Setecidades Titulo
ECA completa 21 anos
com grandes desafios
Elaine Granconato
Do Diário do Grande ABC
11/07/2011 | 07:00
Compartilhar notícia


A maioridade do Estatuto da Criança e do Adolescente, que completa 21 anos na quarta-feira, representa instrumento de conquista na defesa de direitos do público infanto-juvenil, mas ainda têm muitos desafios pela frente. Um dos principais é o combate à exploração do trabalho infantil nas ruas, seguido do enfrentamento às drogas e profissionalização para acesso ao mercado formal.

Em recente pesquisa do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 75 cidades do País, com mais de 300 mil habitantes, foram identificados 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua - 59% dormem na casa da família e trabalham, informalmente, nas vias públicas. Com 71,8%, os meninos são maioria. E a faixa etária predominante entre 12 e 15 anos, que correspondem a 45,13%.

O problema, porém, não é característica apenas de cidades com mais de 300 mil habitantes. Municípios menores também vivem a realidade, segundo especialistas da área. Nos semáforos, a cada esquina de movimento intenso, principalmente nos fins de semana, estão eles na venda de doces, limpeza de vidros dos carros ou mesmo em exibições pirotécnicas e perigosas de malabares.

"É uma realidade não só no Grande ABC, mas no País", reforçou Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança, de São Bernardo, e vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente, da Ordem dos Advogados do Brasil.

O especialista admitiu que o problema da situação de rua é bem mais "complexo". Mesmo com abordagem social, eles saem e voltam minutos depois. "Só com palavras não se resolve, apesar de boas equipes de profissionais nesse trabalho nas ruas. Temos de dar oportunidades", avaliou.

Alves defendeu o ECA nas conquistas na área de Educação, principalmente nos ensinos Fundamental e Médio, que atendem à demanda. O infantil, principalmente de zero a 3 anos, continua sendo o gargalho. "O déficit de vagas em creches é hoje de 82% no Brasil", apontou.

Para o presidente da Comissão de Direitos Infanto-Juvenis da OAB de São Paulo, Ricardo de Moraes Cabezón, o ECA é uma legislação avançada. "O problema fica na aplicação dele por parte dos atores que formam essa rede de proteção", criticou, ao ressaltar falta de comunicação e capacitação. "Há carência mão-de-obra mais qualificada", acrescentou.

Entende-se pelos atores Poder Público, Judiciário, Ministério Público, Conselho Tutelar, Defensoria Pública e até mesmo os profissionais do Direito.

A rua não é lugar de criança nem de adolescente, e a permanência deles traz consequências. "Droga é questão de saúde pública e não marginalidade", afirmou Cabezón. Alves acrescentou: "O consumo de drogas tem aumentado com os menores nas ruas", observou.

O ECA foi promulgado em 13 de julho de 1990. Ainda hoje o desafio é tirar crianças e adolescentes da situação de vulnerabilidade.

‘Tenho medo de bala perdida ou de ser atropelado', diz malabares

"Às vezes, tenho medo de bala perdida, ser atropelado ou sequestrado", assumiu Márcio (nome fictício), 13 anos. O vizinho Pedro (nome fictício), 14, porém, é mais firme e decidido: "Não sou obrigado a ir embora. Ninguém manda na gente. Eles não são minha mãe e meu pai". Ambos moram no bairro Cata Preta, em Santo André.

As afirmações foram feitas ontem, por volta das 13h, quando a equipe do Diário abordou dois adolescentes que faziam malabares com bolinhas de tênis, no cruzamento da Rua Monções com a Avenida Dom Pedro II, na mesma cidade. Os relatos eram referentes ao motivo de estarem ali em busca de "uns trocados", e, principalmente, dos perigos de estarem sozinhos na rua.

Márcio era mais descontraído e contava detalhes. Pedro bem mais desconfiado e econômico nas respostas, não permitiu ser fotografado, mesmo com a informação de que não seria identificado.

A história de ambos é comum, como tantas outras a cada esquina do Grande ABC. A ajuda extra é para contribuir na renda da família.

Márcio tem mais quatro irmãos; Pedro, mais cinco. O primeiro mora em barraco; o segundo em casa de alvenaria. "Quase sempre não temos leite para tomar ou mistura. Então, venho fazer apresentação na rua para buscar uns trocados", contou o mais comunicativo.

A performance com malabares e bolinhas de tênis foi aprendida e treinada, à exaustão, na oficina de circo que tiveram no Cesa do Cata Preta. "Pernas de pau e trapézio e mortal também", reforçou Márcio.

Ontem, o movimento de carros estava fraco para a cerca de uma hora em que ficaram no semáforo. O saldo: R$ 15 para cada um - disseram tirar R$ 150 em dois dias de "trabalho". Eles estudam - Márcio na sétima série pela manhã. Pedro no primeiro ano do Ensino Médio, à noite. À tarde, fazem curso de informática particular: R$ 60. Contaram que não estão inscritos no Programa Bolsa Família e, "quando chamam", distribuem folhetos nos semáforos - R$ 50 por sábado e domingo.

Márcio contou que a mãe não quer que ele esteja ali. A de Pedro não liga. Antes, de a repórter se despedir, Márcio não perdeu a chance: "Tia, dá um trocado?".




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;