Política Titulo Entrevista
‘Com Lula nas urnas, País não debate futuro'
Fábio Martins
Do Diário do Grande ABC
05/06/2017 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


Ex-ministro da Fazenda e pré-candidato à Presidência, Ciro Gomes (PDT-CE) sustentou que eventual participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição de 2018 tende a contaminar o processo. Caso o petista consiga homologar candidatura ao Planalto, como tem declarado em discursos, segundo Ciro, seria desserviço para a biografia e também à Nação. “Se ele (Lula) é candidato, o País não discute o seu futuro. Porque imediatamente o Brasil se racha em ódios e paixões, pouco reflexivas”, disse, considerando, inclusive, a ameaça de violência nas ruas.

Em entrevista concedida ao Diário minutos antes de ministrar palestra na USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Ciro avaliou que o “PT não aprendeu nada com o impeachment” da então presidente Dilma Rousseff (PT) diante daquilo que pontua ser alianças equivocadas pós-golpe parlamentar. Frisou que o País vive momento de desastres econômico, moral e político. Defendeu eleições diretas gerais, embora admita que chance é mínima de cenário se concretizar na prática. Em caso de eleições indiretas, o pedetista frisou que o ideal seria o nome do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Ayres Britto. “Muito respeitado.” 

Após a Operação Lava Jato, com as delações da Odebrecht, JBS, como o sr. enxerga panorama de mudanças às próximas campanhas eleitorais?

 A representação política está catatônica, em choque, na defensiva. Ficou um vácuo, ambiente de anarquia. Sociedade amadurecida cuida da transparência, de criar controle social desta relação. No Brasil, optou-se por essa farsa. Eu cumpro a lei. Por isso, vou escapando. Entra lista, sai lista, estou sempre fora. São 37 anos de vida pública e nunca respondi a nenhum inquérito. Decidi sair da política mais de uma vez: ex-deputado, ex-prefeito, ex-governador, ex-ministro. Fui embora estudar. Voltei e comecei tudo de novo. A última eleição que participei foi há dez anos (2006). Fui o mais votado a deputado (federal), proporcionalmente, na ocasião. Estava agora como alto executivo, mas com o golpe (contra Dilma) fui para a rua, ao enfrentamento. 

 O eleitorado está incrédulo com a classe política. Como atravessar esse momento, tendo ainda o governo Temer em situação de crise? Qual o papel do próximo presidente?

 Há desastre econômico, testemunhado por 14,3 milhões de brasileiros desempregados. Grande compromisso é criar dinâmica de crescimento, com projeto nacional de desenvolvimento econômico, tendo começo, meio e fim. Metas, objetivos, prazos, avaliações, controles para colocar ordem na baderna. O Brasil virou uma Babel, caos completo. Estamos nos desindustrializando. Há desastre econômico, moral. A população está induzida a acreditar que a política é pardieiro de pilantras, sem exceção. É essa a tarefa que eles querem: equalizar todos e ficar impunes. Há desastre político. Ninguém dá dia de serviço à causa nacional. É a primeira vez que presidente é investigado pelo Supremo, ouvido pela Polícia Federal. É o fundo do poço. Não tem nada igual na história.

O sr. foi candidato presidencial em 1998 e 2002, com declarações polêmicas. O que diferencia para o Ciro de hoje?

Agora estou calvo, cabelo branco (risos). Experiência, compreensão mais profunda e complexa da vida brasileira. Sou aquilo tudo, mas muito maduro hoje. Vou fazer 60 anos. Naquela primeira (à Presidência) eu tinha 40. Faz diferença brutal.

Em relação à possível candidatura de Lula, o sr. considera que participação do ex-presidente possa contaminar o processo?

É desserviço à biografia dele e ao País. Não que ele não deva ter o direito de ser candidato. Pelo tipo de procedimento que se levanta contra ele, como o caso do triplex, não vejo como, com olhar de advogado, excluir a possibilidade de o Lula participar do processo político. Ficaria muito mal. Certa fração da sociedade pensará, necessariamente, que é golpe de mão para impedi-lo de exercitar seu direito. 

  

Mas o que, na sua visão, torna a candidatura de Lula incômoda no cenário?

Se ele é candidato, o País não discute o seu futuro. Não tem ambiente para refletir sobre contradições econômicas, modelo, projeto nacional, porque imediatamente o Brasil se racha em ódios e paixões, pouco reflexivas. São os lulistas contra antilulistas, rancor, agressividade, quem sabe até a violência. Vejo na iminência do caldo entornar. Na melhor das hipóteses do ponto de vista dele, ele ganha, mas não vai replicar jamais o grande governo que fez e que fez dele um cara querido por grande parte do povo. 

  

Há chance de eventual composição de chapa com ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT)?

Para mim, seria o dream team, ideal. Tenho imensa afinidade com ele. Conheço o Haddad como prefeito, ministro da Educação, acadêmico. Mas avalio que a probabilidade é muito pequena, quase nula. É bom demais para ser verdade. A natureza do escorpião é ferroar o sapo mesmo na travessia do rio. A natureza do PT é de hegemonismo. 

 O sr. já buscou conversa com Lula ou com as direções partidárias do PT?

 A direção nacional do PT, com o atual presidente Rui Falcão é uma tragédia (no sábado a legenda elegeu a senadora Gleisi Hoffmann, do Paraná, como presidente nacional para suceder Falcão). Despolitizado, sem compostura, não conhece o Brasil. Uma das coisas que o PT necessita mudar é o comando. Recentemente, nós denunciamos ao mundo inteiro que o País sofreu golpe de Estado. Os adversários negam ao alegar que todo rito formal da lei foi cumprido. Replicamos que foi golpe parlamentar, que aceitou o protocolo, mas não tinha base fática, pois a Dilma não cometeu crime de responsabilidade. Chega agora, na eleição da mesa do Congresso, o PT vota no Eunício Oliveira (PMDB) em troca de um cargo e de sinecuras. Ou seja, o PT não aprendeu nada. Nós, do PDT, expulsamos dois senadores dos três que tínhamos, porque votaram pelo impeachment. Acreditamos que houve golpe. O PT, por sua vez, confraterniza com a turma. Depois acha ruim que a população não acredita mais. 

  

 E a Dilma, como saiu deste processo de deposição? 

 A Dilma é exemplo prático disso. Meu irmão (Cid Gomes) era ministro (da Educação) e para defendê-la entrou em choque com o Eduardo Cunha (PMDB). Ela nomeia (Joaquim) Levy para a Fazenda. Mesmo assim, não me impediu de ajudá-la até o fim. O Ceará deu dois terços dos votos contra impeachment. Achamos que era o lado correto.

 

 O sr. se coloca como crítico ao PT, que sofreu forte desgaste nas últimas eleições, inclusive no Grande ABC. Qual a sua avaliação do futuro da legenda?

 O PT precisa fazer grande autocrítica e esforço de renovação. Não se faz partido com característica do PT do dia para a noite nem o País precisa que o partido seja destruído. Não é bom para a democracia. Agora também não é razoável que o PT queira fazer de conta que é mero perseguido político, que não errou em nada e que as pessoas têm que votar nos mesmos por um petismo que já não existe mais. 

 Após as denúncias sobre o governo Temer, qual sua análise sobre possível eleição indireta?

 O Brasil está em situação de golpe de Estado. Nessa condição de transe em que o próprio presidente é investigado por formação de quadrilha, obstrução da Justiça, concussão, corrupção, o País tem algumas saídas. Mas todas elas devem ser mirando a Constituição. Qual é o tempo para que isso aconteça? Não há. Se no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que seria o processo mais rápido, dia 6, se alguém pedir vista já vai para as calendas. Se não pedir e tiver condenação, o Temer pode recorrer ao Supremo. Estou em linha com a decisão do meu partido de reclamar, lutar por eleições diretas, mas duvido que aconteça na prática. Defendo que sejam gerais, antecipando 2018. 

  

 Mas existem opções viáveis para assumir o País interinamente neste momento de fragilidade?

 Idealmente, poderia ser o ministro Ayres Britto, do STF, que não é filiado a partido, muito respeitado, bem formado. Mas de novo, sou pragmático. Por que o Congresso elegeria Ayres Britto? Nenhum interesse. A tendência é ir se confinando em anfíbios. 




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