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Grande ABC tem 586 pacientes na fila por um rim
Bruna Gonçalves
Do Diário do Grande ABC
23/08/2010 | 07:14
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O Grande ABC possui 719 pessoas que aguardam na fila por um transplante. O órgão mais disputado é o rim. Cada paciente aguarda em média, dois anos para conseguir doador compatível.

De cada dez moradores da região oito esperam um rim - ao todo são 586. Em São Paulo, esse número chega a 10.083. A maioria necessita passar por hemodiálise até que um doador, vivo ou com morte encefálica comprovada, seja encontrado.

"A pessoa que realiza as sessões consegue viver de 20 a 30 anos. Por isso, há esse número na fila", disse o diretor do Programa de Transplante da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) José Medina Pestana.

Segundo Medina, uma das principais causas de algum tipo de inflamação crônica no órgão é hipertensão e diabetes.

"Cerca de 3.600 pessoas realizam sessões de hemodiálise três vezes por semana na região. Esse tratamento é indicado quando apenas 10% do rim realiza sua função de filtrar o sangue (de impurezas e produzir urina)", disse Edson Raddi, nefrologista do Cin ABC (Centro Integrado de Nefrologia do ABC), responsável pela unidade no Hospital Estadual Mário Covas.

A equipe do Diário esteve em uma unidade de hemodiálise e acompanhou histórias de pessoas que aguardam na fila.

Outros foram transplantados, mas o órgão parou de funcionar e requer novas sessões. Para eles cada dia há a esperança de ser chamado. Na região apenas o Hospital Anchieta, em São Bernardo, realiza transplante de rim.

Em segundo lugar de urgência na região de pessoas que aguardam na fila está o fígado, com 62 pessoas; pâncreas e rins, 25; córnea, 22 e pulmão, coração e pâncreas, oito pessoas em cada órgão.

Para encontrar os doadores, os hospitais possuem comissão intra-hospitalar responsável por notificar a Central de Transplantes do Estado quando um paciente tem morte encefálica (perda das funções cerebrais).

"Estima-se que há 1,3 milhão de óbitos por ano, 13 mil por morte encefálica. Mas nem todos são notificados. Por isso, muitos doadores se perdem", disse o cirurgião Tércio Genzini do Hepato -grupo especializado em doenças do aparelho digestivo - durante palestra realizada semana passada na Faculdade de Medicina ABC sobre o tema.

A região não possui uma OPO (Organização de Procura de Órgão), mas está associada à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e ao do Dante Pazzanese , na Capital.

Luta dos que aguardam na fila é diária
História de vidas se misturam em busca de um ideal: o transplante de rim. Enquanto alguns aguardam na fila pela primeira vez, outras revivem essa experiência. É o caso da professora de inglês Ivete Morcilo, 57 anos, que espera há cinco anos por novo rim. A moradora de São Caetano há 17 anos procurou um médico para emagrecer, porque se achava gorda.

"Era inchaço, foi detectado nefrite (inflamação dos rins causada por infecção ou reação imune do organismo). Comecei a hemodiálise, um ano e meio depois fiz transplante." Depois de dez anos o rim parou de funcionar e há cinco anos enfrenta hemodiálise.

Segundo o diretor do Programa de Transplantes da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) José Medina Pestana, ao realizar um transplante não há prazo que determina por quanto tempo aquele órgão vai funcionar.

Enquanto faz hemodiálise no Cin ABC (Centro Integrado de Nefrologia do ABC), em São Caetano, a professora de inglês até troca receitas.

É com esse bom humor e esperança que os pacientes do centro receberam a equipe do Diário na quinta-feira.

Segundo o cirurgião Tércio Genzini do grupo Hepato - especializado em doença do aparelho digestivo - estima-se que 10 mil pessoas entrem na fila de transplante por um órgão ou tecido por ano.

O operador de computador de Rio Grande da Serra Josenildo Bezerra Gomes, 48, é um deles. Há um mês entrou na fila por um rim. "O excesso do antibiótico que tomei durante algum tempo ajudou a desenvolver o problema crônico", explicou Gomes.

Compatibilidade - As famílias de Roselani Batista de Souza, 37, e de Olinda Maria Ferrari dos Santos, 56, têm algo em comum. Esperam os resultados de testes de compatibilidade dos parentes para a doação do rim. "Há três anos meu marido descobriu insuficiência renal, retirou um órgão e o outro parou de funcionar. Começou a hemodiálise, enquanto aguardamos exames de compatibilidade que um tio dele está fazendo", relatou a dona de casa de Mauá.

O mesmo acontece com a filha de Olinda. "Ela nasceu com o rim atrofiado. Em 2009, começou perder a função do único órgão. Nossa esperança é o meu marido, que está fazendo o teste de compatibilidade", explicou a dona de casa do conjunto Jaú, Zona Leste de Capital.

União de mãe e filha serve de exemplo
Exemplo de força. É assim que a dona de casa Maria Dulce Cerqueira Leite, 80 anos, é conhecida. A moradora de São Caetano herdou o problema crônico do pai e há 14 anos realiza sessões de hemodiálise no Cin ABC (Centro Integrado de Nefrologia do ABC), no município. "Precisei retirar um rim e outro parou de funcionar. Desde então entrei na fila de transplante e realizo hemodiálise de três horas e meia três vezes por semana", explicou.

Mas há seis anos Maria tomou uma decisão que para muitos pode parecer loucura. "Há seis anos resolvi sair da fila de transplante por conta da idade e a medicação após o transplante é muito forte."

Assim como Maria, sua filha Mara Cerqueira Leite de Pinho, 60, também herdou o problema renal crônico e a força da mãe. A comerciante de São Caetano começou a sentir dores abdominais e descobriu que tinha cálculo renal. "Em 1990 foi diagnosticada a doença. Foram sete anos de tratamento com medicamento, que atacou o fígado. Entrei na fila de transplante".

Em 1997 foi submetida a um transplante duplo de fígado e rim. "Fui chamada em um ano. Tudo funcionou muito bem por nove anos até que tive que entrar novamente para hemodiálise", lembrou. Ano passado fez novo transplante, mas por conta de complicações voltou a frequentar o centro de hemodiálise com a mãe.

"Não houve rejeição, mas trombose na artéria que impediu o funcionamento. Mas não desisto", explicou Mara que segue dieta rígida com pouca ingestão de líquido.

Metade das famílias não aprova doação
Apesar do número de doadores ter aumentado - de 818 no ano passado para 963 no primeiro semestre do ano - apenas metade das famílias aprova a doação dos órgãos.

Essa é a estimativa do diretor clínico do Hospital Estadual Mário Covas Vanderley da Silva Paula. Em reportagem publicada em 2008, a aprovação era em torno de 20% a 30%.

"A falta de informação e a ideia do corpo mutilado são alguns dos fatores que fazem com que as famílias ainda rejeitem a doação. É difícil para algumas aceitar a morte, por isso, a equipe da OPO (Organização de Procura de Órgão) é treinada para conversar com os parentes."

Segundo o diretor do Programa de Transplante da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) José Medina Pestana de cada dez pessoas diagnosticadas por morte encefálica (perda das funções cerebrais) oito são autorizadas.

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, o maior número de doadores por hospital é o das Clínicas e Conjunto Hospitalar do Mandaqui, respectivamente, com 59 e 53 notificações e ambos com 28 doadores.

No Grande ABC é o Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, com 25 notificações de dez doadores, e no Centro Hospitalar da cidade, com 22 notificações e 5 doadores. Em Diadema, o Hospital Geral registrou 22 notificações e 12 doadores.

Esperança - Quatro anos na fila por um rim não desanimou a professora Márcia Evangelista, 55 anos, do Ipiranga, Zona Sul de São Paulo, que conseguiu realizar o transplante há três meses no Hospital do Rim e Hipertensão, em São Paulo.

"Por conta de um cansaço, descobri, que tinha insuficiência renal. Foi muito difícil aceitar, era independente, tinha três trabalhos. Briguei com médicos. Fiz tratamento com medicamento, mas começou a piorar e, em 2005, comecei a fazer sessões de hemodiálise. Não queria essa dependência", desabafou emocionada, ao lembrar que chegou a ter depressão durante as sessões realizadas em São Caetano.

"A hemodiálise mexe com a gente. São três vezes por semana com sessões de quatro horas. Perdi muita coisa, dá um pavor. Mas fiz amigos que também estavam na mesma situação e um ajudava o outro."

Mas tudo viria a mudar no dia 30 de maio. "Um telefonema mudou toda minha vida. Hoje estou bem, faço exames de rotina, e incentivo as pessoas a não terem medo de enfrentar a fila, porque mais cedo ou mais tarde vão conseguir um doador compatível como eu."

Para diretor de hospital, Grande ABC não precisa de uma OPO
Para o diretor do hospital Estadual Mário Covas Vanderley da Silva Paula, a região não precisa de uma OPO (Organização de Procura de Órgão).

O Grande ABC está associado às OPOs da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do Hospital Dante Pazzanese, na Capital.

"Havia pessoas que queriam uma unidade na região, porque pensavam que os órgãos iriam ficar no Grande ABC e aumentariam as doações. Isso não é verdade, tudo fica concentrado em São Paulo. É uma lista única."

Para ele, a necessidade da criação de uma OPO na região será preciso se as outras unidades não derem conta.

"Caso os hospitais liguem solicitando a vinda da equipe e não for possível, aí será importante. Tanto é que a secretaria não descarta essa possibilidade no futuro."

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, não há necessidade no momento da instalação de uma na região.

Segundo a pasta, as organizações que existem na Grande São Paulo conseguem absorver toda a demanda. Na Capital, além das duas citadas, há a OPO da Santa Casa e Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Capacitação é fundamental para identificar doadores
Um dos fatores que contribuem para o aumento de transplantes é capacitação dos profissionais da área para a avaliação dos possíveis doadores. A Secretaria Estadual de Saúde, desde 2006, tem treinado mais médicos para tal função.

"Antes, muitas vezes não era feito o diagnóstico de morte encefálica. Com a capacitação, responsáveis da comissão intra-hospitalar (que notifica a Central de Transplantes do Estado) estão aptos para diagnosticar a morte encefálica e avisar a central", disse o diretor do Hospital Estadual Mário Covas Vanderley da Silva Paula.

Segundo o diretor, há dois anos a retirada dos órgãos acontece no hospital. "É preciso investir no pré-hospitalar, com o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), e intrahospitalar, no caso urgência, emergência e UTI (Unidade de Terapia Intensiva). É preciso pensar que pacientes podem ser um doador."

As prefeituras informaram que funcionários dos hospitais são capacitados para a identificação. São Bernardo disse que vários médicos do Complexo Hospitalar do Município participam de treinamento na Unifesp. Santo André informou que profissionais são treinados por equipes ligadas às Centrais de Transplantes. Em São Caetano, médicos da UTI dos Hospitais Maria Braido e Albert Sabin são capacitados para identificar e iniciar o processo de captação de órgãos.




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