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‘Lutamos contra a precarização do trabalho médico’
Por Natália Fernadjes
do dgabc.com.br
24/12/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


Criado há 29 anos para discutir demandas da categoria na região, o Sindicato dos Médicos do Grande ABC mantém luta voltada à valorização dos cerca de 5.000 profissionais que atuam entre as sete cidades. Presidente da entidade, José Roberto Murisset diz que o principal pleito da categoria é atuar contra a precarização do trabalho, evidenciada pelo aumento do número de contratos temporários e, com isso, ausência de vínculo empregatício. A promessa é levar o assunto ao Consórcio Intermunicipal do Grande ABC no próximo ano. Sobre o Mais Médicos, Murisset considera que a adesão dos brasileiros às vagas nas periferias depende de melhorias estruturais no SUS.

Qual é o principal pleito do Sindicato dos Médicos do Grande ABC?

O Sindicato dos Médicos do Grande ABC originalmente foi fundado em 1989 com o nome de Sindicato dos Médicos de Santo André e Região. A gente tinha uma sede alugada, no Centro de Santo André (Rua Cesário Mota), e agora estamos em imóvel próprio, na Avenida Dom Pedro II (bairro Jardim). Temos aqui um contingente de cerca de 5.000 médicos que atuam na região. Nossa bandeira sempre foi a luta pela valorização do trabalho médico e isso passa pela remuneração, pelas condições de trabalho adequadas para o desempenho da profissão e a perenidade dos vínculos empregatícios. Vou te dar um dado. No ano de 2015, a negociação do dissídio coletivo foi de 9,60%. Neste ano, conseguimos, a duras penas, 3,64%. Também lutamos para que haja vínculo formal. Hoje há muitos profissionais atuando como PJ (Pessoa Jurídica), tanto na administração pública quanto na rede privada. Lutamos contra a precarização, contra o fato de o profissional não ter vínculo nenhum.

Quais os problemas nos contratos PJ?

Está crescendo uma modalidade em que o médico recebe por RPA (Recibo de Pagamento Autônomo) e não há vínculo. Não se cobra muito horário. Isso é outro desvio que nos preocupa. A gente está batendo muito forte nisso. Vem ocorrendo em Santo André. O médico acaba aceitando porque deseja sempre um salário maior para satisfazer as suas necessidades de sobrevivência e também de burguês que é. Então, podendo ter um ganho maior, ele aceita. O problema é que eles não se fixam e migram de trabalho assim que surge vaga melhor. Quem acaba perdendo é a população. Isso não é uma política boa de gestão. Já chamamos atenção disso e vamos cobrar mais.

A reforma trabalhista, de certa forma, incentiva isso?

A reforma realmente propicia com que haja mais essa precarização. Essa não formalização dos contratos de trabalho. E a gente tem que estar atento a isso. Esses vínculos PJ, RPA são de difíceis controles sociais. Um exemplo que temos está em Mauá, onde muitos médicos, até hoje, não receberam por plantões dados. Temos cerca de 100 médicos com créditos de cerca de R$ 5.000, R$ 10 mil, até R$ 60 mil. Eles entraram na Justiça e me parece que também há movimentação para resolver isso (a Organização de Saúde Clínica Pires & Vanci Serviços Médicos Ltda, contratada pela FUABC – Fundação do ABC, responsável pelo serviço de Saúde mauaense –, cobra R$ 6.059 milhões da administração referentes a atendimentos realizados em Unidades de Pronto Atendimento e no Hospital de Clínicas Doutor Radamés Nardini). Então, a gente está tentando combater isso. Mesmo que haja o profissional autônomo, que seja feito de forma transparente e tenha uma garantia mínima.

E esses problemas ocorrem apenas na rede pública?

Não. Também estamos atentos aos problemas na rede privada. Os planos de Saúde vêm diminuindo o repasse do percentual de aumento nas consultas e procedimentos médicos. O convênio embolsa a maior parte da verba e os pacientes reclamam sempre com o médico e do médico. A gente sabe que é um sistema e ele tem o olhar para o lucro. Mas a gente tem que ter esse embate com o setor privado, que também se organizou e tem suas entidades de defesa. Surgiram, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), as agências reguladoras, entre elas a ANS (Agência Nacional de Saúde), mas ela não vem dando conta, embora tenha aparente tentativa de regulamentação. Muitos gestores que vão para a ANS, diretores, são originários de entidades de planos e seguros Saúde. Há contrassenso. Eles vão regular empresas em que já foram diretores e até presidentes. Isso nós precisamos corrigir. Espero que o novo governo resolva isso e, particularmente, ponho fé no Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS, escolhido pelo presidente eleito Jair Bolsonaro – PSL – como futuro ministro da Saúde), por conhecer o perfil dele de atuação. Acredito que ele estará atento a isso, sabemos da seriedade dele. E, se não estiver, nós chamaremos a atenção.

Qual a avaliação que o sindicato faz do Programa Mais Médicos, do governo federal, e do rompimento do convênio com o governo de Cuba?

O Programa Mais Médicos veio após o governo ter dificuldade com o Provab (Programa de Valorização dos Profissionais na Atenção Básica, lançado em 2011, cuja meta era atrair médicos recém-formados a regiões carentes oferecendo-lhes bolsa de R$ 8.000, mas que preencheu apenas 29% das vagas). Há regiões no Brasil, sobretudo no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, no Sudeste muito menos, que o acesso é muito difícil. As condições de trabalho são muito difíceis. O Mais Médicos acabou sendo vitrine para o governo anterior (Dilma Rousseff – PT), deu resultados. Mesmo com todas as críticas à formação dos cubanos, o Mais Médicos fixou médicos em municípios precários. Acho que o ciclo acabou mesmo. Agora este problema passa para o governo brasileiro administrar e tentar cumprir a promessa de colocar médicos onde os cubanos atuaram. Dá para alcançar esse desafio, desde que o governo garanta condições melhores de trabalho aos profissionais. Os cubanos, até pela condição em que vieram (o território cubano sofre embargo econômico de nações, sobretudo dos Estados Unidos, o que acarreta em problemas econômicos – o governo fica com 70% da bolsa de R$ 11.865,60 paga pelo Brasil aos médicos) e como a gente sabe que é a vida deles, acabam se adaptando mais facilmente do que os brasileiros.

Os médicos brasileiros querem atuar apenas nos grandes centros urbanos?

Os médicos brasileiros, sobretudo as gerações mais jovens, em geral são de classe média. Os nossos pais desejam sempre aquela questão de que o médico fique no grande centro, que seja especialista. Sabemos disso há muito tempo e isso dificulta também. Embora nos últimos anos parcela da população da classe média tenha tido acesso às universidades, apesar da crítica da formação das escolas médicas, a maior parte dos médicos é da elite. Veja bem, agora é a vez mesmo dos brasileiros. É um desafio. Está entrando no Ministério da Saúde um ministro que tem muita vivência no debate desta questão, que é o Mandetta, que é um colega do Mato Grosso do Sul, muito competente politicamente. Foi deputado federal e atuamos até juntos. Eu era, na época, diretor da Federação Nacional dos Médicos. E no Congresso existe uma frente parlamentar da Saúde. Essa frente era muito articulada e o Mandetta era um dos articuladores. Quero crer que o ministro terá competência para administrar isso. Agora, tenho uma ressalva. Tem lugar no Brasil que é de difícil fixação de médico. Tem lugar que nem cubano se adaptou. Ouso dizer que vamos ter mais dificuldade de fixar médicos brasileiros. Não tenho medo de errar, e nem de que os meus colegas fiquem melindrados.

Até mesmo aqui no Grande ABC?

O Grande ABC é um oásis dentro do sistema de Saúde pública. Para se ter uma idéia, mesmo na fase mais forte da falta de médicos, quando surgiu o Mais Médicos, não tivemos graves problemas. São Caetano, por exemplo, não aderiu ao programa. Os que tiveram mais vagas foram Santo André inicialmente, Mauá, São Bernardo (atualmente, 57% das 77 vagas abertas no Mais Médicos na região após a saída dos cubanos foram repostas). Não é problema grande. Acho que aqui nós superaremos tranquilo. Agora, volto a dizer. O médico brasileiro quer valorização maior. Ele acaba não se conformando, não ficando acomodado ganhando R$ 11 mil, R$ 12 mil. Ele geralmente é especialista, lutou muito pela formação. Aqui é diferente de Cuba, onde o governo banca os estudos em Medicina. Aqui as próprias pessoas lutam pela faculdade, a família trabalha para custear, e, dessa forma, o médico se vê no direito de dar contrapartida para a família. Existe essa questão mais sociológica, vamos dizer. Para os cubanos, o Estado custeou a profissão que eles têm. Tanto que eles colocam como missão esse retorno ao Estado. Aqui não. O Estado se desobriga. As faculdades privadas cobram R$ 8.000, R$ 10 mil. Imagina você sustentar a formação de um filho por seis anos, no mínimo.

Os médicos não têm dificuldades na região?

Sou feliz porque estamos no Grande ABC. Claro que tem dificuldades nas cidades menores. Pontualmente, alguma coisa ou outra. Se a gente faz uma comparação com o resto do Brasil estamos, de certa forma, confortáveis. Não existe o desemprego para o médico, em geral. Muitas vezes tem subemprego. Mas não é por isso que vamos ficar acomodados. Tem uma discrepância em relação aos valores dos plantões pagos nas cidades tanto no setor público quanto no privado. O valor do plantão numa cidade é ‘X’, na outra ‘X’ mais 30. Isso faz com que haja uma movimentação de médicos entre as cidades. Ele acaba indo para onde é mais valorizado e não se fixa. É muito importante discutir isso via Consórcio (Intermunicipal Grande ABC). Que não se tenha uma discrepância no valor do plantão entre as cidades. Vamos levar no ano que vem essa discussão aos prefeitos e secretários de Saúde. Era tradição que os médicos de São Paulo viessem trabalhar aqui, mas agora estão começando os médicos daqui a ir para lá. Isso não é bom para o Grande ABC. 




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