Início
Clube
Banca
Colunista
Redes Sociais
DGABC

Segunda-Feira, 29 de Abril de 2024

Entrevista da Semana
>
ENTREVISTA DA SEMANA
‘Anistiar réus do 8 de Janeiro seria ato digno de Lula’
Evaldo Novelini
04/03/2024 | 07:00
Compartilhar notícia
Claudinei Plaza


Arthur Virgílio perdeu poder político, mas não a verve ferina e a velocidade de raciocínio que o caracterizaram em sua trajetória de homem público, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República durante o Governo FHC, senador e deputado federal pelo Amazonas e prefeito de Manaus, onde ainda reside, por três vezes. Depois de se afastar do PSDB, que ajudou a construir, aproximou-se do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não decidiu em qual partido vai se filiar. Todavia, quer se manter longe do PT, do atual chefe da Nação, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem solicita que anistie os manifestantes do ato de 8 de Janeiro de 2023.

O sr. se desfiliou recentemente do PSDB, partido que ajudou a fundar. Como está seu envolvimento com a política neste momento?

Meu tempo no PSDB se esgotou. Sou apaixonado pelo PSDB, partido que, como uma formiguinha, ajudei a crescer. Fui um dos muitos. O partido tinha os melhores economistas, os melhores cientistas políticos, os melhores filósofos, os melhores escritores, os melhores juristas, os melhores profissionais de cada área. Jamais foi o maior partido da América Latina, mas era o melhor. O de hoje não é. Hoje é um partido como os demais, que se porta como os demais. Possui os mesmos hábitos e os mesmos vícios que os demais. Qual o sentimento que tenho hoje pelo PSDB? Nenhum. Não desmereço o partido, digo apenas que não é mais o meu.

O sr. pretende se filiar a algum outro partido?

Como ainda não considero encerrada a minha vida pública, vou procurar um outro partido no qual me sinta bem, no qual me sinta ajudando a fazer alguma coisa boa para o País. Mas precisa ser um partido que tenha uma linha econômica revolucionária, que pregue que o Brasil vire o que ele não é: um País capitalista. A China, por mais incrível que pareça a alguns, é muito mais capitalista que o Brasil; só não é tão democrática como pretendemos que o Brasil não deixe de ser. Mas busco esse partido sem pressa, porque não sou candidato a nada nas eleições de outubro.

O sr. tem se aproximado do bolsonarismo. Inclusive participou do ato do dia 25 de fevereiro na Paulista...

Estou próximo à oposição ao Lula. Fui durante oito anos líder das oposições ao governo do presidente Lula. Fui inflexível com ele e ele inflexível comigo – tudo bem, chumbo trocado não tem nenhum problema – e não teria agora nenhuma razão para fazer parte do governo dele ou ser neutro em relação ao seu terceiro governo.

O sr. votou em Jair Bolsonaro nas últimas eleições?

No segundo turno. No primeiro, votei na Simone, filha de um querido amigo, o (ex-) presidente (do Senado) Ramez Tebet. Hoje, como ministra do Planejamento e Orçamento, com uma simples nomeação, fico com a sensação de que posso ter votado errado. A Simone nomeou o Marcio Pochmann, que é um maquiador de número, para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Veja você, tanta madame em cabeleireiro precisando se embonecar na maquiagem, ele resolve vir maquiar números que prejudicam o planejamento do Brasil. Ele deveria se recolher ao tamanho dele e ser maquiador de madames, preparar noivas para casamentos. Não acredito em mais nada do que o IBGE diz.

O sr. duvida dos números oficiais do Brasil?

Quando o IBGE fala que a inflação é de tanto, faça um teste. Vá ao supermercado hoje com a sua esposa e compre oito itens. Daqui a um mês, você só vai conseguir comprar seis (com o mesmo dinheiro). Mais um mês, quatro. Daqui a pouco tem de aumentar a quantia de dinheiro e nem todo mundo tem condições. E estão fazendo uma medição da inflação de maneira muito deles, muito especial, muito com a cara do governo Lula, que é reduzir o tamanho do invólucro. Baixam o preço do produto, mas entregam ainda menos conteúdo. Dá-se a impressão de que baixou o preço, de que se colocou o País no rumo certo, mas é ilusão. Todo mundo que frequenta supermercado sabe desse fenômeno, não apenas eu.

Qual a avaliação do sr. sobre o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad?

A política econômica está em mãos equivocadas. Em mãos de um sujeito em que a economia vai para um lado e ele vai para o outro. Cadê o arcabouço fiscal? Em que prateleira está escondido? A Reforma Tributária é um monstro. Acabam de anunciar que vão mesmo taxar as pessoas mais ricas, como se os Estados Unidos resolvessem sobretaxar o Elon Musk e todos os outros bilionários e bilionárias. Eles não se dão conta – e isso parece ser algo difícil de uma pessoa como o Haddad compreender – de que esse capital pode ir embora. Estou notando que pessoas, de 25 a 80 anos, com o sentimento de que querem ir, espontaneamente, para longe do Brasil.

Na avaliação do sr., o problema então é cobrar imposto dos super-ricos?

Estou vendo insegurança jurídica. Por exemplo, estamos vendo um pobre vendedor ambulante ser condenado como se fosse alguém que tentou um golpe (de Estado) sem ter direito a um advogado.

O sr. sempre foi um entusiasta do ajuste fiscal...

Nas três vezes em que governei a cidade de Manaus eu a peguei deficitária e precisei apostar no saneamento das contas para fazer algumas coisas. Foi assim que fiz o Museu da Cidade, que conta a história de Manaus pelo ciclo das águas, e o Centro de Controle da Cidade, que dá todas as respostas que o gestor precisa para governar, inclusive se vai chover ou se vai ter greve.

A União anunciou recentemente investimentos na Zona Franca de Manaus, que sempre contou com a defesa do sr. Esse é um acerto do governo Lula?

A Zona Franca de Manaus nasceu por inspiração do meu querido amigo Roberto Campos, uma figura que, para mim, é um exemplo de vida, pela sua inteligência e pela sua argúcia. Inteligente como ele era, disse ao presidente Castello Branco (de quem foi ministro do Planejamento): “Vai ser excelente para a defesa porque vai haver pessoas nas fronteiras”. Para implantar um polo de desenvolvimento regional baseado em incentivos fiscais, Roberto Campos aproveitou-se do desejo que o presidente da República tinha de guarnecer as fronteiras, por uma questão de segurança nacional. Por aqui dizem que praticamos extorsão porque vivemos de impostos. Mas devolvemos muito mais. Pagamos mais impostos federais do que o Pará, que tem o dobro de nossa população, Amapá, Rondônia, Roraima, Acre e Tocantins. Somos credores da União. Há preconceito muito grande. Nós consumimos 8% dos incentivos fiscais e dá esse escândalo todo. Já o Sul e o Sudeste ficam com 59%, 60%. Por isso não chamo de Zona Franca de Manaus, chamo de Polo Industrial de Manaus no Amazonas. Não tem nada franco ali, porque pagamos impostos demais, e também não é zona, porque não tem cafetão nem prostitutas (risos). Então, se não fizermos uma reforma muito profunda – e o Lula não é capaz de fazer nada profundo – a Zona Franca acaba por inanição. Aí vai ser a debacle do que restar da floresta.

Qual a avaliação do sr. sobre a preservação da Floresta Amazônica no primeiro ano do governo Lula?

Ele mente para o Exterior que está controlando as queimadas. Não está. Foi o pior fevereiro de todos os tempos no quesito incêndios desde o início da série história em 1989, quase 25 anos atrás.

O sr. tem denunciado publicamente, a propósito, que a proteção aos ianomâmis não melhorou com a chegada de Lula ao poder...

A (ministra dos Povos Indígenas do Brasil) Sonia Guajajara duas vezes desautorizou o Lula. Ela, coitada, não tem alcance para compreender o que se passa em Israel, mas tem alcance para dizer que não fizemos nada pelos ianomâmis – e ela disse. Mais de uma vez. E ela disse também que havia gente interessada em praticar uma negociata nojenta na foz do Rio Amazonas, que é o projeto de prospecção de petróleo. Haveria implicações ambientais, mas sobretudos aos indígenas. Significaria presença de pessoas prejudicando a paz deles, prostituindo índias, levando drogas para eles se viciarem. Seria uma coisa horrível. Ela disse que o Lula não está fazendo nada pelos ianomâmis – e ele não faz nada mesmo – e, a continuar assim, isso se caracterizará, em breve, em genocídio. Genocídio não é só exterminar todos os chineses; é exterminar um país com 3 milhões de habitantes, como o Uruguai, ou 30 e poucos mil ianomâmis.

O que o sr. acha da polarização política que tomou conta do Brasil, especialmente depois do surgimento das redes sociais?

Quando o José Múcio, ministro da Defesa, disse que não teve golpe, o que eu falei nas redes? O que faz um opositor? Aplaude. Porque não interessa a ele que alguém diga que teve golpe, porque não teve. Não teve tentativa de golpe. Elogiei o (ex-deputado federal) Miro Teixeira – meu adversário, brigamos mais do que a conta – quando disse que não houve tentativa de golpe, que o que houve foi uma escaramuça. Todos aqueles que disseram que não houve tentativa de golpe eu estou elogiando, porque entendo que a gente só atira em adversários, não em aliados. Mas as pessoas diziam: “Mas eles fizeram o ‘L’!” Não sei se fizeram W, X ou L. Se o Lula resolvesse fazer a anistia, respeitasse a democracia e parasse com essa perseguição insana ao Bolsonaro, eu diria: “Está tomando atitude digna de um presidente”. O Brasil está muito dividido. Não deve ser assim. Veja os partidos Democrata e Republicano. São adversários, mas ambos não têm nenhuma dúvida em se unir se os Estados Unidos estiverem em perigo. Nenhum dos dois hesita em defender Israel.

Além de participar do ato pró-Bolsonaro, quais são as suas outras agendas públicas?

Quero uma audiência com o (presidente argentino) Javier Milei. Tenho vontade de falar umas poucas palavras a ele: “O senhor está indo muito bem, mas não tem uma maioria parlamentar sólida. Dentro da licitude, faça de tudo para ter a maioria parlamentar. Caso contrário, a Argentina vai se dissolver como nação”.

Raio-X

Nome: Arthur Virgílio Neto

Idade: 78 anos

Local de nascimento:Manaus, capital do Amazonas, onde segue residindo

Formação:Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e diplomata, pelo Instituto Rio Branco

Hobby: Leitura

Local predileto: Minha casa

Livro que recomenda: O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde; Dom Casmurro, de Machado de Assis; “ou qualquer um do poeta Fernando Pessoa”

Personalidade que marcou sua vida: Fernando Henrique Cardoso

Time do coração: Flamengo

Profissão:Advogado e diplomata




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.