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Centreville: 24 anos sem solução
Por Arthur Lopez
e Juliana de Sordi Gattone
Do Diário do Grande ABC
17/04/2006 | 08:12
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Quase 24 anos após a primeira ocupação de casas com sucesso que se teve notícia no Brasil, nenhuma das três esferas do Poder Executivo esforçou-se para regularizar a situação das cerca de 3 mil famílias que residem atualmente no Centreville, em Santo André. Desde que foi ocupado, durante a madrugada de 16 de julho de 1982, o local tornou-se uma “batata-quente”, que foi passada de mão em mão sem solução efetiva. Foram sete administrações municipais, sete estaduais e cinco federais. Segundo as lideranças da ocupação, “falta vontade política” para se chegar a uma solução.

Após anos de negociação, hoje o Centreville pertence à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano) – autarquia ligada à Secretaria Estadual de Habitação –, que desapropriou a área de propriedade da empresa Nova Urbi, empreendedora da obra, e da CEF (Caixa Econômica Federal), financiadora do condomínio. Mas há desencontros de informações sobre datas e valores pagos na transação.

Segundo a Prefeitura de Santo André, o pagamento da desapropriação foi efetuado somente em 2002, durante o governo Geraldo Alckmin. Já a CDHU afirma que a desapropriação aconteceu em 1989, enquanto Orestes Quércia governava São Paulo. Por isso, ninguém sabe dizer também o quanto foi pago.

José Fábio Calazans, ex-coordenador do setor de favelas e ocupações da CDHU e que ocupava o cargo na época da invasão, acredita que R$ 77 milhões foram liberados para a massa falida da Nova Urbi e para CEF. Hoje, Calazans, que é urbanista, atua no Centreville e pretende apresentar um projeto de reurbanização da área.

O fato é que a morosidade política e jurídica transformou o local de 250 mil m² – que seria um condomínio de alto padrão nos moldes de Alphaville, em Barueri, Grande São Paulo – em uma favela de luxo. A Prefeitura quase não consegue receita com IPTU (Imposto Predial Territorial e Urbano), devido à alta inadimplência. São 600 casas de quase 300 m² cada, sem escritura, sem obrigatoriedade de pagamento de impostos e, na maioria dos casos, com mais de uma família por residência. Além delas, um aglomerado de casas, com características de núcleo de favela, se formou no que seria área pública do conjunto.

Tributos – Essa transformação provocou efeito negativo nas finanças da Prefeitura de Santo André. Não há como cobrar tributos dos moradores. O IPTU (Imposto Predial Territorial e Urbano) é referente a cada imóvel, mas o proprietário que consta em todos os carnês é a CDHU. Lideranças como Dióstenes Figueiredo, ex-presidente da Associação União e Luta dos Moradores de Centreville, acreditam que a Prefeitura poderia colocar o nome do morador e assim dar uma garantia de propriedade. “Orientamos os moradores para não pagarem e assim pressionar a Prefeitura”, diz. Mas o diretor de Habitação de Santo André, Celso Sampaio, esclarece que a administração municipal não pode tomar essa iniciativa. “A regularização tem de ser feita pela CDHU, que é a proprietária da área”, afirma.

Tentativas – Além do contato constante com a CDHU, (“Raras vezes acompanhados de alguém da Prefeitura”, critica), Figueiredo chegou, em 2004, a ser recebido pelo então ministro das Cidades, Olívio Dutra. “O ministro nos disse que a Raquel (Ronik, secretária nacional de Programas Urbanos) viria a Santo André para se reunir com a gente, mas esse encontro nunca aconteceu”, lamenta o morador do Centreville, que repete: “Tudo isso é falta de vontade política”.

“É com o governo estadual. Isso aqui é dele!”, alerta para o foco da questão Tarcísio da Silva Calé, que foi um dos líderes do movimento de ocupação e ainda hoje atua na Associação dos Moradores. Ele lembra que os avanços mais significativos da ocupação foram com o governador Franco Montoro, em 1983, e Orestes Quércia, em 1986. “Mas até agora nenhum governo resolveu a questão da regularização, da escritura. Quem ocupou está aberto para uma proposta de pagamento”, garante.

Com o passar dos anos, o imbróglio ficou ainda mais complicado porque apenas 10% dos moradores do Centreville são do grupo que ocupou a área em 1982. Os novos ‘proprietários’ compraram as casas dos ocupantes e evitam a regularização para não ter que pagar novamente o imóvel, desta vez para a CDHU.

“Depois de cinco anos da ocupação, muitos moradores passaram a vender suas casas e a se mudar daqui. Já não havia como impedir”, conta Calé. Com isso, a representatividade da Associação também diminuiu, chegando ao ponto de a última presidente deixar a entidade, que precisa agora ser reestruturada. Sem sede, alguns dos serviços que a entidade prestava foram transferidos, como o Mova (alfabetização de adultos), hoje instalado na casa de Figueiredo.

Calé foi um dos fundadores e hoje atua na retomada da entidade. “Temos dois objetivos prioritários, além de encontrar uma sede: ter acesso aos dados do questionários feito com moradores pela CDHU e ver a obra proposta por Calazans ser aprovada”, afirma.

Entenda o caso Centreville

1973
Começa a construção do condomínio residencial Centreville, em Santo andré. A verba utilizada é financiada pela Caixa Econômica do Estado de São Paulo (Ceesp).

1977
A construtora Novaurbe entra com pedido de falência e paralisa as obras de construção da segunda fase do Centreville.

Junho de 1982
Sem apontar lideranças, a política e moradores da parte acabada do Centreville sabem que o conjunto será invadido. Os boatos correm até em Santo Amaro, bairro da zona Sul de São Paulo. No entanto, ninguém sabia quando as casas seriam tomadas.

16/7/1982
Mais de 500 pessoas invadem um núcleo de 264 casas na parte inacabada do condomínio. A invasão começa pouco depois das 5h. Caminhões e ônibus transportam os invasores. As portas das construções abandonadas foram abertas a pontapés. Algumas ficam destruídas. Pessoas chegam a tomar duas ou três casas que estavam à venda.

17/7/1982
Após uma reunião, a comissão de invasores decide realizar um cadastramento para saber quantas pessoas ocuparam o conjunto. Durante a madrugada, cinco casas da parte habitada são invadidas, mas a equipe de segurança da Caixa expulsa os invasores. Esta área do conjunto, com 248 casas prontas, tinha 44 moradores.

19/7/1982
A Caixa obtém mandado judicial para desocupação das casas. Os invasores fazem uma reunião e afirmam que não sairão do local.

20/7/1982
Uma passeata pelas ruas do núcleo invadido reafirma a posição dos invasores em não abandonar o conjunto. Meses após, sem a desocupação, a comissão dos moradores inicia uma negociação de compra das casas com a Caixa.

fevereiro/1983
A segunda parte do conjunto, onde vivem os 44 compradores que conseguiram tomar posse de seus imóveis é invadida dias antes do Carnaval. A ocupação total do Centreville é sustentada por 582 famílias.

16/7/1991
Nove anos depois da invasão, apenas dois compradores originais ainda moram no conjunto, mas deixam de pagar as prestações e são considerados invasores. O restante deixou o local ou conseguiu trocar a casa por outro imóvel através da Caixa. À época, a ocupação já tinha dez mil pessoas, divididas em cerca de 800 famílias.

março/2006
Um projeto de reurbanização começa a ser discutido para a regularização do Centreville. A proposta é construir uma torre central, onde as famílias irão se revezar para as casas que ocupam serem reformadas.

 



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