioencefálico”.

Datas e fatos
4 O estudante Mauro Xavier, da USP, disse que teve que tirar a roupa e simular prática homossexual na frente de 20 ou 30 pessoas. “Foi bastante constrangedor e humilhante. Eu não contei aos meus pais, só ao terapeuta”.
4 O professor Antonio Almeida, da Esalq de Piracicaba, citou foto que mostra um estudante assistindo a uma aula com uma focinheira e lembrou livro de Glauco Mattoso que relata a morte de um estudante colocado num barril de cal e de outro, queimado.
4 Em 2013, na USP, Phamela Feitosa foi agarrada, beijada e seviciada. Gritou, fez escândalo e se safou porque uma colega saiu em seu socorro. Denunciou o caso, foi aberta sindicância e aí passou a sofrer campanha de desmoralização com ofensas.
4 Alan de Oliveira disse ter escapado por pouco de sofrer uma lesão nos olhos num churrasco. “Quem ainda não estava na piscina acaba sendo jogado. Depois jogam lança-perfume na piscina para causar formigamento. Um lança-perfume acertou meu rosto e queimou meus olhos”.
4 Jade Gonçalves Ribeiro, da Esalq de Piracicaba, relatou humilhações, nudismo, escatologia e doping em festas com o intuito de estuprar as mulheres. Detalhou o Ralo Monstro, que leva alunos despidos e bêbados para um canavial e lá são abandonados para voltarem nus às repúblicas.
4 Há casos de pancadaria com ripas de estrado de cama, ingestão de uma mistura de urina com cerveja, nudez e homofobia. Um colega de Jade chegou sujo de lama e as roupas rasgadas, mas se dizendo feliz por ter sido aceito na república. “São estudantes de 17, 18 anos e que ainda não têm bem claro o que é desvio de conduta”, diz ela.
4 Nos shows da medicina da USP, calouros são levados para o palco e, por causa dos holofotes, não há como saber quem está na plateia. Todos são instados a ficar nus. Alguns simulam estupro. Nos ensaios, sucedem-se piadas homofóbicas, xenófobas e racistas.




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