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Domingo, 28 de Abril de 2024

Cultura regional: existe isso?
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
12/06/2005 | 10:22
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Existe cultura regional do Grande ABC? Como a regionalidade é percebida fora dos limites das sete cidades? A discussão proposta pelo Diário a intelectuais e artistas esbarrou na maioria das vezes no “não” à primeira questão, com ressalvas. Quanto à segunda, a própria existência da região do ponto de vista geográfico foi questionada, e permanece o movimento sindical de 1978-1980 como marca registrada do Grande ABC.

Autor de O ABC dos Operários: Conflitos e Alianças de Classe em São Paulo, 1900-1950 (Editora Hucitec/Prefeitura de São Caetano, 1995), o historiador norte-americano John D. French, especialista em Brasil da Duke University, deve finalizar até 2006 um novo livro, novamente tendo o Grande ABC como foco, Building Movements in a World in Flux: Leadership, Consciousness and Mobilization among Metalworkers in São Paulo, Brasil 1950-1980 (Construindo Movimentos em um Mundo em Fluxo: Liderança, Consciência e Mobilização entre Metalúrgicos em São Paulo), “um livro sobre as origens do presidente Luis Inácio Lula da Silva”, diz.

French estuda o Grande ABC desde 1980, quando visitou a região pela primeira vez, permanecendo 20 meses, entre 1981 e 1982. Desde então, vem anualmente ao Brasil e sempre passa pela região. Naquela época, French percebeu um “poderoso sentimento de unidade e identidade” entre os metalúrgicos, como resultado das greves de 1978-1980, “as quais trouxeram fama a Lula, a São Bernardo e Diadema, e por extensão ao ABC”. “Na época, e durante minhas visitas desde então, me impressionou o poderoso sentimento de identidade local na região do ABC, muito próxima a São Paulo, mas que definitivamente não fazia parte desta capital. Mas não diria que esse sentimento era baseado em uma identificação dos moradores com o ABC como um todo, tanto quanto era um sentimento que fazia parte dos municípios de Santo André, de São Caetano ou de São Bernardo (cada um com características próprias). Ao mesmo tempo, existem vestígios de um senso de orgulho coletivo de uma história que pode parecer antiga, mas que está bem viva. Vide a eleição de Lula como presidente”, afirma.

French coloca a questão de pensar uma identidade cultural para a região nas mãos das lideranças locais. “Identidades são criações e projetos, não realidades empíricas. Se a grande maioria dos líderes populares, empresários e políticos da região se empenhasse em construir o ABC como uma realidade, seja através de câmaras setoriais, câmaras de desenvolvimento regional etc., haveria oportunidade de a região ganhar força e espaço”. Porém, a região não é reconhecida no exterior nem pela produção industrial ou cultural. “Nos Estados Unidos, o ABC continua a ser conhecido – entre os que sabem algo sobre o Brasil – não pela sua cultura, mas por ter lançado a liderança de Lula”.

Sem projeto aglutinador – Esse projeto de identidade cultural mencionado por French não se aglutina justamente por causa das lideranças locais. Uma das críticas a essa falta de regionalidade vem da escritora Dalila Teles Veras. “A proposta de criação de uma orquestra sinfônica regional foi apagada em seu início, porque começou a ser discutido onde ela seria sediada”, diz. O professor doutor Antonio Carlos Gil, do Laboratório de Regionalidade e Gestão do Imes (Universidade Municipal de São Caetano), questiona qual seria a sede ideal dessa região. “Uma região requer um pólo de referência, como Sorocaba, Campinas, Ribeirão Preto. Aqui, cogitou-se Santo André como esse pólo, mas e as cidades com peso econômico semelhante, como ficariam?”.

A palavra “regionalidade” não consta nos dicionários, mas Gil a traduziria por “qualidade de ser de uma região”. Para ele, o termo região não seria ideal para o Grande ABC. “Nada constitui o ABC como região, nem do ponto de vista geográfico, nem político, nem econômico. Ela não se divide por marcos geográficos específicos, faz parte da macrorregião da Grande São Paulo e tem municípios diferentes em sua economia, de estância turística a industrial. Só é chamada de região porque foi socialmente constituída por uma articulação de lideranças locais que se mobilizaram para isso”, afirma.

O melhor fórum para discussão de qualquer coisa em termos de regionalidade seria o Consórcio Intermunicipal, segundo Dalila, entidade que não exerce esse papel com plenitude e onde a discussão cultural é “pífia”. “Cultura é sempre penduricalho, os secretários municipais da Pasta são sempre os últimos a serem escolhidos. Não há um projeto aglutinador, a cultura fica dependente do que vem a ser oferecido, sem nenhuma proposta. Chamo de cultura de balcão, como um funcionário no balcão esperando vir uma peça com ator da Globo”, diz.

A regionalidade cultural existe para Dalila, mas é fragmentada. Ela própria reconhece que é mais conhecida no Grande ABC como animadora cultural (dona da livraria Alpharrabio), e fora daqui como escritora. “No meio literário, o ABC tem quatro ou cinco nomes conhecidos, nosso teatro é encenado no Mercosul, a Orquestra Sinfônica de Santo André se apresenta em Campos do Jordão, mas muitas coisas produzidas aqui passam fragmentadas. O Luís Alberto de Abreu (dramaturgo de Ribeirão Pires) teve trabalho na TV mas não foi citado como sendo da região. Acredito que ninguém mais tem vergonha de ser localista, só precisamos cuidar mais desse local para que apareça mais em conjunto”.

No Imes, o professor Roberto Elísio dos Santos, que desenvolve estudos de Gestão de Processos Regionais para Comunicação e Cultura, deve organizar no final de setembro o seminário Como é a Produção Cultural no ABC, que discutirá se existem características culturais marcantes na região. Ele próprio não crê em identidade cultural comum: “Não temos um falar próprio, a industrialização não é exclusiva daqui, o sindicalismo não se restringiu ao ABC. Temos produção cultural nas artes plásticas, teatro, música, dança, mas o mesmo ocorre em São Paulo. O jovem do ABC fala a mesma gíria que o morador da Zona Leste paulistana e usa a mesma moda. Há algo que caracterize exclusivamente o ABC em termos culturais? Eu diria que não”.




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