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Caminhada pela paz atrai 1.000 pessoas
Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
29/04/2013 | 07:00
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Maíla Barreto/DGABC


"Uns vêm para nosso amor, outros vêm para a nossa dor. E a Cynthia veio para o nosso amor. Neste momento tenho só a agradecer pelas manifestações de carinho", disse, em tom baixo e fala serena, sem resquício de revolta, Viriato Gomes de Souza, 70 anos, ao fim da passeata em homenagem à sua filha, a dentista Cynthia Magaly Moutinho de Souza, 47, assassinada brutalmente na quinta-feira em seu consultório no Jardim Hollywood, em São Bernardo.

Movido por sentimentos de solidariedade e indignação, o ato reuniu, segundo organizadores, 1.000 pessoas, entre familiares, amigos e vizinhos da vítima - além de desconhecidos que se sensibilizaram com a barbárie. Debaixo de sol forte, elas percorreram as ruas do bairro, na manhã de ontem, munidas de lenços de papel brancos - muitos, inclusive, vestiam camisetas da mesma cor - e cartolinas com dizeres em prol da paz, após missa na Capela Imaculada Conceição.

"Entreguei para a sociedade uma profissional para colaborar com a vida do povo, e a sociedade me devolveu uma filha morta", lamentou Souza. "Quero que essas mães (dos criminosos) não se sintam culpadas. Acredito que elas criaram seus filhos como eu criei a Cynthia. Não tenho revolta, só tenho desprezo. Se um dia eles se redimirem, a sociedade pode aceitá-los de volta." A polícia prendeu, no sábado, quatro dos cinco integrantes da quadrilha que queimou a dentista viva pelo fato de ela ter em sua conta bancária apenas R$ 30. Os criminosos têm entre 17 e 25 anos, sendo o mais novo o que admitiu ter ateado fogo em Cynthia.

Com a voz embargada, dona Leda, como é conhecida Risoleide Moutinho de Souza, 71, mãe da dentista, disse que o ideal era levar esses jovens para um lugar afastado para que convivessem com animais. "Talvez lá eles encontrem amor e entendam o que é isso. Na prisão eles só vão aprimorar a bandidagem."

O pai da vítima deixou claro, ainda, que não culpa o poder público pelo crime, ao afirmar que foi um ato "pessoal, individual e pontual".

INDIGNAÇÃO
A opinião difere da expressada por parentes e vizinhos. "Espero que seja feita justiça, que as autoridades tomem providências e que sirva de exemplo para que não haja mais crimes como este", disse o tio de Cynthia, Jaime Moutinho, 77, que veio de Belém do Pará com a mulher Rebeca - a família toda, inclusive a dentista, é natural do Norte do País.

Moradores do bairro mostraram-se revoltados com a série de assaltos que vêm ocorrendo por ali há alguns anos, cada vez com mais frequência. "Sofremos com a falta de segurança no bairro. Este foi o caso mais contundente, mas as pessoas aqui têm sido vítimas de furtos em casas, comércios e consultórios", denunciou o médico Robson Barbosa de Miranda, 47, morador do local há 12 anos. "O problema é que as pessoas não comunicam a polícia dos incidentes ocorridos e, portanto, não vemos nenhum policiamento nas ruas daqui."

O casal de dentistas Milton e Cláudia Lázaro, 49 e 42, respectivamente, se sente, ao mesmo tempo, indignado e aliviado. Eles têm consultório na Rua Copacabana, a mesma onde Cynthia atendia. "Pouco antes do crime eu tinha saído para buscar meus filhos, e o consultório ficou vazio. Os bandidos poderiam ter batido lá", disse Cláudia. Lázaro contou que em 1998 sofreu sequestro relâmpago e em 2007 foi rendido e levaram seu carro no local. "Não fui morto antes da Cynthia por sorte. Já fiz abaixo-assinado com mais de 100 assinaturas, há três anos, para instalarem base policial no bairro, mas não deu em nada."

A auxiliar de limpeza Cristina Abreu, 61, completou que esse seria direito dos moradores por pagarem impostos. "Na época, um major da polícia falou que o bairro era muito bom, e melhor que ele só o Morumbi, em São Paulo." Sem estatísticas de criminalidade, porém, ressaltou Lázaro, o pedido perdeu força. Por isso a importância, reforçada pelo carro de som que conduzia a passeata, em registrar boletim de ocorrência, em delegacias ou pela internet, para ter direto a mais segurança. "O bairro aqui é bom, mas não podemos ceder. O mal não pode nos vencer."

O ato, que durou cerca de uma hora e meia, contou também com orações e endossou pedido de presença em manifestação pela paz que acontecerá na Via Anchieta amanhã, às 17 horas. O ponto de partida será a Rua Copacabana, na praça vizinha à capela.

 

Solidariedade e dedicação eram marcas registradas da vítima

A calma, tímida e reservada Cynthia, como é descrita pelos parentes e vizinhos, era querida por ser uma pessoa muito solidária, que atendia a todos, mesmo que não tivessem dinheiro para pagar na hora. "Ela deixava para acertar depois ou só cobrava o material utilizado, mas nunca deixava de ajudar. O que aconteceu foi uma grande fatalidade", disse o metalúrgico aposentado José Antunes, 72 anos, morador do Jardim Hollywood.

Prima da dentista, a médica Mônica Moutinho, 39, contou que ela acabava se isolando por conta da irmã Simone, 42, que tem deficiência mental. Tanto que os contatos com a família, mesmo com Mônica morando na Capital, eram feitos, em sua maioria, pelo telefone.

Dona Leda, mãe de Cynthia, detalhou que a dentista acordava todos os dias às 5h30, varria a casa, dava os remédios à irmã e a levava para a escola especial. Só depois ela começava a trabalhar. "Ela era muito dedicada em tudo o que fazia. Cynthia se jogou de cabeça no consultório. Ela lia muito, estudava muito. Inclusive, ela comprava livros e gibis em inglês para praticar o idioma", relatou a mãe, enquanto, andando com dificuldade e visivelmente abalada, mostrava a cena do crime - ainda intacta, com forte cheiro de queimado, cinzas brancas pelo chão e repleta de lembranças dolorosas.




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