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Entrevista da Semana
‘Interrupção das aulas aumentará desigualdades’, afirma Hubert Alquéres
Por Vanessa Soares
Do Diário do Grande ABC
17/05/2021 | 09:06
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Divulgação


O educador Hubert Alquéres, 57 anos, integrante do Conselho Estadual de Educação, colaborou na definição das regras que nortearam a adoção do ensino remoto durante a pandemia de Covid-19 e para a reabertura das escolas, medida que considera “urgente, urgentíssima”. Ele avalia que o ensino a distancia “atenuou, mas não eliminou o prejuízo para a aprendizagem em decorrência de um longo período sem aulas presenciais.” O tempo para que estudantes recuperem o tempo perdido seria de 11 anos.Para o carioca de Petrópolis, a interrupção das aulas também vai aumentar as desigualdades no País.

A educação está passando por um momento inédito no País desde o ano passado, mudança essa forçada pela pandemia do novo coronavírus. De que forma o senhor avalia esse momento?
Infelizmente a perda de um ano de estudos terá impactos de longa duração. A pandemia causou fechamento de milhares de escolas, afetando mais de 9 milhões de alunos da educação básica matriculados nas redes pública e privada. No ensino superior, foram afetados cerca de 1,6 milhão de alunos em cursos de graduação. Há largo consenso quanto ao entendimento da educação como a grande alavanca para superação das desigualdades no País. Com o desastre da interrupção das aulas, estas desigualdades vão aumentar.

Em São Paulo, a educação vive a expectativa da retomada das aulas presenciais de forma definitiva. Existe previsão de quando voltará à ‘normalidade’?
O debate sobre abrir ou não as salas de aula tornou-se sem sentido. Por todas as evidências, o retorno é urgente, urgentíssimo. A questão é definir e construir as condições básicas em que deve se dar. O governo estadual recentemente classificou a educação como sendo atividade essencial e priorizou a vacinação dos profissionais da educação. Além disso, São Paulo adotou um caminho de retorno parcial, iniciando com a volta de 35% dos alunos, taxa a ser aumentada paulatinamente, conforme a queda da curva da pandemia. Em escala nacional só seremos bem-sucedidos se houver sintonia entre os três entes federativos. As redes públicas do ensino básico são de responsabilidade direta dos Estados e municípios, ainda assim a União não pode se omitir, como tem feito o Ministério da Educação.

Como educador, qual o melhor jeito para que isso aconteça de forma tranquila para profissionais e alunos?
Além da vacina e os protocolos recomendados pelas autoridades, são importantes a testagem e os inquéritos sorológicos promovidos pelas prefeituras. Divulgar os resultados com transparência e acompanhamento científico irá tranquilizar a comunidade escolar.

O senhor acha que o modelo de educação adotado no Brasil foi positivo?
O Brasil não fez concurso de originalidade. Seguimos as melhores experiências realizadas pelos países desenvolvidos no campo da educação. Ao longo do ano, diversas instituições, como a ONU (Organização das Nações Unidas), compartilharam trabalhos e pesquisas mostrando o que acontecia no planeta.

Acha que poderia ter sido adotado algum outro modelo de ensino na pandemia?
O ensino remoto atenuou, mas não eliminou o prejuízo para a aprendizagem em decorrência de um período longo sem aulas presenciais. Segundo o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o fechamento das escolas pode provocar na América Latina uma catástrofe geracional na educação, considerando que cerca de 20% da população latino-americana não tem acesso adequado à internet móvel. É crucial que o MEC não repita a paralisia, abrindo mão de qualquer protagonismo. Não pode agir como se o retorno às aulas fosse questão que não lhe diz respeito. Para começar, deveria respaldar os Estados e municípios, sobretudo os mais pobres.

Quais prejuízos esses alunos herdarão deste período?
Graves lacunas de aprendizagem, em todos os níveis de ensino, com maior impacto em crianças que estão iniciando sua escolaridade e estudantes que estão concluindo seus cursos no ensino médio ou no superior. A estes prejuízos somam-se à diminuição do sentimento de pertencimento ou ao aumento das taxas de evasão e abandono, danos na saúde e prejuízo à nutrição dos estudantes. Mais: impactos negativos na saúde mental, crescimento das vulnerabilidades, aumento das taxas de trabalho e exploração infantil, aprofundamento da pobreza, perpetuação de desigualdades sociais e pobreza de forma geracional.

Acha que será possível recuperar esse tempo perdido? E em quanto tempo?
Com certeza. Mas teremos que contar com a participação de todos e muito planejamento. O secretário estadual de Educação, Rossieli Soares, estima que em alguns casos os estudantes levarão 11 anos para recuperar o conhecimento perdido.

Qual legado a pandemia deixará na área da educação?
As grandes crises sempre tiveram o poder de fazer o mundo se reinventar. Na maioria das vezes para melhor. Foi assim na Segunda Guerra Mundial. Agora a fabulosa mobilização da ciência, em uma escala jamais imaginada, levou a resposta mais eficiente à pandemia com a descoberta de várias vacinas eficazes. O desafio agora é a vacinação em massa, de forma que se estenda a todos os povos. Só assim se evitará o aumento ainda maior da desigualdade. No Brasil as expectativas podem ser desanimadoras. O negacionismo, o isolacionismo, o rotundo fracasso da estratégia de (Jair) Bolsonaro ( presidente) no enfrentamento da pandemia, a política antiambiental, os atritos com a China, a União Europeia e com os Estados Unidos, nos condenarão a sequer ter lugar à mesa do concerto das nações.

A educação domiciliar está em debate na Câmara dos Deputados e pode ser aprovada. O que acha desta medida?
Este debate é precipitado e não pode ser feito de forma aligeirada como pretendem alguns deputados que insistem que o Congresso aprove em regime de urgência uma legislação para permitir o homeschooling no País. Qualquer legislação ou normativo neste sentido deve ser feito com cuidado e acompanhado de instrumentos robustos que permitam o monitoramento de qualidade e das condições da criança no processo de ensino e aprendizagem. Nos Estados Unidos e na França, o ensino doméstico é aceito, mas com a condição de que os alunos sejam submetidos a uma avaliação oficial anual. Já na Alemanha, é considerado crime e os pais que não matricularem os filhos em escolas regulares são multados. Vários argumentos são utilizados em defesa da educação domiciliar. O mais mencionado seria o direito de os pais escolherem a educação para seus filhos. Mas o caso que suscitou o debate no STF, e fez a corte concluir pela importância de uma legislação a respeito do assunto, é bem ilustrativo do que isso pode representar. Tudo começou com um mandado de segurança impetrado contra ato da secretária de Educação de Canela (Rio Grande do Sul), que negou autorização para que uma criança de 11 anos fosse educada em casa. Para os pais, a convivência, na mesma sala de aula, de alunos de diferentes faixas etárias, é situação considerada inapropriada pela família, pois os alunos mais velhos tinham “sexualidade bem mais avançada”, entre outros argumentos.

Qual sua opinião sobre o ensino domiciliar?

A educação, para estar em sintonia com o mundo além de seus muros, tem que respeitar a diversidade. Como toda ciência, a educação requer ambiente de liberdade, de tolerância, de respeito ao contraditório e de criatividade para poder se desenvolver. Daí, concordo com quem entende a defesa atual do homeschooling no Brasil como tentativa de deslegitimação do papel da escola e dos profissionais da educação. Esse debate pode nos levar a retrocessos em avanços obtidos, alguns dos quais com o advento da República, como a laicidade do ensino. Na última década do século XX o Brasil fez enorme esforço para pôr toda criança na escola. Agora vamos fazer movimento inverso? Não tem menor sentido. A rigor, o ensino domiciliar está em dissintonia com as tendências da educação da era da quarta revolução industrial. A arquitetura das salas de aula hoje é muito diferente daquela de ambiente rígido, com alunos em cadeiras enfileiradas e um professor detentor do monopólio do conhecimento. Hoje o conhecimento está nas máquinas, nas nuvens e em constante mutação. Nesse novo mundo, o professor passou a ser um curador desse conhecimento. Nesse mundo volátil, instável, complexo e ambíguo, muitas profissões não existirão mais quando os alunos que hoje ingressam no sistema educacional completarem a sua formação. E novas profissões que hoje não vislumbramos aparecerão. A missão da escola tornou-se mais sofisticada. Ao lado da oferta de conteúdo científico tem de desenvolver habilidades socioemocionais, dotando os alunos de resiliência, espírito crítico, autonomia, moderação. Evidente que o ensino domiciliar não tem a menor condição de responder à educação do século XXI. Ele é passadista, nos remete aos tempos em que, por falta de rede de ensino público e gratuito ampla e de qualidade, os pais preenchiam essa lacuna, educando seus filhos em casa. Não estamos no início do século XX, mas na terceira década do século XXI!

Acredita que esse modelo pode se tornar popular no País?

Não tem a menor possibilidade. Essa é uma demanda de uma franja ínfima da sociedade. No máximo 35 mil famílias, muitas das quais movidas pela ideologia. A rigor, é tão retrógrada como movimentos antivacina e o terraplanismo. O verdadeiro debate não é a constitucionalidade do ensino domiciliar, mas se ele faz a educação avançar ou se nos remete à era da pedra lascada em matéria educacional.

Em contrapartida a esta medida, o Conselho Estadual de Educação se antecipou ao governo federal e criou regras que garantem a qualidade no ensino de alunos no homeschooling. O senhor foi um dos autores desta norma. O que ela prescreve?
Atuamos com uma política de redução de danos, caso a lei venha a ser aprovada, caberá observância dos princípios, regras, objetivos e finalidades do direito à educação, tal como previsto na Constituição Federal, na LDB e no ECA, bem como o respeito à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e aos currículos regionais. Deverá estar garantida a escolha de itinerários formativos para os estudantes do ensino médio, de acordo com o seu projeto de vida, e serem observadas as normas da LDB relativas à formação de professores. A lei federal também deverá prever normas gerais de autorização, supervisão, avaliação e fiscalização da qualidade de ensino, e de proteção contra qualquer tipo de violência moral, física ou intelectual, a serem regulamentadas pelos sistemas de ensino. Garantir a socialização e o acesso a uma ampla e diversa convivência comunitária, respeitada a individualidade do estudante. Acreditamos ser necessária a matrícula na rede pública com prevenção à evasão. Finalmente, deverão ocorrer avaliações periódicas dos estudantes, de acordo com o estabelecido no regimento escolar da instituição de ensino que estiverem matriculados, inclusive com a avaliação de competências e devida certificação ao final dos ensinos fundamental e médio. Se estes parâmetros mínimos não ocorrerem na lei federal, iremos torná-los obrigatórios no sistema de ensino de São Paulo.

RAIO X
Nome: Hubert Alquéres
Idade: 57 anos
Local de nascimento: Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro
Formação: engenheiro
Hobby: cinema, viagens e leitura
Local predileto: parques, museus, teatros e cinemas de São Paulo
Livro que recomenda: O Alienista, de Machado de Assis
Artista que marcou sua vida: cineasta Stanley Kubrick
Profissão: educador
Onde trabalha: conselheiro no Conselho Estadual de Educação




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