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Entrevista da semana
‘Vi a Aciscs nascer e a vejo morrer agora’
Daniel Tossato
Do Diário do Grande ABC
08/02/2021 | 07:00
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André Henriques/DGABC


O comerciante Nasrallah Mohamad Rahal, conhecido como Julinho, foi uma das primeiras pessoas em São Caetano a construir uma associação em defesa da classe. Surgiu a Aciscs (Associação Comercial e Industrial de São Caetano), entidade na qual ele é filiado desde o fim dos anos 1950. Nascido no Líbano e radicado no município do Grande ABC, Julinho lamenta o atual cenário da entidade, reclama de politização e de manobras estatutárias patrocinadas por grupo ligado ao advogado Walter Estevam Junior (Republicanos). “A Aciscs não existe mais, acabou. Eu, que vi a Aciscs crescer, agora estou vendo a entidade ruir. Muito triste.”

Qual a ligação do senhor com a Aciscs?
Fui um de seus primeiros associados e fiz parte das primeiras diretorias desde o fim dos anos 1950. Tive atuação direta até meados dos anos 1990, quando decidi me afastar da associação. Depois disso, atuei apenas como associado, mas depois que (o ex-presidente da Aciscs) Walter Estevam Junior foi eleito presidente (em 2015), não me enviaram mais o boleto para pagar a mensalidade. Mas, além disso tudo, sou um dos conselheiros vitalícios da entidade, então, de certa forma, ainda participo da Aciscs, quer queiram ou não.

Qual foi a importância da Aciscs para São Caetano?

A Aciscs, no início, aglutinou os poucos comerciantes que a cidade tinha. Deu um Norte para eles. Eu mesmo atuei para convidar ainda mais comerciantes para montarmos uma entidade ativa e uma boa diretoria. Todos atuavam para o crescimento da Aciscs e ainda nem tinha uma sede própria, apenas uma pequena casa na Rua Rio Grande do Sul, no Centro da cidade. A Aciscs era muito importante. Era orgulho dos comerciantes. Entre 1970 e 1985, ela reunia a nata dos comerciantes. Todos unidos. Estava no seu auge.

Como era atuar na Aciscs naquele tempo?
Um dos nossos primeiros objetivos era o de termos uma sede própria. Então realizamos rifas, convidamos mais comerciantes com objetivo de termos dinheiro para comprarmos um terreno e montarmos uma sede. Uma das vezes, anunciamos que premiaríamos o vencedor com um automóvel Fusca, mas não tínhamos nem o dinheiro para comprar o carro. Então, no dia que abrimos a rifa, eu acabei ganhando, mas como não tinha carro, não ganhei nada. Decidimos fazer outra rifa, desta vez demos mais tempo para conseguirmos vender todos os números e conseguimos comprar o Fusca. Dessa forma conseguimos premiar o vencedor e também arrecadar o dinheiro para que pudéssemos adquirir um terreno já pensando em construir uma sede. Todos queriam que a Aciscs se fortalecesse ao longo do tempo.

Nascido no Líbano, quando o senhor chegou em São Caetano?
Saí do Líbano e cheguei em São Paulo entre 1952 e 1953. Em São Caetano cheguei em 1957. Sempre trabalhei por conta própria e nunca trabalhei para outras pessoas. Comi o pão que o diabo amassou, mas foi delicioso. Já vim com a intenção de trabalhar, era jovem. Um parente meu morava em São Paulo e comecei a vender roupas pelas ruas junto com ele. Foi bem difícil e comecei a pensar em voltar para o Líbano. Pensei bem e decidi comprar uma bicicleta, para percorrer mais ruas e vender mais. Depois comprei uma charrete, as vendas foram aumentando e decidi ficar. Em 1957 abri minha primeira loja em São Caetano e a mantive até 1968 ou 1969. Depois passei a investir em uma malharia e estou aqui nesta rua (Alameda Cassaquera) desde 1969.

Quando o senhor encerrou as atividades na malharia?
Isso foi em 2015. Mas ainda venho aqui na fábrica praticamente todos os dias, muito porque não tenho o que fazer em casa. Mas também venho para matar a saudade dos bons tempos. Hoje está tudo com muito pó, mas é porque está tudo desativado. Nos tempos áureos cheguei a manter mais de 100 funcionários. Nesta época não tinha disputa com o mercado da China ou até mesmo com a cidade de Monte Sião (município do Estado de Minas Gerais conhecido por vender malhas para o inverno). Eu tinha bons clientes, inclusive nos shoppings da região e de São Paulo. Resolvia tudo pelo telefone, só pelo meu nome.

Integrante histórico da entidade, como o senhor enxerga a Aciscs hoje?
A Aciscs não existe mais, acabou. Os últimos presidentes mexeram no estatuto, o que deveria ser feito por meio de assembleia. A situação do ex-presidente (Moacir) Passador (Júnior), que nem acabou o mandato... Ele não poderia ser indicado para fazer parte do conselho superior, por exemplo. E digo isso sabendo que Passador é meu amigo. Ele tinha que ter vergonha. A vida da Aciscs nos últimos dez anos é isso, baseada em vergonha. Eu, que vi a Aciscs crescer, agora estou vendo a entidade ruir. Muito triste.

Qual o principal problema da Aciscs hoje?

Tudo. Os conselhos, principalmente. Os conselhos não foram eleitos de maneira regular. Infelizmente a situação da Aciscs só se resolve na Justiça ou pela polícia. A Aciscs começou a entrar em decadência em meados de 1995. Foi aí que eu percebi que as pessoas queriam usar a entidade para benefício próprio. As pessoas que assumiam a direção da entidade já não pertenciam ao grupo. Eram mais novos, não participaram da batalha que foi levantar a Aciscs. Todos achavam que poderiam tirar proveito político da associação comercial.

Há como resolver os problemas da Aciscs?

A entidade tem que voltar a ser comandada por pessoas da classe (comerciantes). Sem ser por pessoas que têm interesse político ou de fazer da entidade um cabide de emprego, ou que queiram ser candidatos ou faturar. Isso é difícil.

O que o senhor acha do atual presidente da associação, Alessandro Leone?
Não o conheço muito, mas percebo que há boa intenção nas atitudes dele. Me parece que quer modificar algumas coisas. Ele veio me visitar aqui na fábrica e conversamos um pouco. Ele pode contar comigo caso queira acabar com todas as coisas ruins que têm dentro da Aciscs. Só não sei se ele conseguirá resolver tudo isso. Leone está com oportunidade de colocar o trem no trilho e tenho certeza que o velho conselho todo o apoia, caso perceba que a intenção é boa. Eu mesmo posso me empenhar de conversar com todos do velho conselho para darmos uma mão para moralizar a Aciscs.

Como conselheiro vitalício, o que o senhor pode fazer para resolver os problemas da Aciscs?
Veja bem, isso está complicado, porque mudaram o estatuto. Eu não sei. Não quero mexer na Justiça. Tenho 86 anos e eu não vou me enfiar numa enrascada dessa. Para quê? Sabendo que estou mexendo com mercenários. Sabendo que não tenho mais idade para ligar meu nome em processos que levam cinco, dez anos para resolver. A troco de quê? Conversei com dois, três (conselheiros vitalícios) e me chamaram de louco. Disseram: ‘Julinho, você é louco? Por que está se colocando com essas pessoas? O negócio está no esgoto. Você vai entrar no esgoto para salvar aquilo?’. Ouvi isso de conselheiros da velha guarda. Não sei o que vai ser...

Como o senhor acompanhou o problema envolvendo o convênio do Natal Iluminado de 2016, que resultou, inclusive, em ação civil pública envolvendo o nome da entidade?
Você consegue perceber que houve má-fé por parte da direção da entidade (àquele tempo sob comando do ex-presidente Walter Estevam Junior). O (José) Auricchio (Júnior, PSDB) chamou o conselho antigo e disse que a situação ia parar na Justiça. O nome da Aciscs foi lá embaixo. Com dívida de mais de R$ 1 milhão, com nome envolvido em CPI. Uma coisa muito triste para a entidade.

Como o senhor acompanhou a situação envolvendo o ex-presidente Moacir Passador Júnior, que renunciou após polêmica de ter usado cartão corporativo da Aciscs para bancar viagem particular?
Uma decepção. Lamentável. A atitude dele foi... isso não pode ser aprovado nunca. E eu, no lugar dele, ficaria com vergonha de voltar hoje e dizer que sou conselheiro vitalício. Sei que ele foi presidente, só que ele não concluiu o mandato. Não tem o que falar.

O que achou da direção de Walter Estevam Junior?
Surgiu um momento em que eu mantinha confiança em torno deste Walter Estevam Junior, que foi presidente. Mas agora ele está metendo os pés pelas mãos. Esse ultrapassou as eras de todos os outros presidentes que não foram bem. De início eu apoiei o Walter. O conheci quando ele entregava jornal, no fim da década de 1970 e começo de 1980. Só que eu não sabia que Walter tinha interesse político e que queria aparecer e ser candidato. E botou gente lá, que Deus me livre, um pior que o outro. Começaram a mexer no estatuto e avacalharam tudo. Hoje o estatuto já está mexido e eu nunca vi um presidente da diretoria que pode nomear conselheiro vitalício, isso eu nunca vi. E seu Walter mudou o estatuto e o presidente pode eleger, pode nomear. Porque, quando convocava conselho, ninguém aparecia. A gente não concordava com o que eles estavam fazendo. Então seu Walter encontrou uma saída boa, mudou o estatuto e deu poder para ele mesmo. Então ele pode nomear conselheiro e quando não dá quórum, ele nomeia dois, três, quatro, aí consegue quórum e faz a eleição que ele quer. Ele age como dono de tudo. Como conselheiro, como secretário...
 

RAIO X

Nome: Nasrallah Mohamad Rahal, conhecido como Julinho
Estado civil: casado há 55 anos
Idade: 86 anos
Local de nascimento: Líbano, mora em São Caetano
Formação: ensino médio
Hobby: ler jornais
Local predileto: minha casa
Livro que recomenda: diz não ser leitor assíduo de livros
Artista que marcou sua vida: Kirk Douglas e Sophia Loren
Profissão: comerciante
Onde trabalha: aposentado
 




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