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Ana Maria Machado navega na poesia
30/05/2009 | 07:16
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Ana Maria Machado está celebrando seu amor à vida, no que ela tem de prazer e dor, com um gesto inédito. Pela primeira vez, a consagrada autora de obras infanto-juvenis publica um antologia de poemas - Sinais do Mar (Cosac Naify, 56 págs., R$ 32), que chega às livrarias neste fim de semana. "A poesia permite que eu faça essa celebração de modo recatado, escondido", confessa.

A sua poética de temática única e ritmos diversos não é para crianças somente. É para aqueles que veem o mar como o maior dos mestres dedicados a ensinar lições sobre a condução da existência. "O mar nos ensina a noção do tempo cíclico - é só lembrar que a onda vai e vem, a maré enche e vaza", diz. "Essa é uma lição que nós, os ocidentais, não temos arraigada."

A situação piorou, segundo Ana Maria, com a urbanização, que trouxe a luz elétrica, alterando a noção de tempo dada pela natureza. Mesmo modificada pelo avanço tecnológico, essa percepção está intacta nos 19 poemas de Sinais do Mar.

A explicação talvez esteja na história familiar da autora, cujos genes podem ser classificados de marítimos: a sua bisavó portuguesa era conhecida na aldeia como Rosa, a Marinheira, e os seus avós capixabas tinham o oceano na soleira do quintal. As caminhadas diárias à beira-mar apenas reforçaram essa tendência natural a relacionar-se com as águas salgadas.

Interessa à escritora carioca, de 67 anos, lembrar que, desde pequena, quando ia à praia acompanhada pelos pais, as ondas como a vida exigiam coragem e respeito. "Se você tenta fugir da onda, ela é mais rápida que você", diz. "A única coisa a fazer é enfrentá-la, mergulhando por baixo, e se deixar sacudir." E uma nunca vem sozinha. É bom pegar ar e mergulhar de novo, ela explica. "Quis mostrar isso num poema, mas tive de jogá-lo fora por não ter ficado satisfeita com a sua forma."

A navegação literária de Ana Maria Machado durou mais de 20 anos, tempo em que trabalhou nos poemas. "E era capaz de ficar mais 50 anos a reescrevê-los, porque jamais me dou por satisfeita." É muito difícil lidar com a criação, esse universo em dilatação que tem de ser enquadrado em letras. "Meus escritos originais vão, aos poucos, se contraindo para ver se seguro essa expansão", diz. "Quando escrevo poesia, sou mais da família do Graciliano Ramos do que do Guimarães Rosa, porque estou preocupada com a economia de meios."

Ana Maria Machado percebe três vertentes em Sinais do Mar, classificadas de "concretas, narrativas e sensoriais". A primeira se refere aos poemas que citam animais como a gaivota e o siri. A segunda se estrutura na evocação sensorial de sons, visões e cheiros ligados ao mar. A terceira é composta de poemas narrativos, Naus e Nós e Primeiro Mar, os dois trabalhos mais longos, que finalizam a antologia.

Inspirado na figura do marroned, homem castigado com o abandono numa ilha deserta, Naus e Nós é um poema sobre o homem abandonado à própria sorte. Primeiro Mar é uma homenagem à literatura, à imaginação que o domínio das palavras proporciona. "O que se leu mostrava o infinito/ Só não se imaginava tão bonito/ Tão pleno de surpresas e imprevistos." O ritmo é variado.

"Alguns poemas são francamente musicais, com exploração de aliterações, outros são mais focados no jogo com as palavras e na disposição delas na página." A forma varia da métrica tradicional à estrutura do cancioneiro popular.

Pintora, Ana Maria Machado pensou em fazer as ilustrações da sua obra. Mas desistiu. A editora apresentou um livro gráfico, inspirado em poemas e canções de Fernando Pessoa (Ode Marítima), Martin Codax (Ondas do Mar de Vigo) e Dorival Caymmi (O Mar).

As letras mimetizam movimentos marítimos; o papel evoca a textura da areia. Em Sinais do Mar, a imaginação navega livremente. Ela reafirma a validade de uma crença de Ana Maria Machado - apesar das instituições que estabelecem limites, "todos os artistas continuam imaginando". E provocando o desejo de liberdade em todo indivíduo.




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