Início
Clube
Banca
Colunista
Redes Sociais
DGABC

Terça-Feira, 30 de Abril de 2024

Política
>
Entrevista da Semana
‘A chance de mudanças está nos jovens’, Juliana Cristina de Almeida, advogada feminista
Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
11/03/2019 | 07:00
Compartilhar notícia


A advogada feminista Juliana Cristina de Almeida, 37 anos, passou a atuar com direito de família após viver experiência pessoal: um divórcio conturbado e a total falta de apoio. Decidida a ofertar às mulheres o amparo que não recebeu, passou a estudar e se dedicar aos casos de divórcios e alimentos. Atualmente, integra o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher de Santo André e dá palestras, especialmente em escolas, sobre o combate ao machismo. “Aqui está a minha menina dos olhos, a cereja do bolo, o que me dá mais entusiasmo. Nossa única chance de mudança está ali, na cabecinha dos jovens.”  

Como começou a trabalhar com direito de família?
Cresci trabalhando com meu avô em meio a rescisões e cálculos. Ele era contador e advogado, com escritório antigo em Santo André. Assim, depois que me formei em direito, há 16 anos, tive mais facilidade com direito trabalhista e previdenciário. Também sou contabilista e meu CRC é ativo até hoje. Porém, após enfrentar um divórcio conturbado, de um casamento de mais de dez anos, envolvendo alto grau de litígio e situações complexas, resolvi deixar tudo de lado e me dedicar às famílias. Foi uma situação que me levou ao fundo do poço financeiramente e emocionalmente, e senti na pele a carência jurídica de amparo à mulher nessa situação tão delicada e importante da vida. Não fui acolhida. Muito pelo contrário. Fui julgada e encontrei muitos maus profissionais que contribuíram para alguns desastres no trâmite do processo. Assim, comecei a enxergar que toda minha experiência como mulher poderia ser muito proveitosa na minha profissão, senti que poderia ajudar muitas mulheres que vivem o que passei, oferecendo o que eu mais queria na época, além do atendimento jurídico, o acolhimento. Então, não parei de estudar, fiz diversos cursos de capacitações na área e hoje curso pós-graduação em direito das famílias.

Qual tem sido o seu foco de atuação?
Hoje meu foco são as mulheres, divórcio e alimentos. Quando se fala em direito de famílias, principalmente em ações que envolvem menores, o Ministério Público cuida e visa o bem-estar da criança, o juiz julga os fatos e quem cuida da mãe? A mulher precisa estar fortalecida e bem representada para cuidar dessa criança e para voltar ao mercado de trabalho, que, muitas vezes, ela deixou para tomar conta da família. Então, esse é meu foco, cuidar da mãe, para entregar para a sociedade uma mulher pronta para trilhar novos caminhos, assim ela pode criar os filhos melhor, que em 90% das vezes ficam sob sua responsabilidade. Essas mulheres, às vezes, nem sabem que foram e são vítimas de violências psicológica e patrimonial (crime descrito no artigo 7 inciso II, IV e V, da Lei Maria da Penha). Também tenho muitos clientes homossexuais. Atuo com as novas famílias, que hoje não são como antigamente. Temos diversos tipos de núcleos que devem ser respeitados e possuem direitos como os outros. Por exemplo, a família mosaico, que é formada por filhos de outros casamentos e que passam a conviver como irmãos. São compostas por pais que podem estar no segundo ou terceiro casamentos, que têm filhos que vivem juntos ou os visitam em tempos determinados. Percebam as mudanças, não podemos só acompanhar a lei sem abrir a cabeça, culturalmente falando.

Desde quando participa do Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher?
Desde que comecei a atuar com advocacia voltada à mulher e às novas famílias, passei a dar palestras, levantar essa bandeira por todos os lugares. Participo do Conselho Municipal da Mulher da Prefeitura de Santo André, sempre envolvida em tudo que se relaciona a encorajar as mulheres da minha região. Efetivamente passei a integrar o conselho da mulher advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André nessa nova gestão da casa.

O que tem sido debatido nesse espaço?
Debatemos e estruturamos projetos de incentivo ao combate da violência contra a mulher em todos os sentidos para nossa cidade.

Como os conselhos podem atuar efetivamente pelo fim da violência contra as mulheres?
Ajudando a levar mais informações e esclarecimentos à população. Ficando a par de estatísticas, realizando debates com especialistas, para tentar entender e agir no foco do problema.

Também se dedica a palestras em escolas. Quais os temas abordados e por que escolheu falar com esse público?
Aqui está minha menina dos olhos, a cereja do bolo, o que me dá mais entusiasmo. Nossa única chance de mudança está ali, na cabecinha dos jovens. Meu trabalho no escritório, brinco que é o de ‘apagar incêndios’. Meu foco sempre é chegar a um acordo. Nas palestras, e principalmente nas escolas, é ensinar a não deixar pegar fogo. Se conseguirmos mostrar para os jovens que o caminho é o respeito, a igualdade, podemos mudar o futuro próximo, diminuindo os índices de violência contra a mulher. E acredite, é surpreendente o que vejo, a molecada está muito ligada em tudo, interessada, participa efetivamente das palestras, questiona e isso é lindo, é esse o caminho.

O Grande ABC registrou aumento de 33% nos feminicídios em dois anos, passando de 24 casos em 2016 para 32 em 2018. Como avalia esse avanço?
Nós, que trabalhamos diretamente com isso, estamos estarrecidos, tentando buscar medidas que possam ajudar a conter esses índices. Estamos falando de problema social que pode atingir qualquer uma de nós, mas que tem características particulares que precisam ser compreendidas para que possamos realizar transformações necessárias. Acredito que, além das discriminações por gênero, precisamos compreender muitos outros pontos, como classe social, geração, deficiências, raça, cor e etnia.

Apenas neste ano, a região teve três casos de homicídio em decorrência de violência doméstica, sendo dois feminicídios. Como esses crimes podem ser combatidos?
Batemos sempre nas mesmas teclas: educação e informação. Denunciar e não se calar. A violência contra a mulher tem ciclo e esse ciclo deve ser rompido por essa mulher o quanto antes, para que não termine em feminicídio. O maior índice de violência ocorre dentro de casa, local onde ela deveria estar protegida. Então denunciar e ajudar quem conhecemos e passa por isso é muito importante, pois muitas vezes essa mulher está perdida e uma única palavra pode salvá-la.

A Lei Maria da Penha já tem 13 anos de existência. Na sua avaliação, enquanto mulher e advogada, ela tem cumprido com sua função de proteger vítimas de violência doméstica?
Apesar de ser muito melhor no papel do que na prática, o cenário pós-Lei Maria da Penha é positivo. Acredito que o aumento nas estatísticas refere-se a mais informação, seguida de mais denúncias e busca por ajuda. Poderíamos dizer que é uma lei perfeita, mas as faltas de estrutura e investimento para a sua completa efetividade ainda não nos permite que seja perfeita na execução. Porém, as instituições e profissionais que atuam na aplicação da lei estão mais conscientes de que quando se trata de violência contra a mulher a punição isolada não adianta. É necessária atuação multidisciplinar. Atendimento especializado na delegacia ou assistência social, proteção integral da Justiça, com a fiscalização de medidas protetivas e maior credibilidade à palavra da vítima. Por fim, enviar a vítima para os projetos de resgate e empoderamento que auxiliam na busca das independências emocional e financeira. E, ainda, encaminhar o agressor para ressocialização, ressaltando que o sucesso se dá quando todas as medidas são aplicadas em conjunto. A única coisa que não podemos mudar nem aplicar de pronto é o preconceito da sociedade.

Quais pontos da lei ainda precisam ser aprimorados?
Existem muitos desafios e um deles que precisa ser transposto é a aplicação igual da lei no País todo. Segundo as pesquisas, os municípios menores são os que sofrem mais com a falta de infraestrutura e são nessas pequenas cidades onde ocorre maior incidência de violência contra a mulher, porque, pelo fato de a mulher não ter onde denunciar, de se orientar, permanece naquela situação que sempre viveu. Na região Nordeste do País, por exemplo, é difícil encontrar estrutura necessária, que ofereça suporte para as vítimas de violência.

Normalmente, as mortes em decorrência de ciúmes e/ou violência doméstica são chamadas de crimes passionais. Esse termo é correto?
Não se pode confundir crime passional com feminicídio, pois no primeiro caso mata-se por ciúmes e, no último, simplesmente pelo fato de a vítima ser mulher. Ter medo de morrer não é romântico, não é passional. Confiar em alguém que abusa do sexo feminino para perpetuar uma mentalidade machista não deveria ser comum na sociedade. Isso precisa acabar. Ninguém mata por amor. É revoltante crimes contra a mulher serem relacionados à paixão, ao amor e ao ciúme. Está mais do que claro atualmente que se trata apenas de um recurso utilizado por advogados de defesa lá nos anos 1940 (ano do Código Penal) para que covardes matassem mulheres e tivessem suas penas diminuídas. Olha o absurdo, a mulher é assassinada e ainda a culpa é jogada nas costas dela, pois dispensou excesso de amor no cidadão, que foi levado ao extremo. É absurdo e inadmissível! Não é crime passional, é feminicídio. Ele não é um pobre apaixonado que se descontrolou e matou. Ele é um homicida e fim.

A recente flexibilização na posse de arma, promovida pelo atual governo, pode incidir em aumento de feminicídios?
O decreto autoriza manter até quatro armas de fogo em casa ou no local de trabalho. Primeiro, abre margem para mais possibilidade de acidentes domésticos, principalmente em casa com crianças. E para violência contra a mulher, pode ser muito pior. O machismo é histórico no nosso País. As mulheres têm muito medo de denunciar. Assim, qual a chance de esse medo aumentar? Enorme. Falo isso com propriedade, minha certeza não tem como base os estudos que fazemos na pós-graduação ou que aprendemos nos bancos das universidades, mas nos relatos e casos que acompanho diariamente. Mulheres que apanham, que sofrem tortura emocional ou qualquer que seja, sentem muito medo de denunciar e quando denunciam não conseguem o amparo adequado.

RAIO X
Nome: Juliana Cristina de Almeida
Estado civil: Casada
Idade: 37 anos
Local de nascimento: Santo André, onde mora
Formação: Contabilista e bacharel em direito
Hobby: Viajar
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, e Sejamos Todos Feministas, de Chimamanda Ngozi Adichie
Artista que marcou sua vida: Meu marido, Leonardo Roncon. Artista e extremamente feminista. Me ajudou a descobrir a força que a mulher pode ter, então ele marcou e mudou minha vida
Profissão: Advogada feminista
Onde trabalha: Escritório próprio em Santo André




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.