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São Bernardo
Negócio milionário

Rodoanel paga R$ 1,3 milhão por área que custou R$ 200 mil a Orlando Morando, que exige R$ 17 milhões

Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
12/07/2020 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


A história da relação de Orlando Morando (PSDB), hoje prefeito de São Bernardo, com o Trecho Sul do Rodoanel vem de longe e precede às investidas do tucano, quando deputado estadual, contra investigações na Assembleia Legislativa sobre denúncias na obra ou a carona eleitoral assumida pelo político no pleito que sucedeu a inauguração do viário.

Em 2002, Morando era vereador de São Bernardo. Estava no PSB, em seu segundo mandato, mas se preparando para ser candidato a deputado estadual naquele ano, com suporte de boa parcela do governo – Mauricio Soares era prefeito, mas pouco tempo depois renunciou para dar lugar ao vice, William Dib, então padrinho político de Morando. Foi nesse ano, em abril, que o então parlamentar municipal comprou, por R$ 200 mil, um terreno de 305,9 mil metros quadrados, no bairro Batistini, que pertencia à Sadia.

O que parecia ser apenas uma transação imobiliária deu início à conexão de Morando com o Trecho Sul do Rodoanel, com direito a pedido de indenização por desapropriação com valor 75 vezes maior do que o pagamento pela área.

No início dos anos 1990, o governo do Estado anunciou a proposta de criar um anel metropolitano, dividido em quatro lotes de construção, mas que ligaria as dez principais rodovias paulistas. Entre elas, a Via Anchieta e a Rodovia dos Imigrantes, que cortam o Grande ABC. O primeiro trecho a ser entregue foi o Oeste (aberto em outubro de 2002). O Sul, que interferiria na malha viária da região, estaria na sequência.

Morando se candidatou a vereador em 1996. Ficou na suplência, mas com a ida de três vereadores (Gilberto Frigo, Admir Ferro e José Roberto de Mello) para o governo de Mauricio Soares, herdou cadeira. Nessa legislatura, começaram os primeiros requerimentos de informação aprovados para saber o traçado do Trecho Sul do Rodoanel. Com Morando ainda na Câmara e um dos homens fortes do governo de São Bernardo no Legislativo, vereadores da base de sustentação passaram a questionar o governo do Estado sobre a rota viária da futura rodovia. Lenildo Magdalena foi o campeão de solicitações sobre a obra, com cinco requerimentos.

Foi o próprio Morando quem comprou o terreno da Sadia. A área foi integralizada ao patrimônio da Ponto Bom Participações em março de 2007, quando o tucano, já deputado estadual, criou a empresa juntamente com seu amigo José Carlos Vinturini. Na Junta Comercial, a Ponto Bom Participações (hoje com nome de OAC Participações Ltda) tem como objeto gestão e administração da propriedade imobiliária, com capital de R$ 955 mil. Atualmente, Vinturini está lotado como assessor especial no gabinete da liderança do PSDB na Assembleia Legislativa. O posto de líder do PSDB na casa é exercido pela deputada estadual Carla Morando (PSDB), mulher de Morando. Vinturini recebe R$ 25,1 mil mensais.

Três meses depois de abrir a empresa com Vinturini, Morando pleiteou e conseguiu assento na comissão de transportes da Assembleia Legislativa. O bloco tinha a prerrogativa de debater todos os assuntos referentes à mobilidade urbana no Estado. Discutir o andamento do Rodoanel – inclusive as desapropriações – estava entre as atribuições. Em outubro de 2003, Morando protocolou requerimento de informação com oito perguntas. A de número sete era sobre a localização de áreas afetadas pela futura malha viária.

No dia 22 de agosto de 2007, a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), empresa pública do Estado responsável pela obra do Rodoanel, ingressou com ação de desapropriação na 2ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo do terreno que, cinco anos antes, havia sido adquirido por Morando. A Dersa queria apenas uma parte da área, uma faixa de 50,9 mil metros quadrados. Aceitou pagar R$ 1,27 milhão. Ou seja, o Estado depositou um valor 6,3 vezes maior do desembolsado por Morando por apenas 16% do terreno.

A quantia, porém, foi contestada pelo então deputado estadual. Sob argumento de que o restante da área ficou encravada e inutilizável em sua totalidade, o tucano foi à Justiça exigir pagamento de R$ 17,4 milhões por parte do Estado – quantia estabelecida por um perito. Alegou que a empresa Brazul Transportes chegou a sondar o espaço, se dispôs a pagar R$ 15 milhões, mas desistiu da negociação ao ver que o terreno estava dividido em dois, cortado pelo Rodoanel. O processo caiu nas mãos do então juiz Gersino Donizete do Prado, da 7ª Vara Cível de São Bernardo. Gersino aceitou os argumentos da Ponto Bom, empresa de Morando, e mandou a Dersa pagar R$ 15,5 milhões. A decisão foi expedida em agosto de 2009.

Gersino foi o mesmo que, em 2011, foi denunciado ao Conselho Nacional de Justiça por cobrar propina para emitir suas sentenças. Um empresário de Santo André acusou que Gersino exigia objetos de luxo, viagens e até pagamento de festas de aniversário para liberar suas decisões. Gersino chegou a ser preso e, em 2017, foi expulso da magistratura. Não há evidências de que o caso envolvendo a empresa de Morando tenha relação com os ilícitos cometidos por Gersino.

Fato é que a Dersa recorreu da decisão de Gersino e conseguiu, no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), fazer com que o processo voltasse à estaca zero. O assunto é discutido judicialmente até hoje. Em 2017, a juíza Ida Inês Del Cid, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo, proferiu uma decisão no caso: determinou que a Dersa pagasse R$ 3,5 milhões à empresa de Morando a título de desapropriação e que promova obras para que o terreno tenha acesso fácil, uma vez que o próprio Estado argumentou ser possível adentrar na área mediante pequenas intervenções na Rua Miracema. A Ponto Bom não concordou e recorreu ao TJ-SP. Atualmente, perito avalia o valor da área.

O Diário apurou que toda a situação foi levada a conhecimento da PF (Polícia Federal), em denúncia formalizada em 2019. Em nota, a instituição disse que “não confirma a existência ou não de possíveis investigações em andamento”.

Há duas semanas, o MPF (Ministério Público Federal) denunciou o ex-governador José Serra (atualmente senador pelo PSDB paulista) por lavagem de dinheiro na construção do Trecho Sul do Rodoanel. A procuradoria diz que a Odebrecht, uma das empreiteiras da obra, pagou R$ 27,8 milhões diretamente ao tucano. Serra nega as irregularidades.

Outra investigação em cima do Rodoanel atinge Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa e responsável pela obra. Acusado pelo Ministério Público de São Paulo de ser operador de propina no empreendimento – algo que Souza, conhecido como Paulo Preto, nega –, o ex-diretor chegou a chamar Morando de “brilhante” em evento de engenheiros. Entre 2009 e 2010, foi blindado de ser convocado para depoimentos na Assembleia. À revista piauí, em outubro de 2012, Souza disse que Morando “o chamaria na hora” para ele assumir cargo público por ser “gestor”.

A Dersa informou que “o traçado e os impactos do empreendimento (Trecho Sul do Rodoanel) foram de conhecimento geral por meio de audiências públicas realizadas na ocasião”. “A Ponto Bom Participações ingressou com ação de indenização por desapropriação indireta. A Dersa apresentou defesa no processo, que, inclusive, conta com a participação do Ministério Público, e atualmente o processo está em fase de perícia.”

Advogado da Ponto Bom Participações no processo, Uriel Carlos Aleixo confirmou que a indenização de R$ 1,27 milhão foi paga pela Dersa. “A Ponto Bom não aceitou acordo administrativo e o caso está sob análise do Tribunal de Justiça". 




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