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Segunda-Feira, 29 de Abril de 2024

Entrevista da Semana
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Entrevista da semana
‘Fim da saidinha pode ter grave efeito colateral’
Raphael Rocha
26/02/2024 | 08:16
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FOTO: André Henriques/DGABC


Um dos nomes mais respeitados no direito criminal do País, Carlos Kauffmann acredita que o avanço do projeto de lei que extingue a saída temporária de presos, a saidinha, terá efeito colateral contrário, uma vez que é ínfima a parcela de presos que cometem delitos durante o período do benefício. “É mais fácil você proibir do que implementar um sistema efetivo. Acho que o efeito colateral será pior que a lei”, avalia. Em entrevista exclusiva ao Diário, Kauffmann anuncia a criação de movimento de defesa da advocacia, com olhar voltado ao jovem advogado que, segundo ele, tem ingressado no mercado de trabalho sem amparo das instituições.

Nome: Carlos Fernando de Faria Kauffmann
Estado civil: Casado, pai de três filhos
Idade: 54 anos
Local de nascimento: Mogi das Cruzes, mora em São Paulo
Formação: Direito pela PUC
Hobby: Ler, jogar tênis, praticar esportes e passear
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: Livros de Jorge Amado, Stephen King e Mario Vargas Llosa 
Personalidade que marcou sua vida: Meu pai, advogado Mario Kauffmann
Profissão: Advogado
Onde trabalha: Na PUC e no escritório Kauffmann e Soares Associados

Como o sr. avalia o cenário atual da advocacia?
Vendo essa essa série de questões que hoje incomoda a boa advocacia, vendo que nós temos uma jovem advocacia, mais de 200 mil advogados perdidos, sem saber como trabalhar, que não têm como começar e o que comer, vendo que a advocacia e a representatividade da advocacia estão desaparecendo, que a OAB perdeu o significado forte, a gente montou e começou a discutir, em um grupo de advogados mais velhos e também jovens, que estava na hora de tomar uma atitude, de mudar, de provocar as instituições, de tentar levar demandas sérias, demandas corretas. Mostrar que a instituição não serve só para balcão de negócios ou para favores pessoais. Então, a gente resolveu montar algo chamado Núcleo de Valorização da Advocacia, com seu pré-lançamento organizado na terça-feira da semana passada. E o que isso significa, esse Núcleo de Valorização da Advocacia? É justamente uma entidade civil que vai, a partir de agora, ouvir as demandas da advocacia. Nós queremos sentar com a jovem advocacia e saber dos problemas, o que eles estão precisando, o que a advocacia precisa para se estabelecer? Eu acho que uma das coisas que faltam à jovem advocacia e para todos são bons exemplos. A questão está desvirtuada quando os exemplos são aqueles no qual a gente só dá valor porque se deu bem financeiramente ou porque potencialmente aparenta ter se dado bem financeiramente. Se for isso, os valores estão completamente invertidos. Advocacia não é isso. É investimento a longo prazo, lembrando que a jovem precisa trabalhar, precisa receber para se estabelecer, então você precisa ampliar o mercado de trabalho e construir o amadurecimento da advocacia. Você precisa trazer essa jovem advocacia para dentro das instituições. O jovem advogado que recebe uma carteira da OAB e vai para o mercado de trabalho justamente começar. Então o que que você tem que fazer? Tem que entrar dentro da OAB, da instituição, você tem que criar, por exemplo, uma plataforma online de apresentação correta com regras éticas, totalmente democráticas para todos advogados que queiram aparecer. Se a loja da esquina está precisando de advogado, ela não vai sair por aí perguntando no TikTok. Ela entra no site oficial da OAB, consegue localizar o advogado que queira se apresentar. Ao mesmo tempo você vai fornecer para essa jovem advocacia cursos, mas não só cursos jurídicos, ter cursos técnicos, mas é importante que ela saiba como participar de uma audiência, como se apresentar uma audiência, como falar com o cliente, como fazer um contrato, é importantíssimo isso. Aqueles que têm a oportunidade de fazer um estágio aprendem. 

A inteligência artificial tem potencial de mudar a rotina do trabalho do advogado?
Ouvindo as pessoas, ouvindo os problemas, ouvindo as especialmente financeiras, como abrir mercado de trabalho, como a inteligência artificial pode auxiliar nessa jovem advocacia e nessa advocacia que está se apresentando. A inteligência artificial é uma realidade, os tribunais estão utilizando a inteligência artificial até para barrar recursos. Como uma inteligência artificial pode ser utilizada em benefício da advocacia? Como trazer isso para o bem da advocacia, para agilizar, melhorar, trazer aprendizado aos processos. Mas uma coisa precisamos ser claros: a inteligência artificial jamais vai substituir a advocacia. Não pode confundir que o advogado vai ser substituído por inteligência judicial, mas ele vai ter que aprender a usar a inteligência artificial em seu benefício. Não dá para ignorar, é uma realidade que está surgindo. Da mesma forma como você não pode substituir um magistrado por inteligência artificial, você jamais pode substituir um advogado social. A inteligência artificial pode ser um mecanismo de auxílio, o que é uma realidade. Então tudo isso tem que ser trazido, como disponibilizar isso de uma maneira absolutamente democrática para toda advocacia? Este é o papel das instituições. O que o advogado recém-formado precisa? Ter condições mínimas de trabalho para poder buscar o seu trabalho, buscar o seu cliente, para se desenvolver, ter um computador com que ter internet ,espaço para reunião e audiências, mas, principalmente, ter conhecimento. O núcleo quer ouvir as demandas e preparar projeto de demandas e apresentar para as instituições.

Como o sr. vê ex-presidentes da OAB, em nível estadual e federal, concorrendo a cargos públicos da política?
Eu não vejo nenhum problema em uma pessoa, que de alguma forma exerceu o protagonismo, exerceu uma liderança e trabalhou pela advocacia dentro de uma instituição, depois continue trabalhando pela advocacia fora da discussão. O meu grande problema é assim. A OAB é um órgão político? Sem dúvida nenhuma. Mas ela tem que ser apartidária. Quando um advogado está defendendo alguém de esquerda e sofre uma violência, a OAB tem de estar presente. Quando o advogado defende alguém de direita, extrema-direita e sofre uma violência, a OAB tem de estar presente. A OAB ela tem que ser completamente apartidária. Ela não pode ter nenhum partido ou ideologia política. Ela tem de exercer influência no sistema político para fazer valer a democracia. É muito importante que tenha advogado no Congresso, na Assembleia, em todos os setores. E que esses advogados estejam nesses setores defendendo a advocacia. O que eu acho errado é a OAB defender um advogado por seu lado político. Isso está errado. Se ele é de esquerda e defende a advocacia, está certo. Se for de direita e defende a advocacia, também está certo. Uma coisa é a gestão política e outra é apego a poder, o que não pode ter. Eu sou absolutamente contra a reeleição dentro da OAB. Não tem por que ter reeleição. São inúmeros advogados, no Estado são 500 mil advogados. Dentro do conselho, são 160 conselheiros. É muita presunção achar que sou o único que pode comandar a OAB. Evidentemente que há boas pessoas que fizeram boas gestões. Mas a busca incessante pelo poder não pode acontecer.

Como o sr. tem visto as recentes nomeações ao Supremo Tribunal Federal?
As figuras são qualificadas, independentemente da questão política. Espero que elas entendam que a função delas agora têm de ser apartidária. O Supremo tem uma função política, sem dúvida nenhuma, mas tem de apartidário. E a partir do momento que você assume uma posição de magistrado, você tem que permanecer equidistante das partes e ser apartidário. Eu acho que tem que ser rediscutido no sistema nacional a forma de indicação ao Supremo. A indicação para o Supremo é completamente livre do presidente da República. É uma discussão que precisa surgir, não uma imposição. Por que não criar listas sêxtuplas ao Supremo Tribunal Federal? Como acontece em tribunais, onde você pega dois integrantes da advocacia, indicados, dois integrantes do Ministério Público e dois da magistratura. Pode ser indicado pela OAB federal, pela Procuradoria-Geral da República e pelo Superior Tribunal de Justiça. Pega essa lista sêxtupla, seis pessoas indicadas de maneira livre e aí vem outro problema. Hoje em dia o Congresso Nacional tem o poder de veto na teoria, mas ele não exerce o poder de veto. É o poder de homologação porque já vai com a pessoa indicada e ninguém é vetado. Pega essa lista e manda para o Congresso. Escolhe um da advocacia, um da magistratura e outro do Ministério Público e o presidente escolhe um deles. É uma escolha democrática, com todos os atores participando, o Congresso exercendo poder de veto e o presidente, de escolha. A escolha livre não funciona. Em que pese haja pessoas boas lá dentro, mas ela não funciona.

Existe na Câmara um projeto de lei que regulamenta as decisões monocráticas do Supremo...

Esse projeto de lei é muito importante porque é o seguinte. Onde que ele está querendo limitar? Existe uma lei feita pelo Congresso, de forma democrática, Congresso democraticamente eleito. A partir do momento que essa lei entrou em vigor, e alguns partidos políticos que já fizeram isso, entraram com arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo, dizendo que a lei não é correta. Oras, a lei foi aprovada no Congresso, cumpriu todos seus trâmites. Aí vem um ministro, monocraticamente, e suspende os efeitos da lei. Um ministro só não pode suspender o efeito da lei, ela foi aprovada no Congresso. Isso não é uma intromissão ou uma diminuição nos poderes do Supremo, mas é para dizer que, ao analisar a constitucionalidade da lei, façam de forma integral por todos os ministros. O que não pode é que, por conta de uma decisão monocrática, ou seja de um ministro, suspender a eficácia de uma lei e essa eficácia ficar suspensa até que ela seja julgada pelo pleno três, quatro, cinco meses. O Supremo é um órgão colegiado. Infelizmente o Supremo hoje está sendo órgão de um ou outro ministro, isolado. Não vê mais decisão coletiva. Não ouve mais o Supremo decidiu, mas um ministro ou outro decidiu. Decisão monocrática não pode ser prolongada.

O sr. é a favor do projeto de lei aprovado no Senado que veta a saidinha de presos?
A saidinha de preso é histórica. Você não pode punir uma grande proporção de pessoas por conta da ineficácia de poucos. Você não pode atrapalhar, punir ou prejudicar uma grande quantidade de pessoas por conta de falhas administrativas de fiscalização. Todo o sistema penal é feito de forma progressiva. No Brasil, o preso entra em regime mais grave, ele vai evoluindo, ele vai melhorando, ele vai se reencontrando no sistema, vai para o regime semiaberto, ele começa a trabalhar fora e voltar para cumprir pena à noite. Então ele vai ressocializando. No total, 98% dos presos se enquadram nisso e vão entendendo o caráter ressocializador. A pena tem caráter de castigo, mas de ressocialização também. Temos um problema fiscalizatório. As pessoas que têm direito à saidinha são aqueles presos que estão preenchendo algumas funções, como bom comportamento, em regime semiaberto, estão em uma escala de evolução. Mas tem uma parcela pequena que, quando sai, pratica crime e acaba fugindo. Por conta dessa pequena parcela uma grande maioria das pessoas é prejudicada. Temos que melhorar a fiscalização de eventuais saídas. Tem de implementar melhoria do sistema. Pode ser utopia, mas é preciso de investimento. Mas é um investimento que não traz retorno político. É mais fácil você proibir do que implementar um sistema efetivo. Acho que o efeito colateral será pior que a lei.




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