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Judeus e muçulmanos pregam respeito ao Natal

Embora não celebre o nascimento de Jesus, comunidade não cristã garante boa convivência entre as religiões

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
24/12/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


 É quase impossível não se deixar envolver pelo clima do Natal, que desde o início do mês toma conta das ruas e centros comerciais da região, com decorações típicas de Papai Noel, árvores e luzes. Principal celebração cristã, já que simboliza o nascimento de Jesus, a data, no entanto, não tem representatividade em religiões como o judaísmo e o islamismo. Conforme o Censo mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, o Grande ABC concentra pelo menos 638 judeus e 1.626 muçulmanos, comunidades que encaram o dia de amanhã como um feriado comum.

O judaísmo segue os ensinamentos da torá e da bíblia hebraica, que correspondem ao velho testamento da bíblia cristã. A tradição judaica entende que todo o povo judeu é descendente direto de Abraão, Isaac e Jacó. Já o islamismo é uma religião monoteísta fundada pelo profeta Maomé no início do século 7. Os fundamentos do islã estão representados no Alcorão, livro sagrado que serve de base para a fé muçulmana.

De acordo com o mashguiach (supervisor judeu para produções alimentícias) Mordechay Zussia, 50 anos e frequentador da sinagoga de Santo André, a celebração de Natal como conhecemos é inspirada em tradições judias. “Quando ocorreu a invasão do Templo de Salomão pelos gregos (onde hoje está localizado o Estado de Israel) e, depois, a sua retomada por um grupo de judeus, o óleo que serviria para iluminar por apenas um dia durou oito dias.” Deste episódio, no ano 165 a.C (antes de Cristo), nasceu a celebração do hanuká (ou chanucá), a chamada Festa das Luzes, que normalmente ocorre em dezembro e também conta com o costume de troca de presentes. “Acreditamos que muito do que é celebrado no Natal cristão tem influência desta nossa tradição, que é anterior ao nascimento de Jesus Cristo”, completou.

Apesar de não reconhecer Jesus como o salvador, a exemplo do cristianismo, o judaísmo considera Cristo um profeta, explica o engenheiro elétrico Hilton Goldenberg, 58, presidente da Sociedade Religiosa Israelita de São Caetano. “Podemos dizer que Jesus, como um profeta, também pregava a palavra do judaísmo, mas de uma forma diferente, porque ele discordava de alguns pontos”, exemplificou. O presidente lembrou que a data de 25 de dezembro é uma convenção e não existe indicação precisa de que tenha sido este o dia do nascimento de Cristo. “É na mesma época e tem muitas semelhanças com a Festa das Luzes”, pontuou.

Sobre a celebração da festa de Natal em famílias formadas por cristãos e não cristãos, Goldenberg destaca que não há nenhum tipo de proibição, e que é importante o respeito entre culturas diferentes. “Apenas acho que, hoje, mesmo entre cristãos, as pessoas lembram pouco de Deus no Natal, virou uma data mais comercial”, concluiu.

No CDIAL (Centro de Divulgação do Islam para a América Latina), em São Bernardo, o sheick (nessa grafia, que significa teólogo) Hajj Ismail, 69, explicou que em países muçulmanos não existe nada que lembre o Natal em dezembro. Os muçulmanos que vivem no Brasil e vieram destes países também passam por esse período como se fosse qualquer outro, mas para os revertidos, como são chamados aqueles que adotaram o islã como religião ao longo da vida, é permitida a participação em festas cristãs.

Este é o caso do próprio sheick, que até os 40 anos era pastor da Igreja Assembleia de Deus. “Hoje todos os integrantes da minha família são muçulmanos, mas temos muitos parentes e amigos que são cristãos, então participamos com eles da ceia, da festa. Mas no islã existe o que chamamos de intenção. Se não temos a intenção de celebrar, não estamos cometendo nenhum pecado”, relatou. As únicas celebrações muçulmanas são o ramadã (mês do jejum, nono mês no calendário islamita) e a festa do sacrifício, celebrada dois meses e 20 dias após o ramadã pelos muçulmanos sunitas, que são a maioria. Já os xiitas, corrente minoritária no islã, celebram o nascimento do profeta Maomé, em 22 de abril.

De pastor a sheick na mesquista de S.Bernardo

Quem encontra o sheick Hajj Ismail, 69 anos, falando em árabe nas redondezas da Mesquita Abur Bakr Assadik, na Vila Euclides, em São Bernardo, nunca vai imaginar que esse pernambucano nasceu e se criou dentro da Igreja Assembleia de Deus, uma das denominações evangélicas mais tradicionais do Brasil. Não só foi cristão até os 23 anos, como se formou em Teologia e chegou a ser pastor. Sua reversão ao islamismo, ocorrida em 27 de setembro de 1995, resultou em separação temporária da mulher e dos filhos, que durou cerca de um ano e meio. Atualmente, todos os seus parentes, 17 pessoas, que incluem duas esposas, cinco filhos, genros e netos, são muçulmanos.

“A primeira vez que ouvi falar do islã era jovem, estava em um treinamento no Exército, e me disseram que todos os muçulmanos eram terroristas”, relembrou Ismail. Anos depois, já formado em Teologia e pastor, teve conhecimento sobre o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. A curiosidade sobre a religião foi aumentando até que um dia resolveu ir ao CDIAL (Centro de Divulgação do Islam para a América Latina), em São Bernardo, onde conheceu os cinco pilares da fé islâmica. “Aprendi que Alá é o único Deus, que preciso fazer cinco orações diárias, que devo doar 2,5% da minha renda aos pobres (zakat), que devo jejuar por 30 dias, das 5h30 às 18h, no mês do ramadã, e que devo ir ao menos uma vez da vida à Meca (cidade sagrada onde nasceu o profeta Maomé).

Hajj Ismail afirmou que tem muitos amigos e conhecidos em igrejas evangélicas, onde, ocasionalmente, faz visitas e prega a palavra de Deus. “Sou o mesmo crente que era antes, quando usava a Bíblia como meu guia. Hoje tenho apenas mais e diferentes conhecimentos”, concluiu.  




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