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Segunda-Feira, 29 de Abril de 2024

Literatura africana segue em debate
Ricardo Lísias
Especial para o Diário
03/10/2007 | 07:08
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O encontro do próximo sábado (dia 6) dos Seminários Avançados sobre a Literatura Africana em Língua Portuguesa discutirá a literatura angolana em prosa, tendo como centro a esplêndida obra de Luandino Vieira. O evento, com entrada franca, é realizado, das 15h às 18h, na Casa da Palavra (tel.: 4992-7218), em Santo André.

Angola tornou-se independente apenas em 1975, depois de uma longa e sangrenta guerra. Mesmo quando os portugueses saíram do território e o entregaram aos angolanos, o país não teve um instante de paz: imediatamente uma guerra civil entre o MPLA e a Unita tomou conta de todo o território.

Só em 2002, há cinco anos, o país foi finalmente pacificado e agora, aos poucos, procura superar os terríveis problemas sociais – que se desdobram em uma grande parcela da população vivendo em níveis alarmantes de pobreza.

Mesmo em condições desfavoráveis (detalhe, aliás, que nunca incomodou a literatura!), Angola produziu excelentes prosadores.

Além de Luandino Vieira, um dos maiores escritores da Língua Portuguesa, é possível citar também Pepetela, Ondjaki e, menos conhecido no Brasil, o curiosíssimo Boaventura Cardoso. Cada um à sua maneira, todos os quatro criam uma prosa bastante particular e representativa do país.

Com bastante repercussão no exterior, o mais novo de todos é Ondjaki. Seu romance Bom Dia Camaradas fez bastante sucesso no Brasil. Espécie de pequenino romance de formação, o livro conta a história de um grupo de crianças que está terminando o primeiro ciclo escolar.

O narrador, uma criança, enxerga tudo com olhos entre ingênuos e encantados, e traz para o texto certo lirismo muito característico da linguagem infantil. Como pano de fundo, a guerra civil que abalava o país, o diálogo com Cuba e a antiga União Soviética e a colonização portuguesa.

Boaventura Cardoso é atualmente o Ministro da Cultura de Angola. A propósito, diversos escritores ocuparam cargos políticos na história recente do país: Pepetela também dirigiu um ministério e o poeta Agostinho Neto foi o primeiro presidente do país, logo depois da independência.

A literatura de Cardoso constrói-se a partir de uma linguagem exuberante, em que a Língua Portuguesa abre espaço para dialetos locais, e assim acaba criando uma mistura curiosa e irreverente, como no caso da novela A Morte do Velho Kipacaça, mistura de conto policial com relato de costume e velada crítica política.

Outro grande artífice da língua é Luandino Vieira. Autor recluso, suas obras tratam sobretudo da população pobre de Angola. Seus textos normalmente partem de um acontecimento corriqueiro que, revestido de uma linguagem rica e muito particular, avançam para um fino estudo psicológico e, mais, uma profunda crítica política da sociedade angolana.

A sintaxe trabalhada divide espaço na atenção pelos detalhes e Luandino Vieira termina, mesmo no curto espaço do conto, criando um painel bastante rico da Angola dos últimos anos.

Por fim, vale comentar um assunto que com certeza deverá surgir durante o Seminário: a polêmica reforma ortográfica. Fica evidente que parte grande do interesse da literatura angolana vem justamente da maneira particular com que seus escritores tratam a língua.

É possível que um esforço de unificação destrua justamente o que a literatura africana tenha de mais marcante: a utilização da linguagem como um aspecto próprio da cultura local, o que termina por enriquecer, e muito, a Língua Portuguesa.

Ora, é claro que ninguém e nada precisam ser iguais para serem bons. Ao contrário, uma das grandes virtudes da literatura é justamente a descoberta do outro, que é sempre diferente, como uma entidade também valiosa. Nesse caso, a política irá prejudicar a arte.

Os Seminários Avançados sobre a Literatura Universal Contemporânea são uma iniciativa conjunta da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Santo André, da Escola Livre de Literatura, do Centro Universitário Fundação Santo André e da Casa da Palavra, com apoio do Diário. Iniciados em agosto de 2005, já ultrapassam 4.000 participantes.

Ricardo Lísias, 31 anos, é mestre em Literatura e História pela Unicamp e doutor em Literatura Brasileira pela USP. Escreveu, entre outros títulos, Dos Nervos (Hedras, 2004), Duas Praças (Globo, 2005) e Anna O. e suas Histórias (Globo, 2007).



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