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Com aterros saturados, região aposta em incineração de lixo

Empresa de Mauá já obteve aval para implementação; Santo André discute PPP para construção de usina

Aline Melo
do Diário do Grande ABC
23/08/2020 | 07:08
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Nario Barbosa/DGABC


Com o tempo de vida limitado de aterros sanitários – o Diário mostrou na última reportagem da série Destino do Lixo que os dois equipamentos existentes no Grande ABC, em Santo André e Mauá, têm cinco e 20 anos de vida útil, respectivamente – a região se prepara para implantar projetos de URE (Usinas de Recuperação Energética), plantas onde os resíduos que não podem ser reciclados nem reutilizados são incinerados, podendo, inclusive, gerar energia.

A empresa Lara Central de Tratamento de Resíduos Ltda, de Mauá, já recebeu do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) parecer favorável para implementação da URE . O equipamento será instalado na área onde funciona o aterro sanitário, que recebe resíduos de seis das sete cidades da região (Santo André usa aterro próprio) e de outros três municípios do Litoral e da Região Metropolitana de São Paulo (Itanhaém, Juquiá e Ferraz de Vasconcelos).

A futura usina vai incinerar o material não reciclável e gerar energia com o calor da queima, cerca de 80 kilowatt de energia por hora para cada quilo de resíduo queimado. A Lara vai investir R$ 900 milhões no projeto, mas não informou qual a previsão de início de obras, cuja estimativa de duração é de 30 meses.

Em Santo André, a administração discute a viabilidade de uma PPP (Parceria Público-Privada) para a gestão dos resíduos na cidade, uma vez que o aterro municipal tem vida útil estimada em cinco anos. Embora ainda não haja definição do modelo, há sinalizações em torno de plano de usina de incineração. Apenas uma empresa, a Peralta Ambiental, apresentou proposta sobre estudo e projeto para a possível parceria e recebeu autorização para continuar os estudos.

O Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) esclareceu que a PPP objetiva a concessão de atividades que compõem os serviços públicos de manejo e destinação final de resíduos sólidos e de limpeza urbana da cidade, e não especificamente de instalação de usina de incineração. “Os estudos de projeto de concessão são compostos de cinco blocos, sendo que atualmente estão em análise os blocos 2 e 3. Eles abordam, respectivamente, análise de legislação local e desenvolvimento de elementos para o estudo de viabilidade técnica e desenvolvimento de elementos para estudo de viabilidade econômico-financeira”, informou, em nota, a autarquia.

Em Diadema, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) assinou em julho contrato com a Prefeitura para gestão dos resíduos sólidos do município. A previsão é que a partir de dezembro de 2022 a cidade deixe de enviar o lixo doméstico para o aterro sanitária da Lara, em Mauá.

A Sabesp vai destinar o material para uma planta industrial – que deve ser instalada no bairro Inamar – onde o lixo orgânico será transformado em CDR (Combustível Derivado de Resíduo). O CDR poderá ser comercializado para abastecimento de fornos industriais ou ser destinado para a geração de energia elétrica.

A parte reciclável será destinada a uma central de triagem e aproveitada por cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Para tanto, a Sabesp vai criar uma SPE (Sociedade de Propósito Específico). O contrato prevê investimentos de R$ 200 milhões em um prazo de 40 anos.

Secretário de Serviços e Obras de Diadema, José Marcelo Marques destacou que a parceria com a Sabesp vai resultar em economia de cerca de 30% do que é gasto atualmente para enviar os resíduos para aterro, cerca de R$ 160 a tonelada. De janeiro a junho, a cidade enviou 55.274 toneladas de lixo para serem aterradas. A cidade também pretende implantar a coleta seletiva. A Sabesp não respondeu aos pedidos de entrevista sobre o contrato assinado com Diadema, o primeiro da companhia na área de resíduos sólidos.

Especialistas apontam prós e contras do sistema

Professora de resíduos sólidos e contaminação e remediação de solos da UFABC (Universidade Federal do ABC), Giulliana Mondelli explica que o Brasil já teve experiências com incineradores de lixo, que foram abandonadas no início dos anos 2000 pela contaminação do ar. O alto custo de implantação e operação das plantas de incineração também são os motivos que afastaram por anos o interesse do poder público nesse tipo de tecnologia.

Giulliana destaca que a queima do lixo doméstico, especialmente de plástico, resulta na dispersão de poluentes que fazem muito mal para a saúde das pessoas. “Com a aplicação de filtros modernos, isso pode ser reduzido de maneira importante, mas é preciso fiscalização rigorosa com os processos”, pontua. A docente destaca que a gestão do lixo deve ser encarada de maneira integrada, porque se relaciona com a saúde da população e o abastecimento de água. “Lixo mal gerido vai acabar nos rios.”

Mestre em tecnologia nuclear pelo IPEN/USP (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares da Universidade de São Paulo), Francisco Almeida avalia que falta ao País experiência neste tipo de eliminação, recursos humanos para que o processo ocorra de maneira sustentável, fiscalização constante vislumbrando toda a técnica e organização do processo. “Quando o Brasil estiver com todos estes fatores próprios e adaptados, com certeza haverá uma gestão eficaz para utilização do meio de incineração”, pontua.

Almeida pondera que sobre a emissão de poluentes, por mais que existam filtros próprios para diferentes processos, não se pode falar em eficácia de 100%. “Por este motivo ainda há grande repercussão quando se fala do processo de incineração”, afirma. “Acredito que há potencial positivo para que, sob supervisão e fiscalização, formas sustentáveis possam ser geradas, até mesmo energia a partir de muitos resíduos pós incineração, ou mesmo durante a incineração, o que é um ganho em termos de sustentabilidade e geração de empregos”, conclui o especialista.

Presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), Carlos Bocuhy afirma que as plantas que estão sendo projetadas no País (em 2021 deve ter início a primeira do Brasil, em Barueri), são tecnologias que estão sendo abandonadas a Europa. “O lixo da Alemanha, onde quase 60% do material é reciclável, é diferente do que é gerado no Brasil, considerando a sua composição físico-química.”

Mestre em engenharia urbana com ênfase em poluição do ar, Élio Lopes afirma que plantas que usam o tratamento biológico do lixo, com a queima apenas do gás gerado, são ambientalmente menos agressivas. “Não querem o trabalho da reciclagem, da logística reversa, querem pegar tudo e jogar em um poço”, conclui.

Para a professora no curso Legislação Ambiental do Senac EAD Larissa Vizzoto do Canto, existem outras formas de tratamento e disposição do lixo na natureza, e muito embora a incineração seja um processo de tratamento que diminui o volume dos detritos, é demasiadamente onerosa e poluente.

Barueri terá 1ª URE do Brasil; obras começam no 1º semestre de 2021

A Orizon Valorização de Resíduos começa a construir no primeiro semestre de 2021, em Barueri, a primeira URE (Unidade de Recuperação Energética) do País. Segundo a empresa, a tecnologia empregada será semelhante à que é mais utilizada na Europa, sendo reconhecida como alternativa de tratamento de resíduos em grandes centros urbanos, pois utiliza pequenas áreas em sua instalação. A expectativa é a de que a cada dia, 870 toneladas de lixo urbano sejam transformadas em energia. A URE Barueri terá capacidade de geração de 20 MW, o que equivale ao abastecimento de aproximadamente 80 mil residências.

De acordo com o projeto, a unidade vai utilizar apenas os resíduos que não forem recolhidos e selecionados na coleta seletiva (Barueri já tem um programa de coleta seletiva cobrindo 100% de suas residências).

“Estamos falando de energia verde e renovável. Esta tecnologia é reconhecida mundialmente e ganha força com o novo marco do saneamento. Será a primeira unidade do País a cumprir as premissas da nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos, complementando o processo de reciclagem”, explica o presidente da Orizon, Milton Pilão.

A previsão é a de que a nova unidade esteja funcionando em três anos, consumindo 13% da energia gerada para sua própria operação. Parte dos rejeitos poderão ser utilizados para pavimentação e na construção civil ou destinados a um aterro de resíduos inertes. O sistema de tratamento de gases assegura o atendimento aos parâmetros de emissões exigidos pela Cetesb e pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Segundo Pilão, a tecnologia vai evitar a emissão de 900 mil toneladas de CO² (gás carbônico) na atmosfera. 




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