Ensinaram-nos que um verdadeiro refresco é de tamarindo; que um saboroso sanduíche é de presunto; que seus movimentos eram friamente calculados; que a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena; que não se deve abusar de um homem caído, afinal, ele pode se levantar... que as pessoas boas devem amar seus inimigos.

Alguns conselhos de Chaves e Chapolin, que estão no ar no Brasil há 30 anos, são por pura brincadeira, é verdade, mas se parte de suas mensagens fosse levada a sério tanto quanto seu humor, o mundo certamente seria outro. Mundo este que o seu criador deixou na noite de ontem, quando estava em sua casa em Cancún, no México. Seu corpo será velado na Cidade do México.

O dramaturgo, comediante e ator Roberto Gómez Bolaños partiu aos 85 anos, e a causa da morte não foi divulgada. O que é conhecido é que ele fez mágica enquanto vivo. É responsável por um fenômeno de audiência que, desde 1971, quando estreou no Canal 8 no México, e tendo como centro um garoto pobre que mora dentro de um barril, faz as pessoas gargalharem por horas, mesmo já sabendo as falas dos personagens. No Brasil, já superou Copa do Mundo, novelas e diversos outros programas em número de telespectadores.

Além de Chaves, Chespirito ainda assina a criação de um dos mais aclamados e queridos anti-heróis já conhecidos. Chapolin vende camisetas e réplicas de seu martelo até hoje. Afinal, que criança e adolescente, e até adulto, não gostariam de tomar as pílulas de nanicolina e se transformar em uma pessoa engraçada e atrapalhada, mas que salva todo mundo no fim (na maioria das vezes)?.

Ainda não há como esquecer do velho Doutor Chapatín e o clássico saco branco que sempre carrega consigo. Um médico bastante ídoso, ranzinza e que, claro, não deixa as trapalhadas de lado.

Destes e outros personagens, ‘nos despedimos sem dizer adeus jamais’, como no famoso episódio de Chaves em Acapulco. O menino do barril e o herói maluco seguem sendo sucessos no País, e por isso sabemos que o Brasil adora Roberto Bolaños. E parece que a recíproca é verdadeira. “Me disseram que logo fará 30 anos (de Chaves e Chapolin) no Brasil, graças ao SBT. Acima de tudo, muito obrigado, brasileiros. Amo vocês. Chespirito” (último texto escrito pelo ator em sua conta do Twitter, em 11 de agosto).

CHAPOLIN SINCERO

A página Chapolin Sincero, do Facebook, encontrou uma forma simples e singela de se despedir do mito. “Agora temos mais alguém para nos defender no céu. Esteja em paz, Roberto Gómez Bolaños. #RIP”, com uma foto em preto e branco em que o criador abraçava o personagem.

Os seguidores do perfil, cada um à sua maneira, manifestaram tristeza pela perda, mas alguns deles não perderam o bom humor. “Tenho certeza que Deus o receberá com muitos sanduíches de presunto, e com muito recheio e em pães novinhos e quentinhos, e que aí ele comia um, e depois comia outro, e aí ele pegava mais uns e zas...”.

Vários colocaram versos da música Boa Noite Vizinhança, da Turma do Chaves, que dizem: “Prometemos despedirmos sem dizer adeus jamais... Pois haveremos de nos reunirmos muitas vezes mais...”.

E agora, quem poderá nos defender?

– O Chaves morreu!, alguém gritou às 19h15 de ontem na Redação do Diário. Reunidos para a reunião de pauta, os editores emudeceram. Gente de 27 a 45 anos não queria acreditar no que as agências de notícias confirmavam: aos 85 anos, Roberto Gómez Bolaños acabara de nos deixar.

Difícil lembrar de outro personagem televisivo de humor que gozasse de tal unanimidade. Bolaños, travestido de Chaves e Chapolin, unia gerações em frente à TV.

Lembro-me de, criança, ouvir meu quase sexagenário pai gargalhar com a sucessão de piadas, inocentes e batidíssimas. Confesso que foi um vício que passei ao meu filho, atualmente com 10 anos. Hoje, ele e eu estamos tristes. E, agora, sem ninguém para nos defender...

Evaldo Novelini é editor-chefe do Diário.