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Segunda-Feira, 29 de Abril de 2024

Entrevista da Semana
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Entrevista da semana
'Fomos à China para 'vender' o Grande ABC'
Nilton Valentim
25/03/2024 | 07:42
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FOTO: André Henriques/DGABC


Uma rodada de negócios envolvendo empresas chinesas que têm intenção de investir no Brasil, provavelmente em maio, por enquanto é o principal resultado da viagem que uma delegação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC fez à China. O grupo visitou indústrias automobilísticas, de semicondutores, entidades sindicais, de ensino e banco dos Brics. Segundo Wellington Damasceno, diretor administrativo do sindicato, um dos objetivos foi apresentar o Grande ABC para os chineses e mostrar que a região tem potencial para receber investimentos. Além de conhecer, na prática, os efeitos da eletrificação na produção e nas relações de trabalho. Leia a entrevista:

Nome: Wellington Damasceno
Idade: 38 anos
Local de nascimento: São Caetano e mora em Santo André
Formação: Pós-graduado em direito e relações do trabalho
Hobby: Brincar com as crianças (tem dois filhos).
Local predileto: Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Livro que recomenda: A História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman
Artista que marcou sua vida: Fernando Anitelli, músico, criador do grupo O Teatro Mágico
Profissão: Metalúrgico
Onde trabalha: Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no Centro de São Bernardo

Uma delegação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC acaba de retornar da China. O sr. consegue fazer um balanço dessa viagem?

Foi uma imersão espetacular. Viver a China é algo que não conseguimos explicar. É outra dimensão. Eles, em muito pouco tempo, conseguiram dar saltos tecnológicos e de qualidade de vida que a gente não tem dimensão nem parâmetro para comparar. Quando olhamos para as agendas práticas, olhar a indústria, olhar o conglomerado de investimentos, a gente percebe como eles associaram o crescimento do país com o desenvolvimento tecnológico e industrial. Além disso, o governo apoia muito o desenvolvimento das empresas, mas as contrapartidas são muito claras. A empresa precisa fazer a sua parte, ter preço acessível, contribuir com o desenvolvimento local – da cidade ou da região –, exportar e ganhar mercado e precisa desenvolver tecnologia para ser pioneira ou ter liderança em determinada área. Isso para nós choca por um lado, pois vemos que eles estão anos-luz à nossa frente. Por outro, serve de inspiração em muitas áreas em que o Brasil tem condições também de disputar o protagonismo. O que precisamos é organizar as ideias, políticas públicas e não ter medo de fazer. Nós conseguimos projetar o Grande ABC para além da indústria, além de ter uma imersão de como a China conseguiu se desenvolver do ponto de vista social, atrelado ao desenvolvimento econômico e tecnológico. E o crucial é como o desenho da política se concretiza. O regime é diferente do nosso, mas podemos fazer muita coisa. Nos inspira a dialogar com quem estiver disposto e fazer outros modelos de governança para ver acontecer também no Brasil.

Qual foi o resultado prático dessa viagem?

A primeira coisa é que nós fomos para conhecer o processo de eletrificação do setor automotivo. Temos buscado negociar tanto políticas públicas no Brasil quanto acordos, como foi com a Volkswagen para a produção de carros híbridos. A gente tem discutido isso, mas não sabe exatamente o que é. O impacto dessa eletrificação nos empregos, na qualificação profissional. Então fomos onde hoje é o principal polo de produção, de tecnologia, que lidera no mundo na eletrônica embarcada ligada ao setor automotivo. O que eles estão fazendo? Como estão fazendo? Como isso afeta os trabalhadores? Passado isso, fomos em empresas que já vieram conversar com o sindicato. E em algumas que não vieram, mas que têm intenção de vir para o Brasil. Nós fomos ‘vender’ o Grande ABC. Essa foi uma das nossas tarefas. E nós deixamos claro que o sindicato não é um bicho-papão para as empresas, pelo contrário, nós somos um sindicato de luta, mas um sindicato propositivo, que busca soluções conjuntas, que negocia diretamente com entes governamentais. E nós fomos além, fomos conversar com conglomerados que não são do setor metalúrgico/automotivo, mas que, de alguma maneira, têm interesse de entrar e fazer parcerias em obras no Brasil. Isso também é importante para a nossa região, como conseguimos atrelar as necessidades de investimento em infraestrutura com essa visibilidade que o Brasil ganhou novamente e com a China querendo parceiros comerciais para fazer investimentos. Hoje, a gente não está sabendo vender o Grande ABC, que já foi pujante, mas não está aparecendo quando se fala do Brasil. O Estado de São Paulo tem uma cartilha, que foi encaminhada à China, que fala muito de setor de suco de laranja, um pouco do setor sucroenergético e da produção de commodities. Mas não tem o Grande ABC como uma região de logística privilegiada, mão de obra qualificada, do lado do maior mercado consumidor do País, com o quarto maior PIB do Brasil. Ninguém está falando disso. Então nós fomos falar. Nós somos sindicato, não temos governança sobre as cidades, mas a gente dialoga e estamos tentando viabilizar a chegada de empresas e de algum tipo de investimento aqui.

O que o sindicato trouxe de prático da China?

De prático, apenas um evento que marca os 50 anos de relações Brasil e China. A gente combinou tanto com a Embaixada do Brasil na China quanto com a Embaixada da China no Brasil e com algumas empresas de fazer um evento no sindicato. Queremos aproveitar para uma rodada de negócios. Trazer empresas chinesas que querem se instalar aqui e que nós tivemos contato e empresas brasileiras que, inclusive, podem receber injeções de recursos de capital chinês para se levantar. De forma prática alguma empresa sinalizou (que vem para o Grande ABC)? Ainda não. Isso nós não temos. E se eu tivesse não falaria nesse momento. Ia guardar, porque o jogo no Brasil está muito pesado. Empresas que conversam com a gente com interesse de se instalar no Grande ABC estão sendo assediadas por outras regiões do País. E com vantagens que nós não temos. Porque as conversas que tivemos com o governo do Estado não avançam no sentido de a gente voltar a ser um polo (industrial), ou ter o apoio do governo do Estado, como outros Estados estão se movimentando. Então, por isso, a gente está sendo um pouquinho mais retraído. No começo, anunciávamos os memorandos de intenção (de instalação de fábricas na região), depois percebemos que outros estavam procurando essas mesmas empresas. Então abrimos o olho e nos tornamos mais pragmáticos. Mas saímos muito animados.

É perceptível que há uma mudança de comportamento em relação ao sindicalismo, se comparado com décadas atrás. Como o sr. vê isso?

São momentos distintos. Nas décadas de 1970 e 1980, a briga era para alguém sentar com a gente para negociar as questões dos trabalhadores, as exigências, a questão salarial. Tínhamos de judicializar ou fazer greve para que alguém ouvisse. Ninguém virava carro porque gostava ou porque dava uma foto bonita no jornal. É porque estávamos falando com as paredes. Hoje não. Nós aprendemos muito a dialogar. Dialogar com o empresário, com o poder público, com outros países. No fim das contas, o que a gente quer é que o Grande ABC se desenvolva. Se a região não for viável, as empresas saem, os empregos saem e a região acaba. Aqui é o lugar em que a gente vive. O sindicato só existe porque tem empresas aqui, porque tem um parque (fabril) que funciona, que tem uma rede de universidades que dá, inclusive, condições de fazer o desenvolvimento tecnológico. Se perdemos isso, o que vai ser da região? Esse é o avanço dessa concepção do sindicato. No dia que o presidente Lula foi na Volks (em fevereiro), havia dois representantes da empresa no palco, com fala, e dois representantes do sindicato. E se contar do lado do governo, havia dois ex-presidentes do Sindicato dos Metalúrgicos (Lula e o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho). Isso faz parte do amadurecimento do relacionamento com a Volks. A empresa tem claro que ela tem alguns interesses e nós temos outros. E que em certas medidas eles convergem. Mas diariamente tem discussões pesadas e duras para garantir que o trabalhador tenha melhores condições e a fábrica tenha maior viabilidade nos negócios. A gente sabe que em alguns momentos somos muito antagônicos, mas vamos discutir o que podemos fazer na convergência. O resto a gente vai brigar. Quando os dois lados entendem isso, a relação flui.

Com relação à fuga de empresas da região, o que é possível fazer para que elas permaneçam no Grande ABC?

Aí tem uma questão das políticas públicas. Porque aqui é uma desarticulação enorme entre as três esferas de poder. O município normalmente olha e diz que não tem o que fazer. O governo do Estado, estrategicamente, não tem um olhar voltado à indústria e, na maioria das vezes, não entra na discussão. E no governo federal, tivemos o azar de termos (Michel) Temer e (Jair) Bolsonaro, que foram tragédias para o Brasil. No fechamento da Ford, procuramos o governo Bolsonaro. Pediram para o (Hamilton) Mourão (vice-presidente) receber a gente. Falamos que estavam envolvidos 25 mil empregos diretos e indiretos, que era uma fábrica histórica. Ele falou que esse era um problema do mercado, que o governo não poderia se meter. Se não era competitiva, tinha de fechar mesmo. Isso é um absurdo, do ponto de vista que era uma empresa que recebeu incentivos dos mais diversos ao longo dos anos, que tinha uma cadeia estruturada de fornecedores, teve empresa que fechou as portas. O sindicato pode provocar. Provocar governo, empresas, fazer rodadas de negócios. Articular com o Consórcio (Intermunicipal do Grande ABC), com as universidades, com o Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) para melhorar o ambiente. Agora, os governos precisam ter um alinhamento melhor. O governo federal precisa garantir um ambiente de competitividade semelhante, não pode haver desequilíbrios na relação de disputa das empresas no mercado. O governo de São Paulo, precisa ter um protagonismo. Não pode assistir a outros Estados tomando a dianteira, sendo ousados na estratégia de buscar empresas e achar normal. Na questão industrial, o governo de São Paulo é omisso. E as cidades da região deveriam fortalecer mais a governança do Consórcio. Infelizmente, cidades como São Bernardo se omitem na questão do fechamento de empresas. Tem pouco que se fazer, mas poderia pautar a discussão no Consórcio, chamar outros atores e ser mais proativo, liderar discussão, uma frente contra o fechamento. Tem de ser propositivo. As cidades do Grande ABC não podem querer resolver problemas isoladamente, que é o que tem sido feito nos últimos anos. Tem cidades que deixaram o grupo. Enquanto o Consórcio do Nordeste está nadando de braçada, com articulação muito bem feita. Um Estado não disputa com o outro e todos estão crescendo. O Grande ABC precisa ter a mesma governança. Os prefeitos precisam parar de buscar o protagonismo para si, o marketing pessoal e olhar para o que será deixado para a região para as próximas décadas. O Grande ABC não pode ser apenas sete cidades. Tem de ser visto como uma grande cidade que tem sete prefeitos. A região precisa voltar a buscar o protagonismo que sempre teve. E isso se dá nas relações, nas articulações, do ponto de vista político e também do ponto de vista prático. Os prefeitos precisam entender que se o Grande ABC vai bem, a cidade que eles governam também vai bem. Se uma cidade perde uma empresa, a outra sofre.




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