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Segunda-Feira, 29 de Abril de 2024

Entrevista da Semana
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Entrevista da semana
‘A violência não pode sobrepor a infância’, diz Ana Lucia Sanches
Beatriz Mirelle
29/01/2024 | 08:28
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FOTO: Dino Santos/Prefeitura Diadema


Inclusiva, libertadora e potencializadora. Essas são as palavras que Ana Lucia Sanches, coordenadora do GT (Grupo de Trabalho) de Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e secretária de Educação de Diadema, utiliza para definir o conceito de “escola”. Entre os desafios diários da educação nacional, fazer com que esses três adjetivos se tornem realidade em todas as unidades escolares é o mais latente. Em entrevista ao Diário, ela comenta sobre a promoção de cultura de paz, demanda por vagas em creches, fortalecimento da rede estadual e adaptação aos cortes no Salário-Educação.

Nome: Ana Lucia Sanches
Idade: 55 anos
Local de nascimento: São Bernardo
Formação: Doutora no Programa de Pós Graduação Educação e Currículo e mestre em Serviço Social pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Hobby: Viajar
Local predileto: Diadema
Livro que recomenda: Pedagogia do Oprimido, do educador Paulo Freire
Artista que marcou sua vida: Taiguara
Profissão: Coordenadora do GT (Grupo de Trabalho) de Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e secretária de Educação do Município de Diadema
Onde trabalha: Secretaria de Educação de Diadema e Consórcio Intermunicipal do Grande ABC

A senhora começou a dar aula em 1987. O que a motivou a escolher a docência como profissão?

Toda vez que fico confusa, agoniada, tento revisitar aquela menina que habita em mim e me fez escolher a educação. Nos anos 1980, era uma época de muita efervescência social, período do processo de redemocratização do Brasil, o Grande ABC com aquela força dos movimentos sociais. Eu fui contaminada. Esse espírito de democracia, de direitos sociais cria uma ambiência muito fértil no ponto de vista dos sonhos. Fui nessa onda acreditando que o mundo poderia ser melhor a partir da educação e da formação das pessoas. Quando vamos ficando mais duros com os problemas da vida, é importante revisitar a adolescência. Tudo remete a uma brisa feliz, esperançosa, freiriana que me influenciou a começar a dar aula na educação básica. 


Após todos esses anos, como a senhora enxerga o poder de mudança que a educação tem na sociedade?

A docência é um lugar libertador, principalmente na valorização dos alunos como sujeitos potentes. A sala de aula é um ambiente de inclusão desde que a gente cumpra a natureza do nosso trabalho de educador de incentivar a experiência coletiva dos estudantes e de fortalecê-los. A gestão pública, com uma administração democrática promovida pelo prefeito José de Filippi Júnior, é algo que me motiva também. Quando você tem um governo que olha para educação como prioridade, você sente que a cidade e a população melhoram.

Tivemos nove casos de violência nas escolas em 2023 e, neste ano, os crimes de bullying e cyberbullying foram incluídos no Código Penal Brasileiro. De que forma esse decisão pode ajudar a proteger crianças e adolescentes e evitar que a escola se torne um lugar de opressão? 

Durante essas crises, priorizamos nossos projetos para incentivar a cultura de paz. O processo de formação que dialoga com professores, familiares e estudantes é uma vela que não pode ser apagada. Nós, em Diadema, já tínhamos a ‘Escola que Protege’ desde 2021, vinculada a busca ativa dos alunos. Depois, avançamos com o Observatório Municipal de Segurança, em que fazemos trabalhos regionalizado com as nossas quatro macrorregiões e discutimos as tensões que temos para construir escolas melhores. A lei que coloca bullying e cyberbullying no Código Penal vem muito de encontro com a atuação direta com as famílias e os estudantes. É importante colocar a infância à luz das coisas boas, não das tristes. A violência não pode sobrepor a infância. No nosso entendimento, também não podemos falar de bullying, sem falar de racismo. Por isso, temos o programa ‘Diadema de Dandara e Piatã’ para o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena, que está previsto em lei. Os professores precisam estar atentos. É um circuito de cidadania que vai se conectando. 

De que forma a internet desafia a formação dos alunos?

O uso da tela veio acorrentar as crianças de todas as potencialidades que elas poderiam desenvolver como seres humanos. Isso recai muito para escola e nos obriga a pensar ainda mais nos momentos de coletivo porque esse é o único lugar que a criança vai ter de vivências e diálogos com pessoas da mesma faixa etária. Toda essa experiência social que se dava dentro e fora da escola está muito limitada hoje em dia. O uso da tela transformou as crianças e os adultos em seres dependentes. Há uma tensão grande relacionada à infância, ao uso de telas e como nós, adultos, lidamos com isso. Na escola, a criança precisa ter, obrigatoriamente, experiências sociais mais exitosas do que ficar em casa em um espaço pequeno e limitado. 

Segundo dados divulgado ano passado pelo Consórcio, a demanda por vagas em creches na faixa etária de 0 a 3 anos aumentou 12,9% entre 2021 (53.508 estudantes) e 2022 (60.417) nas redes pública e privada de ensino da região. Como suprir esse gargalo? 

Tudo é investimento. Não é fácil. Quando a gente se reúne com os outros secretários de educação, esse é um tema muito forte. Entendemos que estar em uma creche é o direito mais sublime da criança. Desejamos que todas tenham esse acesso. Entretanto, a educação obrigatória começa a partir dos 4 e 5 anos. Temos como meta do Plano Nacional de Educação que 50% dos estudantes estejam matriculados. É um percurso que tentamos alcançar. Em Diadema, conseguimos inaugurar cinco novas creches nessa gestão justamente identificando os territórios de maior vulnerabilidade e ampliando a força orçamentária do próprio município. Estamos em uma situação mais confortável em comparação a quando chegamos em 2021. No final de 2023, tínhamos 50 crianças na fila de espera frente às 250 que estavam no início da gestão. Conseguimos reduzir bem. A região tem pedido apoio do Governo do Estado e esperamos que eles se coloquem à disposição, porque, ao longo dos anos, muitos municípios foram assumindo essa responsabilidade. 

Ainda sobre investimentos, qual a avaliação da senhora sobre o orçamento direcionado para a educação nos Estados e municípios?

A educação é prioridade absoluta. Por isso, a Constituição Federal estabeleceu que 25% do orçamento é voltado para educação. A verba deve valorizar o ensino para que possamos pensar que mundo queremos construir e quais resultados esperamos alcançar. Tivemos o período de pandemia, que foi muito confuso. Apenas em 2023 tivemos um ano inteiro, mas também tivemos a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que impactou no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Então, ficamos com menos recursos no ano passado em comparação aos outros períodos. Agora, em 2024, temos também a redução da cota parte do salário-educação. Nele, um montante vai pro Governo Federal e outro para os Estados. Há uma luta muito antiga dos municípios mais pobres de assegurar uma equidade porque o Estado de São Paulo, por exemplo, que arrecada mais imposto, fica com mais dinheiro e outros lugares do Norte e Nordeste, que tem baixa arrecadação, fica com praticamente nada na hora da divisão. Essa mudança foi julgada e aprovada pelo Supremo Tribunal Federal e nós perdemos 54% da verba do salário-educação no Estado. Achamos justo que todos recebam igual, mas queríamos ter um período de redução gradativa. Por isso, estivemos em Brasília na semana passada representando o Consórcio e pedindo para que tenhamos pelo menos um aporte, mesmo que não seja na integralidade, para adequarmos nossos orçamentos. Quando foi declarado que perderíamos em 2024, todas as câmaras municipais já tinham aprovado uma LOA (Lei Orçamentária Anual) e uma lei que diz que não podemos propor nenhum gasto sem ter lastro de receita. Agora, temos uma LOA com gastos definidos e uma receita que não existe mais. Estamos em um impasse e queremos discutir com o Governo Federal formas de minimizar os impactos. Esse ano começa com grandes desafios.

Como está o debate para implementar um Instituto Federal na região? 

Estamos na luta. Foi muito importante a mobilização regional que fizemos. Passamos por todas as cidades da região em audiências públicas rigorosas. Vai ser uma honra receber uma unidade do Instituto Federal porque ele representa um novo paradigma entre a formação de professores e a do ensino médio. É um outro nível que a região ainda não tem. Posso falar em nome dos sete secretários de educação que estamos unidos para a implementação do curso de pedagogia. Hoje, não temos mais professores sendo formados com o volume necessário e a qualidade que a gente sonha para a nossa região. Também militamos para que seja feita a implementação dessa graduação na UFABC (Universidade Federal do ABC). Isso já avançou e foi aprovado intermanete. Estamos mobilizando várias equipes para fortalecer essas solicitações.

No Grande ABC, ainda existem discussões de que a escola municipal é melhor que a estadual. Como combater essa sensação de desigualdade entre os ensinos?

A questão é como a rede estadual se conecta a um território. Quando a criança vai sair da municipal, ela é referenciada para uma estadual. Caso tenha algum deficiência, percebo que quase que imediatamente ela perde a transferência. Ainda existem muitos desafios. Essa interlocução entre os dois sistemas de ensino é fundamental. A Conae (Conferência Nacional de Educação), que aconteceu neste final de semana e nós participamos, debateu a criação de um sistema nacional de educação, que ajudará a definir melhor as necessidades de cada território e as responsabilidades dos entes nos processos. Penso que há impasses ao Governo do Estado, especialmente na políticas de educação inclusiva. É necessária essa predisposição de estarmos juntos e olharmos territorialmente para enxergar potencialidades e fragilidades, além de construir um caminho solidário. Como GT de Educação, esperamos que o Estado disponibilize mais verba para efetivar as ações parceiras. Precisamos também de centros de inclusão social. O Governo poderia se responsabilizar pelos casos de média e alta complexidade. São caminhos conjuntos que precisamos construir e vão melhorar a imagem que a população tem do Estado.




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