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Registro pré bossa-nova
Por Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
15/11/2006 | 20:40
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Em meados dos anos 50, pouco antes de conquistar o mundo com a batida irresistível e a sofisticação harmônica da bossa nova, o maestro soberano Tom Jobim (1927-1994) já indicava as trilhas da moderna música popular brasileira. Essa sonoridade elaborada pelo compositor refletia a fase intermediária entre o samba-canção e os tempos do “banquinho e violão”.

Para resgatar a importância da obra forjada por Jobim nesse período pré-bossa, a cantora e compositora carioca Fatima Guedes lança Outros Tons (Rob Digital, R$ 20 em média), que reúne 12 pérolas produzidas por ele no período em que o medalhão da MPB sobrevivia graças aos cachês recebidos como pianista em inferninhos de Copacabana.

O repertório do álbum seduz o ouvinte por reproduzir a atmosfera de boemia e pela delicadeza da intérprete, acompanhada apenas por um trio de instrumentistas composto por Paulo Midosi (piano), Ronaldo Diamante (baixo) e Elcio Cáfaro (bateria).

Entre os destaques do disco, a primeira composição gravada por Jobim, o samba-canção Incerteza, de 1953. Criada em parceria com seu amigo de infância, Newton Mendonça, também letrista de clássicos como Desafinado, a música ainda contém traços marcantes do estilo, como o acento grandiloqüente e a visão pessimista do amor. “Ando a procura de alguém/Sei que não vou encontrar, pois esse alguém já perdi/Sem forças para lutar”, diz um dos trechos da melancólica canção.

Modernidade – O contraponto desse tradicionalismo é Faz uma Semana, outra composição pouco conhecida e uma das prediletas de Jobim. Embora tenha a marcação rítmica do samba-canção, a faixa tem um frescor e um enfoque moderno e suave para os relacionamentos amorosos. Alguns elementos que norteariam a bossa nova já estavam presentes, como o requinte harmônico e a discreta impostação da voz.

Outro diamante presente no disco é Pelos Caminhos da Vida, parceria de Jobim com o poeta Vinicius de Moraes gravada pela cantora Maysa, em 1959. A estrutura da letra, que sobrevive sem a melodia e versa sobre a relação quase onipresente na MPB entre amor e sofrimento, transita entre o universo literário e o musical. “Vai, segue o caminho. Encontrarás meu rosto triste em todas as estradas. Os velhos caminhos desertos e sem fim que seguem sozinhos. Sem vida e sem amor”, escreveu o Poetinha.

Se fosse permitida apenas a citação de uma, entre as diversas qualidades do álbum, seria a negação do óbvio, a omissão dos clássicos jobinianos, sempre regravados, em nome da busca por tesouros perdidos. E, definitivamente, isso não é pouca coisa.




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