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O mar como sala de aula
Marília Montich
Especial para o Diário
07/06/2009 | 07:00
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Após anos de estudo e dedicação, alunos da Escola Naval têm a oportunidade de realizar um sonho: viajar durante seis meses em alto mar a bordo do Navio Escola "Brasil", o único do gênero no país.

A aventura da turma deste ano começa no dia 20 de junho, quando a embarcação parte do Rio de Janeiro com destino a outros 21 portos espalhados pelo mundo, como Argentina, Peru, Estados Unidos, Alemanha, Noruega, Grécia e Marrocos. O retorno ao Brasil acontece no dia 17 de dezembro.

A viagem representa o último ciclo de estudo para aqueles que desejam servir à Marinha brasileira. O objetivo é testar na prática todos os conhecimentos teóricos adquiridos na Escola Naval, onde os alunos, chamados de guardas-marinha, habilitaram-se nos Corpos da Armada, de Fuzileiros Navais e de Intendência. Ao término da viagem, os alunos serão nomeados segundos-tenentes e serão direcionados às Organizações Militares da Marinha para depois terem suas funções designadas.

No último final de semana, o Navio Escola "Brasil" fez uma breve parada na Capitania dos Portos de Santos, na Baixada Santista, onde foi inspecionado por uma comissão para verificar o entrosamento de suas equipes e sua capacidade de operar em conjunto com outros navios. Os inspetores avaliaram o controle de avarias, operações aéreas, tiro e transferência de carga leve. O trabalho fez parte da etapa final para assegurar que tudo correrá bem quando o navio estiver em alto mar.

Além dos 159 guardas-marinha, o navio abrigará 32 oficiais e 221 praças, além de servidores civis e de militares das Forças Armadas nacionais e estrangeiras. Todos esses integrantes estão preparados para auxiliar e instruir os "marinheiros de primeira viagem", sanando dúvidas e dando o exemplo do que é efetivamente fazer parte da Marinha.

"Todos nós nos lembramos com muito carinho da nossa viagem de instrução. É uma viagem tradicional na Marinha e é a nossa primeira convivência com um navio", afirma o capitão-de-mar-e-guerra Fernando Antonio Araújo de Figueiredo, que comanda o Navio Escola. "Como a turma está completa, e são amizades de mais de quatro anos, o ambiente é muito bom, muito saudável", completa.

Estrutura - A primeira viagem do Navio Escola, construído inteiramente no Brasil, ocorreu em 1987. Segundo o comandante Figueiredo, todos os equipamentos da embarcação são novos e modernos.

Neste ano, são 159 guardas-marinha experimentando pela primeira vez o gostinho do oceano. Durante a viagem, eles receberão aulas práticas de Navegação, Metodologia, Operações Navais, Controle de Avarias, Administração Naval e Liderança, entre outras.

O Navio Escola "Brasil" conta com a estrutura de um verdadeiro laboratório em alto mar. Além de duas salas de aula, com carteiras e lousa, há a sala de SSTT (Sistema de Simulação Tática e Treinamento), onde são simuladas situações táticas, combates, manobras do navio, posicionamento de outras embarcações e recepção de ruídos.

O navio conta também com uma área de ensino de navegação, uma disciplina fundamental para os aspirantes à Marinha. "Aqui os alunos aprendem a navegação costeira, a oceânica, a eletrônica e a astronômica, que é aquela na qual utilizamos as estrelas para nos guiar", explica o comandante Alex Rubancg, responsável por ministrar essas aulas.

Os guardas-marinha têm acesso ainda ao Passadiço, que é o local de onde se "dirige" o navio. Lá eles também recebem treinamento.

Fora os ambientes voltados para o ensino, os guardas-marinha desfrutam de salas de convivência e ficam acomodados em quartos denominados camarotes, com capacidade para três estudantes.

Dificuldades - Mas nem tudo é calmaria durante a viagem desses guardas-marinha. Apesar de todo o aprendizado e satisfação por estarem no mar fazendo aquilo que gostam, os alunos passam algumas vezes por períodos de tormenta.

A saudade de casa e da família é um desafio a mais a ser enfrentado. São seis meses de isolamento e, como já é de se supor, não há telefone e nem internet em alto mar, o que impossibilita qualquer contato com o mundo em terra firme.

"Como a viagem tem uma duração acentuada, ela obriga os tripulantes a um afastamento bastante grande das suas residências e do convívio com os seus familiares, mas isso a gente tenta contornar, proporcionando aqui no navio um conforto relativamente bom", aponta o comandante Figueiredo, que explica que na embarcação há atividades de recreação e academia de ginástica. "Além disso, as próprias atividades profissionais de cada tripulante ajudam também a levar com facilidade esse afastamento da família", complementa.

O carioca Jorge Henrique da Mota Gomes de Souza, que participou em 1995 da 16ª viagem do Navio Escola como guarda-marinha, não se esquece da experiência. "A distância é difícil e sentimos saudades de casa, mas o que ajuda minimizar um pouco esse sentimento é o fato de o dia-a-dia ser repleto de atividades. Dessa forma, não se tem muito tempo ocioso para pensar nisso", afirma o agora tenente, que este ano embarcará no "Brasil" como instrutor.

Além disso, o tenente aponta que estar com os colegas é um ponto forte. "Ninguém que fez a viagem se arrepende, pois se está com os amigos com os quais se estudou por quatro anos", diz.

Para o tenente Mota, a viagem tem uma função importantíssima na vida dos guardas-marinha. "Os alunos tem uma carga teórica muito grande e aqui no navio é a primeira oportunidade mesmo que se tem para colocar tudo em prática", avalia. "Além disso, há uma enxurrada cultural durante a viagem, pois se conhece muitos países, o que nos faz, inclusive, dar mais valor a nossa própria pátria", completa o tenente.

Além do quesito saudade, alguns alunos passam por outro problema: o enjôo. Segundo o comandante Figueiredo, é normal alguns guardas-marinha sentirem náuseas durante a viagem por não estarem habituados ao balanço do mar. "Normalmente sente-se enjôo no começo da viagem. É uma questão de tempo até se acostumar", explica.

Apesar dos pequenos contratempos, o comandante esclarece que a taxa de desistência dessa etapa final do curso é bem pequena.




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