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Domingo, 28 de Abril de 2024

À espera do Natal
Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC
19/12/2010 | 07:18
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Faltam cinco dias para o Natal. As ruas estão enfeitadas, os presentes comprados, e as ceias começam a ser preparadas. As crianças aguardam o Noel, os adolescentes esperam reunir a família e curtir o momento. Nem todos conseguem aproveitar a festa como gostariam, mas a confraternização ocorre, de um jeito ou de outro.

"Fui maltratada, nunca acreditei em Papai-Noel. Mas agora tento aproveitar da melhor forma", diz a garota, que mora em um abrigo do Grande ABC só para meninas. "Achei chato o primeiro Natal que passei aqui. Agora espero as sacolinhas e me preparo para curtir."

Em um dos anos, inclusive, ela foi convidada por uma família-solidária. Pela mesma experiência passou Robson*, 13, que mora com mais 15 meninos em outro lar. Ele foi convidado por uma família para passar as férias, depois voltou para o abrigo. "Fui tratado como filho, mas não é a mesma coisa. Queria ter uma família só minha. Natal significa isso, então, não fico tão feliz nesta época." Robson* é órfão.

Já Bela*, 13, costuma passar sempre as festas de fim do ano no próprio lar de meninas. "As ‘tias' são legais. Tentam nos agradar como podem", conta. O mesmo pensa Fabrício*, 12. "Sempre espero pela grande festa de Natal que reúne todos os lares. É legal. O Papai-Noel vai lá e ganhamos presentes. Aproveito para rezar bastante pelos meus pais (que já morreram) e pedir felicidade para mim e meus irmãos."

Em alguns casos, o juiz autoriza que os jovens abrigados passem as festas e as férias com algum integrante da família. Bruna*, 14, vai conseguir fazer isso neste ano. "Estou ansiosa. Para mim, é importante estar com eles." A mãe de Bruna* foi denunciada por maus-tratos.

Manuela*, 15, também vai voltar para ver os irmãos no Natal. "Espero que a situação tenha melhorado por lá." Já Caio*, 13, vai curtir o momento com o tio. "Quero estudar, me formar em gastronomia e criar a minha própria família. Então, vou preparar o melhor Natal de todos."

Clima mais parecido possível

Para as ‘tias' dos lares, a missão é preparar uma festa parecida com que as crianças e adolescentes teriam nas próprias casas. "Não é igual, mas tentamos fazer da melhor maneira. Elas mesmas escolhem o que querem ceiar e recebem sacolinhas de presentes. Fazemos questão de todas participarem da montagem da árvore e da decoração", explica Paula Evaristo, coordenadora da casa visitada pelo D+.

Alguns funcionários deixam as próprias famílias para ficar com os ‘filhos' dos lares onde trabalham. "Tentamos fazer com que eles passem as festas com os familiares, mas quando não é possível ficam aqui. O que importa é que sejam bemtratados." No lar dos meninos ocorre o mesmo. "Fazemos de fato o papel de mãe", resume a educadora Simone Souza.

Quer ajudá-los neste Natal? Dá tempo de doar alguns itens da sacolinha. O telefone da casa das meninas é 2534-0500 e a dos meninos é 2325-7100.

Presentes do Papai-Noel

Nenhum dos jovens entrevistados pelo D+ mencionou algo material quando questionado sobre o que gostaria de pedir para o Papai-Noel. Todos desejam algo mais urgente e essencial para a vida deles: um lar, os pais de volta e uma família. "Você pode pedir uma família ao Papai-Noel, moça?", pergunta Robson*.

"É complicado lidar com sentimentos de perda e revolta. Mas tentamos mostrar que as coisas vão melhorar", explica a educadora Simone, do lar dos meninos. O mesmo trabalho faz a psicóloga Paula, do abrigo das meninas. "É por isso que temos muito cuidado com o esquema das famílias-solidárias. Aqui não é vitrine para escolher crianças e adolescentes."

Depois de certa idade, eles perdem a esperança de serem adotados. "Já cansei de esperar. Hoje, luto para construir minha própria família", afirma Julio*, 15, que mora no abrigo com o irmão e quer ser dono de oito imobiliárias quando crescer. "Vou chegar lá."

Funciona como casa de verdade

Organização, estudo, limpeza, responsabilidade, diversão e conforto. O abrigo funciona como uma casa de verdade. "Todos arrumam as camas e alguns já sabem cozinhar e lavar a própria roupa. Enquanto não estão na escola ou trabalhando, fazem atividades, como cursos. É preciso manter a disciplina", explica a educadora Simone.

Na casa das meninas, inclusive, os namorados são convidados a ir até lá. "É importante estar sempre de olho", fala a coordenadora Paula. Além disso, um acaba cuidando do outro porque se tornam uma família. "A gente se ajuda a maquiar, fazer a unha e arrumar o cabelo. Às vezes, desabafamos uma com a outra", conta Mariana*, 16.

Os meninos costumam jogar futebol. "Não é como se estivesse em casa, mas precisamos conviver. O bom é que todos são corintianos e não dá briga", diz Pedro*. Para Rafael*, a rotina vai mudar em 2011. Ele vai voltar a estudar. "Vou tomar jeito. Quero uma vida tranquila."

Vizinha de um lar-abrigo

Aos 8 anos, mudei para a rua em que ainda vivo, em São Caetano. Nunca fui de brincar fora de casa. Tenho mãe superprotetora. No entanto, seria diferente no novo endereço. Em frente a minha casa existia um lar-escola para crianças e adolescentes abrigados. Lá, moravam várias garotas que poderiam ser minhas amigas.

Foi o que aconteceu. Passava horas brincando com elas - Ana, Márcia, Léia, Sara, Dani e muitas outras. Mas eu era mais chegada na Tati. Estudávamos na mesma escola para a qual íamos juntas. Lembro de dar risadas; a Tati era engraçada.

Natal e Ano-Novo tinham gostinho especial. A turma do lar organizava apresentações. As meninas escolhiam músicas com as quais montavam coreografias. Sempre acompanhava os ensaios. Tinha uma vontade louca de participar. Achava o máximo. Algumas vezes, também estive na ceia do dia 24. Curioso era quando as meninas ganhavam a sacolinha de Natal, com roupas, sapatos, brinquedos, bijus. Nessa hora, sentia certa tristezinha porque meus pais não podiam me dar nada daquilo. Engraçado, né?

Crescemos. Comecei a ter muitas atividades e, aos poucos, parei de frequentar o lar. Hoje, o lugar não existe mais. Restam apenas entulho e lembranças. Não sei por onde anda a Tati. Gostaria de saber como está. Quem sabe, a sorte dá uma forcinha para que ela leia este texto.




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