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A cada 14 horas, um deficiente sofre violência

Dados de delegacia especializada mostra que foram 611 casos em 2019; especialistas falam em subnotificação

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
05/04/2020 | 00:01
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Ser deficiente em uma sociedade que não é inclusiva é um grande desafio, mas a situação piora ainda mais quando estas pessoas são vítimas de violência. Segundo dados da Secretaria de Estado da Pessoa com Deficiência, levantados juntos à Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência, mostram que apenas no ano passado foram registrados 611 boletins de ocorrência cujas vítimas eram moradores do Grande ABC. Desde 2015, segundo ano de funcionamento do equipamento, que é único no Estado, já foram 3.444 casos.

Os registros se referem a todo tipo de agressão, seja física ou emocional, além de negligência e maus tratos. Especialistas são unânimes em afirmar que os números são subnotificados e defendem a facilidade de acesso como a principal forma de combate à violência. Advogado especialista em direito para pessoas com deficiência e professor de Direito Civil na Universidade São Judas Tadeu Roberto Bolonhini destaca que a situação passa por mais atenção do Estado à questão e melhor estruturação dos serviços. 

O especialista cita que a lei 13.146/2015, conhecida como estatuto da inclusão, prevê a adaptação de prédios públicos para que sejam retiradas quaisquer barreiras que dificultem o atendimento das pessoas com deficiência e isso também se aplica às delegacias. “Temos apenas uma delegacia especializada e é clara a necessidade de novos equipamentos”, afirmou Bolonhini. 

Além de adaptações como rampas e elevadores, o advogado lembra a necessidade de intérpretes de Libras (língua brasileira de sinais) para deficientes auditivos e mudos, além da presença de leis em braile para os cegos. “Sou professor universitário e existem instituições de ensino que estão partindo agora para a adaptação, porque existe acompanhamento do Ministério Público”, citou, lembrando que a dificuldade de acesso está em todas as esferas.

Para o atendimento específico das delegacias, Bolonhini sugere que as academias de Polícia Militar e Polícia Civil incluam nas suas formações aulas de Libras e formação para atendimento deste público. O advogado também acredita que os crimes cometidos contra pessoas com deficiência devem ser punidos com penas ainda mais graves do que as já previstas atualmente no código penal. 

Coordenador do GT (Grupo de Trabalho) Pessoa com Deficiência do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Bernardo o advogado Luis Kassab relatou que tanto os conselhos quanto os Creas (Centros de Referência Especializado de Assistência Social) são portas de entrada para denúncias de violência e também defende a melhoria no acesso aos serviços como forma de reduzir a violência. “A prevenção começa pelo acesso. Temos de garantir a acessibilidade. Em São Bernardo temos o projeto de uma central de Libras, onde haverá intérpretes disponíveis tanto para atendimento presencial, quando solicitado por agendamento prévio, quanto de forma remota para situações emergenciais”, explicou Kassab.

Vítima de violência, moradora não entendeu que tinha medida protetiva

Priscila tem 34 anos e mora em Santo André. Deficiente auditiva desde o nascimento, ela viveu longo período de violência até que conseguiu meios para denunciar o agressor. Ainda assim, não entendeu que já dispunha de medida protetiva e só quando foi atendida em delegacia especializada em São Paulo, a única do gênero no Estado, entendeu que deveria manter distância do ex-namorado.

Quem relatou sua história foi a mãe, Cristina, 61. Ela é acompanhada pelo serviço Vem Maria, ofertado pela Prefeitura de Santo André para vítimas de violência doméstica. Cristina contou que a filha não chegou a morar com o ex-namorado, mas que eles passavam longos períodos juntos. “É característica entre os surdos ser muito ansiosos, então, não é raro que logo de cara passem a agir como se estivessem casados”, relatou. 

A mãe notou que a filha estava ficando nervosa e triste. Somente há um ano e meio foi que a jovem se abriu e contou das agressões que vinha sofrendo. Após insistência da mãe, Priscila procurou a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), mas não havia ninguém que entendesse o que ela contava. Cristina também não fala Libras (língua brasileira de sinais) e só quando foram atendidas na Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência que Priscila pôde se expressar. Foi neste atendimento que ela entendeu que tinha medida protetiva e que não deveria se encontrar com o agressor. “É triste constatar que entre os surdos, a violência é constante. Tanto entre eles, quanto dos familiares. Não eduquei minha filha assim, não sofri violência doméstica e espero que ela não passe mais por isso”, pontuou a mãe. “Se tivesse um intérprete na delegacia, tudo isso poderia ter sido resolvido muito mais rápido”, concluiu.

Encarregada do Vem Maria, Solange Fernandes Ferreira relatou que incluir mulheres com deficiência é mais um desafio no combate à violência doméstica. “A gente tem pouca demanda por este atendimento, mas acredito que exista grande demanda reprimida e temos que nos preparar”, disse. 

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que todas as vítimas de violência doméstica são acolhidas pelas DDMs e na Delegacia de Pessoa com Deficiência. Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas. 




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