Desvendando a economia Titulo Análise
E agora, quem vai pagar a conta?
Silvia Cristina da Silva Okabayashi*
25/07/2020 | 00:05
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Em 2013, o economista francês Thomaz Piketty publicou importante obra que contribui para renovar inteiramente nossa compreensão sobre a dinâmica do capitalismo ao colocar sua contradição fundamental na relação entre crescimento econômico e rendimento do capital. Intitulada O Capital no Século XXI, a obra nos obriga a refletir profundamente sobre as questões mais prementes de nosso tempo, questões estas que ficaram muito mais latentes após a eclosão da pandemia causada pelo coronavírus no planeta. A publicação desse exemplar abriu novos horizontes, trouxe oxigênio, permitiu deslocar nosso foco até então centrado muito mais no PIB, na produção de bens e serviços do que no problema da distribuição de renda e nos mecanismos que aumentam ou reduzem a desigualdade. Piketty ressalta a necessidade de se atentar à desigualdade de renda, já que estamos administrando o planeta para uma minoria, num modelo de produção e consumo que destrói nossos recursos naturais, aumentando cada vez mais a desigualdade. Não bastasse isso, os recursos necessários para financiar as políticas de equilíbrio estão circulando no sistema financeiro, nas mãos de poucos grupos. Mas qual é o problema e/ou desafio aqui?

Antes, é preciso esclarecer a diferença entre renda e patrimônio. A renda é anual – resultado de salário, de aluguéis, de aplicações financeiras etc –, enquanto patrimônio constitui a riqueza acumulada, sob forma de casas, contas bancárias (menos dívidas), ações e outros tipos de riqueza. A verdade é que quem ganha pouco compra roupas para os filhos, paga aluguel, gasta grande parte da renda em comida e transporte, e não compra bens de alto valor agregado, como casas, carros luxuosos, muito menos ainda faz aplicações financeiras de alto rendimento. Professor Ladislau Dowbor aponta que “o pobre gasta, o rico acumula. Sem processo redistributivo, gera-se uma dinâmica insustentável a longo prazo”. Para ele, o desafio, obviamente, é reorientar recursos para financiar políticas sociais destinadas a gerar economia inclusiva, além de financiar a reconversão dos processos de produção e de consumo que revertam a destruição do meio ambiente. Os avanços produtivos do planeta se situam entre 1,5% a 2% ao ano, enquanto as aplicações financeiras dos que possuem capital acumulado aumentam numa ordem superior a 5%. Isso significa que parte crescente do que o planeta produz passa para a propriedade dos detentores de capital, que passam a viver da renda que este capital gera, o que justamente nos leva à fantástica concentração de riqueza nas mãos de poucos. (Dowbor, 2014).

Nesse contexto e, do lado propositivo, esperar que mecanismos econômicos resolvam o desequilíbrio crescente faz pouco sentido. Piketty propõe criar ou expandir, segundo os casos, um imposto progressivo sobre o capital. O que inclusive seria produtivo, pois estimularia os detentores de grandes fortunas a buscar realizar investimentos produtivos em vez de observarem o crescimento das suas aplicações financeiras. Ele considera que as políticas sociais no Brasil foram financiadas pela classe média, e não pelos mais ricos, e que ainda não foi levada adiante uma reforma tributária para estabelecer impostos mais progressivos – os mais justos para sociedade. Dados do IBGE revelam que tivemos crescimento de quase 1,8 milhão de desocupados no País entre o último trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2020. Imaginem só quantos serão os desocupados no fechamento do segundo trimestre deste ano? E, então, quem paga a conta?
 

* Coordenadora do curso de Ciências Econômicas da Universidade Metodista de São Paulo




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