Setecidades Titulo Dia das Mães
Mães unidas para
enfrentar a homofobia

Grupo nasceu da necessidade de diálogo sobre aceitação
da homossexualidade e respeito na família e na sociedade

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
13/05/2012 | 07:00
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Amor incondicional. Assim é definido o sentimento entre mãe e filho. Além de gerar um ser por nove meses e cuidar dele até que se sinta capaz de alçar voo, elas são o exemplo vivo de compaixão. Evidência disso são as mães de integrantes da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transsexuais), aquelas que também enfrentam e ainda sofrem com a homofobia. No Grande ABC, 23 mães se uniram há dois anos na luta contra o preconceito para com seus filhos.

O grupo de mães faz parte da Ong ABCDS (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual) e nasceu naturalmente, segundo sua fundadora, a estudante de Serviço Social Solange Gadelha. Tão logo ela soube da opção sexual do filho, o estudante de Direito Enilson Gadelha Lima, 28, buscou forma de ajudar mães na mesma situação. "Não temos periodicidade de reuniões, mas elas ligam quando precisam e vou até elas." 
Solange observa que as matriarcas não têm autonomia dentro de casa. "A gente conversa para que percam a vergonha e enfrentem a situação."

A precursora das mães que aceitam a diversidade sexual e lutam pelo fim do preconceito em defesa dos filhos homossexuais no Brasil foi a especialista em diversidade sexual pela USP (Universidade de São Paulo), Edith Modesto. Quando descobriu, há 22 anos, que seu filho era gay, fundou a ONG GPH (Grupo de Pais de Homossexuais), na Capital. A proposta é unir famílias em processo de aceitação e ajudar jovens com idade entre 13 e 24 anos. "Na época em que precisei não encontrei nenhuma mãe para conversar. Essas reuniões são essenciais", destaca.

A especialista explica que o preconceito está internalizado nas pessoas. Apesar da mãe amar seu filho, a aceitação é difícil porque ela sofre a mesma discriminação. "Quando o filho sai do armário a mãe entra, porque tem vergonha e se sente culpada por ele ser homossexual."

UNIÃO
Quando o apoio familiar não vem, o sofrimento é duplo. Mãe e filho enfrentam batalha pela aceitação. Esse é o caso da dona de casa Luiza Alexandrina, 62, e do desempregado José Joel da Silva Filho, 25. Ambos são vistos com indiferença pelo restante da família - pai e dois irmãos mais velhos. Com isso, a fuga do jovem, que assumiu ser gay aos 13 anos, foi a droga. Há pelo menos cinco anos, ele é dependente de crack.

A entrega da mãe é comovente. "Estamos na fila por leito de internação porque não tenho condições de pagar", lamenta. Para Luiza, o caçula dos filhos é a única preocupação. Para José, a mãe é tida como a melhor companhia. Além de ter sido a primeira a saber sobre sua opção sexual, nunca deixou de estar ao seu lado. E neste Dia das Mães, o presente que ela mais deseja é um só: a reabilitação.

Diálogo e informação une e cria relação de amizade entre membros da família

O diálogo sempre foi o ponto forte da relação entre a estudante de Serviço Social Solange Gadelha, 48 anos, e o filho, o estudante de Direito, Enilson Lima, 28. Ela foi a primeira a receber a notícia sobre a opção sexual do filho, há seis anos. Surpresa, optou pela busca de informações para ajudá-lo a enfrentar a homofobia.

Sincera, Solange não esconde que, no início, teve dificuldade para aceitar que o filho era gay. "Quando é com uma amiga ou vizinha, tudo bem, mas com a gente é diferente, nunca sabemos o que virá pela frente e o que teremos que encarar", revela. Após digerir a novidade e sentir na pele o significado da palavra preconceito, partiu para a defesa da comunidade LGBT e apoio às mães que sentem mais dificuldade em aceitar os filhos.

Em casa, ela foi responsável por ajudar Enilson a encarar o pai. Nordestino, ele demorou um pouco mais para aceitar. "Ter o apoio da família é tudo", diz o rapaz.

Ainda hoje, Solange confessa ficar chateada quando escuta piadas homofóbicas pelas ruas. "Sempre o aconselhei meu filho a ficar quieto e não revidar para evitar conflitos, mas é claro que magoa."
Enilson comenta que se sente abençoado por ter Solange como mãe. "Tenho orgulho por ela me ajudar e também cuidar dos outros, que precisam tanto quanto eu de apoio."

Hoje, ambos têm relação de amizade e cumplicidade intensa. Apesar de o estudante de Direito morar com o companheiro há um ano e meio, mãe e filho se falam diariamente. "Ela trata meu companheiro como filho", ressalta Enilson.

Amor se torna escudo na tarefa de combater o preconceito nas ruas

Um escudo para proteger o filho do preconceito social. Esse é o papel assumido pela dona de casa Cícera Cibia Vieira, 43 anos, há mais de uma década, quando soube pela filha a opção sexual de seu primogênito. Na tentativa de defender o cabeleireiro Michael Cristian Gaia, 24, de todo tipo de homofobia, a mãe encarou as consequências. Desde então, enfrenta de cabeça erguida os olhares preconceituosos dos vizinhos e o afastamento de pessoas que se diziam amigas.

Apesar do choque ao descobrir que tem um filho gay, Cícera apostou no diálogo. "Na hora fiquei sem chão, mas chamei ele pra conversar e aceitei", garante.

Nem todos encaram com normalidade, segundo ela. Nesses casos, Cícera prefere ignorar. "A família aceita mais tranquilamente, mas na rua tem aqueles que discriminam e até atiram pedra, se duvidar."

A postura da mãe é vista com orgulho por Michael. Um episódio em especial marcou e ficou guardado na memória. Depois de ter chegado em casa machucado por apanhar diversas vezes dos alunos mais velhos na escola, a mãe foi até o colégio defender o filho. "Fiquei com medo de que a machucassem, mas eles a respeitaram e até pararam de me perseguir."

A cumplicidade é a marca do relacionamento entre mãe e filho. "Ela toma a frente de tudo e sei que quando sofro preconceito ela sente mais que eu. Ela é minha razão de viver", diz Michael. Para Cícera, o amor materno não muda. "Ele me conta tudo e sempre o oriento a não brigar porque morro de medo de que aconteça algo com ele, como a gente vê pela televisão, infelizmente."

Conflito interno atrasa aceitação materna, segundo especialista

Ninguém está imune ao conflito interno gerado com a notícia de que o filho é homossexual. Esse processo é compreensível, já que o preconceito ainda é bastante evidente.

Quando a mulher fica grávida, projeta um bebê ideal que se modifica ao adquirir experiências. Por isso a surpresa, explica a psicóloga da Fundação do ABC e coordenadora do serviço de psicologia hospitalar do Complexo Hospitalar de São Caetano, Rosely Perrone. "Muitas vezes as mães depositam seus desejos no filho e não estão preparadas para assumir postura não convencional frente à sociedade e família".

O julgamento moral é o que mais pesa, segundo o professor do curso de Psicologia da PUC, Miguel Perosa. O conflito entre o que é certo e errado, de acordo com valores religiosos ou culturais, dificulta a aceitação, segundo ele.

O acolhimento do filho pode ser mais rápido com ajuda profissional, defende Rosely. "A mãe é rejeitada e segregada junto com o filho, por isso, precisa compreender esse processo e trabalhar os sentimentos."




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