No Brasil, há pouco material editado e poucos causos escritos. Quem iniciou esse registro do jeito brasileiro de contar histórias, tendo o homem do povo como “herói”, foi Cornélio Pires, que recolheu causos de caipiras paulistas em livros lançados na primeira metade do século XX. Boldrin expande um pouco os horizontes para Minas Gerais, Nordeste, Sul, acrescentando o capiau mineiro, o cangaceiro maroto, o gaúcho valentão, entre outros tipos brasileiros variados.
O divertido do causo é ouvi-lo de preferência em grupo e acompanhado de uma dose da “amargosa”, a mesma que “matou o guarda”, bebida com moderação. Isto para não atrapalhar o entendimento do conto, exatamente o que vem a ser o tal do causo, que envolve situações cômicas entre padres, soldados, crianças, bichos com feições humanas, políticos, pão-duros, valentões, e os bêbados apreciadores da “marvada”.
Boldrin narra 63 causos, quase um para cada um de seus 64 anos. Todos floreados pelo seu jeito caipira de narrar, que reproduz a fala típica dos matutos. Aliás, caipira é que não falta neste livro, pois é do interior que vêm esses causos. Vêm, se transformam, e são reciclados, tornando a voltar. “Causos correm o mundo e cada um conta os mesmos como achar mais conveniente” escreve Boldrin antes de partir para o primeiro, ocorrido com ele no quartel, quando servia o Exército, na ocasião em que ficou preso junto com um companheiro por carregar pinga num cantil em vez de água.
Assim, Boldrin mescla fatos vividos por ele, causos envolvendo anônimos, tipos de sua terra e figuras do meio artístico. Quase dá para ouvi-lo no texto, embora causo seja melhor ao vivo do que escrito. No papel, vale como registro desta tradição brasileira.
Como este, envolvendo dois caipiras, que está inteirinho no livro e aqui, bem resumido: Dois caipiras, acocorados na beira da calçada, enrolam cada um seu cigarrinho de palha. Sem prosear, só naquele ritual. De repente escutam um barulho forte, mais ou menos assim: blomm...blomm...blomm. Os dois olham sincronizados para o céu e se deparam com um elefante voando e batendo as asas. Acompanharam o bicho até ele sumir no horizonte. Voltaram ao velho cigarrinho e novo barulho, e a mesma coisa, dobrando o número de elefantes. Assim foi, e outra vez, e outra, todos voando para o horizonte. Então, um deles perguntou, calmo e arrastando no sotaque: “Então, cumpadi! O que é que ocê me diz disso aí?” E o compadre, também calmo: “Eu digo que, pelo que eu acho, o ninho deve ser...logo ali. Pois foram tudo pro mêmo lado, uai”. E voltaram ao fuminho.
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