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Sexta-Feira, 19 de Abril de 2024

Política
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ENTREVISTA
‘Governo não faz gesto prático aos municípios’

Prefeito de S.Caetano e vice-presidente de ODS da Frente Nacional de Prefeitos

Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
22/09/2019 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


O senhor participará de um evento que fomenta o debate, mas que buscará soluções para problemas apresentados. Na nota técnica formulada pela FNP, o que se apresenta é aumento da desigualdade. Como solucionar esse problema?

Os indicadores nos mostram que as desigualdades aumentam conforme aumenta o PIB (Produto Interno Bruto). Esse PIB está concentrado, há má distribuição. Há o G-100, grupo dos 100 maiores municípios brasileiros, e onde há as maiores desigualdades. Essas desigualdades estão pautadas muito em cima de gênero, com predominância sobre as mulheres; em cima de raça, com negros com muito mais dificuldades; e de escolaridade, quanto menos escolaridade maior o problema. É questão clássica. É necessária melhora da distribuição de renda por meio de política municipalista voltada para uma reforma fiscal efetiva. Não digo nem para privilegiar os municípios, mas que não deteriore mais a questão. Junto com essa reforma fiscal há necessidade de revisão do pacto federativo. Hoje o que desequilibra dentro dos municípios são essas dificuldades.

Há algum prazo para que essas reformas citadas tenham de sair do papel antes de um colapso? 

São o quanto antes. Temos agenda a cumprir, que é daqui a dez anos, 11 anos, que é a Agenda 2030, pela ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), quando da criação da ODS, em 2015. Essa agenda tem 17 objetivos. O que precisa ter, além da distribuição melhor de renda? É melhorar os serviços públicos, sobretudo na saúde. Tem grave acometimento de mortalidade infantil, de mortalidade materno-infantil, há agravo com doenças infecciosas típicas de países em desenvolvimento, de países pobres. É algo que não adianta a gente imaginar que vá acontecer no estalar dos dedos. Esse trabalho que a Frente faz, associado com a Fundação Abrinq e Agência Pública, que trabalha no sentido de sincronizar, sociedade civil, governo e entidades do terceiro setor, serve para que possamos ter programas voltados em saúde e educação.

O governo federal tem dito que não há recurso, tem descongelado verbas a conta gotas. Como buscar políticas para mitigar os problemas citados sem investimento? 

Mais do que o impacto econômico da crise, há uma questão de governo. Espero que o presidente (Jair Bolsonaro, PSL), indo à assembleia geral da ONU (Organização das Nações Unidas), possa se posicionar de maneira mais arejada, mais aberta, ouvindo organismos internacionais. A questão da Amazônia é fundamental. Há embates desnecessários, agressões pessoais com autoridades mundiais. Não é negócio bom para o Brasil. Temos nível de agravo que nos torna dependentes de ajuda externa. Pensar diferente é enorme equívoco. Diretamente temos dependência dos países desenvolvidos em questões cruciais. A estratégia ODS é financiada pela comunidade europeia. Se você se fechar nessa casinha e achar que vai resolver tudo, é equívoco. Esperamos que o Brasil saia dessa crise econômica, que desemprego atenue, que possamos ter horizonte. Estamos vencendo 25% do mandato do presidente. Já foi um ano praticamente. Quando eles assumiram, o (ministro da Economia, Paulo) Guedes prometia zerar o deficit fiscal no primeiro ano. Está longe disso. Está precisando revisar o teto de gastos. Espero que tenhamos sinergia do Brasil e que possamos ter sinal de recuperação econômica mais clara para sociedade. Por mais que tenhamos visto indicadores melhorem, o PIB é quase zero, mas fora do critério de recessão técnica, as pessoas sofrem muito. O que mais se vê de sofrimento é ligado ao emprego. Eu tenho 57 anos, vi outras crises, como a da década de 1980, que foi grave, depois na crise de 1990, que já foi não tão grave. Mas essas crise eu nunca vi igual, com alta intensidade. Não falo nem em duração, porque se continuar desse jeito vai prejudicar todo mundo. A década de 1980 foi ruim. Mas hoje você não consegue ir às ruas, as pessoas cercam. Vai em entidade e as pessoas dizem que não tem o que comer.

O senhor falou de revisão do pacto federativo e de mudança tributária que não estrangule os municípios. Qual a proposta ideal dessa reforma tributária? 

Tem de preservar a questão municipalista e, junto com o pacto federativo, rever as políticas públicas. Da Constituição de 1988 para cá, só atribuíram responsabilidades para os municípios. Nada de financiamento novo. Há concentração cada vez maior em Brasília. Assumimos saúde e educação, estamos assumindo segurança pública, assistência social. Cadê o financiamento disso? Vai fazer reforma fiscal que vai enxugar ainda mais os tributos municipais? Tem de haver justiça fiscal. Qualquer novo impacto sobre os municípios precisa ter grande prazo de transição. Falar em unificar o ISS (Imposto Sobre Serviços)? Isso vai matar uma parcela dos municípios, vai ser um Deus nos acuda. Espero que tenham bom-senso de não prejudicar os municípios, com prazo de transição e com pacto federativo junto. Ficou fácil da sociedade, que cobra do prefeito, do vereador, no âmbito municipal. A sociedade não quer saber se o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) representa 10%, 15% do que se gasta em educação. Ela quer saber de chegar à escola com caderno, uniforme, professor feliz, escola pintada, com computador. Saúde é a mesma coisa. Há municípios que aplicam 25%, 30% na saúde e resolve? Não resolve. Qual o investimento dos governos estadual e federal? Quase nada.

Melhora no quadro de desenvolvimento sustentável passa por olhar de carinho aos municípios?

Não tenho dúvida. Se não, só vai aprofundar (a desigualdade). Se você tive recuperação econômica efetiva, você aumenta o PIB e a renda, mas aumenta a renda concentrada nas grandes cidades, sem distribuição. Aumenta o número de segregados. Essa reforma da Previdência é pró-cíclica. O ciclo de recessão se acentua. Quase 60% das cidades do Nordeste têm como fonte única a remuneração da Previdência e o Bolsa Família. À medida em que você diminui a Previdência, você aprofunda o ciclo recessivo. Primeiramente tem de combater os privilégios, trazer equilíbrio fiscal para o governo. Mas estamos trabalhando em uma questão fiscal sem olhar do ponto de vista da vida das pessoas e das cidades.

Como a FNP vê o trabalho do governo federal no sentido de mudar o cenário dos municípios?

 

Tivemos reunião com ministro Paulo Guedes, em abril, quando ele foi à assembleia geral dos prefeitos. Fez fala positiva, precisava dos prefeitos, como parceiros. Mas não tem nenhum gesto prático. Não tem recurso, emendas parlamentares estão contingenciadas, financiamentos governamentais bloqueadas. Só a Caixa abre válvula de escape de financiamento, com algumas linhas, junto aos municípios.

Como o senhor espera que seja a receptividade da comitiva brasileira em Nova York?

Série de autoridades cancelou encontros com o presidente (Bolsonaro). O Boris Johnson (premiê britânico) cancelou. Espero que o ambiente não seja hostil. Mas que obviamente haverá reflexo negativo todo esse tipo de postura (de Bolsonaro). Esses sinais (contrários ao Brasil) a gente começou a ver. Não tenho ideia como funciona um ambiente desses. Fui uma vez como turista à ONU. Mas espero que o ambiente não seja hostil. 




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