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Leitor ainda longe do digital
Por Sara Saar
Do Diário do Grande ABC
18/07/2010 | 07:06
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O susto foi a sensação que prevaleceu. "Pensei que o e-book (livro eletrônico) já estivesse mais desenvolvido no Brasil", afirma o escritor Ricardo Hofstetter, que lançou recentemente o romance policial A Transilvânia é o Catete (Kindlebookbr, R$ 18) durante a primeira noite de autógrafos online do País, realizada mês passado.

O despreparo foi perceptível antes mesmo do encontro na web. Conforme fazia convites, o autor recebia alguns retornos. "Uns diziam que não poderiam comparecer porque naquela semana não estariam no Rio. Outros perguntam em que livraria seria o lançamento", exemplifica Hofstetter, também autor do programa Malhação ID, na Rede Globo.

Quem acessava o site (da globo.com, provisório para eventos) acompanhava entrevista ao vivo com direito à transmissão de som e imagem. Os internautas que quisessem, além de assistir, enviavam comentários e perguntas via Twitter com tags específicos (termos precedidos do ‘#', utilizados para facilitar o reconhecimento de um assunto).

À venda em livrarias virtuais (três do Brasil e uma dos Estados Unidos), o título comprado poderia ser enviado a um determinado e-mail para que o autor o autografasse e o mandasse de volta, também por correio eletrônico, ao leitor. Nem tudo ocorreu como o previsto. Esta foi outra dificuldade. "As pessoas estão tão acostumadas com lançamentos em livrarias que não sabiam como comprar o livro e enviá-lo para receber o autógrafo", constata.

Mas a relação virtual entre autor e leitor não seria muito fria? "Sempre foi meio distante. O autor somente é visto no lançamento. Com raras exceções, ele é desconhecido. Passa na rua e ninguém o conhece. Não é como o ator que sempre aparece na TV e todo mundo vê", compara.

A obra é narrada por Marcos Sacramento, um jornalista frustrado que precisa desvendar um crime no bairro do Catete, na zona sul do Rio. Apesar de ser mal-humorado, faz comentários ácidos e tiradas cheias de ironia que geram o riso. Fala o que todo mundo pensa, mas não tem coragem de dizer.

Segundo Hofstetter, o livro surgiu do seguinte mote: imagine um maluco que se acha descendente de Drácula e começa a matar pessoas, mas não passa de um mortal desequilibrado.

A figura do vampiro entre os personagens não passa de uma coincidência com o atual mercado. "Comecei a escrevê-lo há cerca de dois ou três anos. Essa moda de vampiro é voltada a adolescente. O meu livro é para adulto. Foi uma premonição sem saber", avalia.

Autor é otimista quanto ao futuro

Surpresas à parte, a experiência desbravadora foi válida para Ricardo Hofstetter, que ainda mantém otimismo quanto à popularização dos e-books no Brasil. Para o escritor, basta tempo: sua expectativa é que a venda de livros digitais seja maior que a de títulos em papel no máximo em dois anos.

Motivos para que a previsão se concretize não faltam. "O processo é mais rápido. O livro tem menor custo e é ecologicamente correto. Você não precisa derrubar uma arvorezinha para lançar um título", argumenta.

Em papel, a tiragem pode ser de 2.000 unidades. E se são vendidas 500? "O e-book evita esse tipo de problema", aponta. Em compensação, pode gerar outro para editoras e gráficas. "Elas devem deixar de ser tão importantes nesse processo. Por um lado, é bom poque democratiza. Por outro, haverá muita porcaria sendo vendida, afinal qualquer um poderá colocar um título em uma livraria digital".

Destaca-se ainda a facilidade de transporte. Enquanto centenas de livros digitais podem ser levados para cima e para baixo em viagens por meio de um dispositivo móvel, transportar cinco livros ao mesmo tempo pode ser desconfortável. "Quando você se muda, as caixas de livros são a pior parte", comenta Hofstetter.

A portabilidade é outra característica. Um título também estrangeiro pode ser comprado no País em questão de minutos.

LIVRARIAS - Um dos principais desafios para a popularização do e-book é a escassez de acervo nacional. Mas duas das principais livrarias brasileiras apostam no segmento.

Em números aproximados, a Saraiva disponibiliza 150 mil títulos importados, em vários idiomas, e somente 1.000 em português.

Apesar do número contrastante, as vendas estão acima das expectativas. Mas a Saraiva não informou valores por ser uma empresa de capital aberto.

O preço é outro atributo a ser levado em consideração. Na lista, há obras grátis e à venda a partir de R$ 2. Segundo a livraria, o preço do digital é em média 30% menor que o do impresso.

Em uma rápida busca na página da empresa, foi encontrado Leite Derramado, de Chico Buarque, por R$ 39,90 em versão convencional e R$ 29,90 em digital.

Com a Livraria Cultura, que também possui loja virtual e se intitula pioneira no segmento, a situação é semelhante, embora o acervo seja um pouco menor. Conta com 120 mil títulos importados e 500 nacionais para download desde abril.

E-book é um dos temas da Bienal

O e-book é um dos quatro temas da 21ª Bienal do Livro de São Paulo, que oferece larga oferta de títulos e intensa programação cultural nos 60 mil m² do Pavilhão de Exposições do Anhembi, entre os dias 13 e 22.

Clarice Lispector, Monteiro Lobato, Lusofonia e Livro Digital serão os assuntos abordados durante o evento que espera 800 mil pessoas. O público terá acesso a 350 expositores entre nacionais e estrangeiros que representam mais de 900 selos editoriais.

Uma das atrações é o Palco Literário, que tem curadoria do autor de novelas, escritor e cronista Walcyr Carrasco. O espaço receberá personalidades que farão um link entre a literatura e as demais expressões artísticas (teatro, cinema, música e televisão).

O já tradicional Salão de Ideias estará renovado com agenda ampliada. O espaço promove mesas de debates entre escritores nacionais e internacionais sobre os mais diversos assuntos.

Já a Arena Gastronômica - Cozinhando com Palavras é uma das novidades desta edição. Com curadoria do jornalista e editor André Boccato, o lugar reunirá chefs de cozinha, autores de livros, que comandam aulas práticas e debates.

Toda a programação do terceiro maior evento do gênero do mundo (só fica atrás da Feira do Livro de Frankfurt e da Feira Internacional do Livro de Turim) está disponível na internet (www.bienaldolivrosp.com.br). SS

Resistente, mas nem tanto

Muitos não trocam a obra convencional por nada. Este é o caso do escritor de Mauá, Edson Bueno de Carmargo. "(O e-book) é mais uma ferramenta. Um veículo que veio para ficar. Mas não acredito que substitua o livro convencional", opina. E completa: "Existe também uma relação tátil: pegar, abrir e folhear o livro. Até cheirar o papel. O livro mexe com todos os sentidos, o que o meio eletrônico não faz".

Os benefícios de publicações virtuais são inúmeros, conforme reconhece Camargo: "No meio virtual, não há fronteiras. Para a literatura já não existem, mas ficam ainda mais dissolvidas na internet. Você acaba sendo lido em todos os continentes".

O escritor acabou de colaborar com o caderno-revista independente de literatura, intitulado 7faces, que está na segunda edição em meio eletrônico e tem distribuição gratuita.

O convite surgiu do Rio Grande do Norte por meio do editor Pedro Fernandes. "Tenho material literário exposto na internet (são dois blogs: Uma Lagarta de Fogo e Inventário de Naufrágios). Existe uma rede muito forte de escritores na web. Vamos trocando figurinhas, críticas", aponta.

Camargo enviou alguns poemas contemporâneos, que se caracterizam pela liberdade temática e estrutural, e teve três deles selecionados para a edição que pode ser baixada (www.set7aces.blogspot.com).

Enquanto aproxima, a internet também distancia as pessoas. Tudo depende do ponto de vista. "Pedro Fernandes é um escritor com quem eu provavelmente nunca terei contato pessoal", constata. Mas frisa: "Se a impessoalidade é ruim, a facilidade de contato por outro lado é muito grande".

O escritor de Mauá possui três livros individuais esgotados que depois foram disponibilizados na internet para download gratuito. "Muitas outras pessoas já os leram", diz.

Em contraponto, o poeta conhece escritor que não chega nem perto do computador. Tem aversão mesmo. Para ele, "o computador está incluso no processo criativo. Influencia. Não tem jeito".




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