Política Titulo 60 anos do Diário
Quando o Diário foi recolhido das bancas...
Ademir Medici
03/05/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


A força do Diário pode ser aquilatada em episódio político ocorrido em Mauá em uma das eleições municipais. Uma manchete do jornal, num domingo de 1988, conseguiu alterar os rumos do pleito, marcado para daí a dois dias. E não adiantou o artifício buscado pelo PMDB local, que em plena madrugada retirou das bancas a edição antes da sua distribuição. Este é um dos episódios explicitados três décadas depois pelo advogado e ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal de Mauá João Sérgio Rimazza. Nascido e criado em Mauá, Rimazza, aos 74 anos, tem visão memorialista das mais importantes sobre a sua cidade.

O senhor nasceu em Mauá. Vive em Mauá. Fez estágio no México. Trabalhou em Americana. Mas voltou sempre para Mauá. De onde vem esta fidelidade à cidade?
Em Mauá viveram meus avós. Cidade dos meus pais, da minha mulher, filhas e netas. Emociona quando falo de Mauá. Sempre lutei em benefício de Mauá. Nadei no Tanque da Paulista. Ali pescava. Fazia jangada de taboa (planta aquática, típica dos brejos). Na verdade, brincava no tanquinho, ao lado do tancão. Esse tanquinho era originário das águas que vinham do Pinotti (pedreira do Pinotti), que hoje é o bairro Itapark. Tinha a ‘linheta’, a tubulação, que escoava a água do tanquinho para o tancão. O tancão era formado pelas águas que vinham da nascente do Tamanduateí, na Gruta Santa Luzia. No tancão teve afogamento. Foi formado para acionar as marombas (equipamentos ceramistas) do barro para fazer a louça, cerâmica, da Companhia Cerâmica Mauá, conhecida por Paulista. O logotipo da indústria era uma locomotiva. Os fundadores começaram fabricando aqueles apitos de barro. Expandiram. Fizeram história.

Fale mais sobre a Mauá de antigamente.
A Avenida Barão de Mauá era calçada com paralelepípedos até onde está hoje a Praça da Bíblia. Dali em diante era de terra. Padioleiros vinham para acertar a rua. Hoje esse serviço é feito por motoniveladora. A rua era deixada de uma forma para que as águas corressem para as laterais e não ficassem empoçadas no meio. Assisti ao desenvolvimento da principal via da parte baixa da cidade, que segue até a Gruta Santa Luzia e lá bifurca para outros pontos.

Vocês iam à Gruta Santa Luzia?
Íamos a pé. Saíamos do Tanque da Paulista. Cruzávamos por águas espalhadas pelo caminho até chegar à gruta. E seguíamos a pé até a Capela do Pilar. Minha avó, Genoefa, mãe da minha mãe, ia buscar lenha no Pinotti (Itapark). Um tipo de lenha vassourinha para queimar no fogão à lenha. E ia buscar guatambu, madeira de lei, lá no Parque Aliança, em Ribeirão Pires. Todo trajeto a pé.

Como foi a sua infância?
A nossa travessura era roubar coquinho e cana. A geada deixava o nosso campinho todo branco e a roupa dura no varal. A gente descia de carrinho nas ladeiras da Vila Guarani. Não eram carrinhos de rolimã. O rolimã era um luxo. Usávamos para deslizar, no eixo do carrinho, isoladores da Cerâmica Cerqueira Leite. Não havia perigo. Não passavam carros pelas ruas...

E quem tinha carro em Mauá?
Os carros eram do Felício Sansalone, um ‘rabo de peixe’, e do Napoleão Zambelli. Os dois que me lembre. Eles enfeitavam os carros com flores artificiais, brancas, e se revezavam no transporte das noivas nos dias de casamento. Padre Negri era o vigário na Matriz Imaculada Conceição. Também assistimos às obras da matriz.

E o futebol? Você era boleiro, não?
O Industrial jogava no campo do Cerâmica. Hoje o campo virou um depósito de entulho da Prefeitura – um espaço histórico, de tantas competições, deixado para este fim. Os jogos principais eram no campo da Vidrobrás, que era maior e gramado. Ficava na Rua Rui Barbosa. Era murado, mas não se cobrava pelos ingressos. Houve um jogo dos veteranos do Palmeiras e o Industrial. Nosso técnico era o Fernando Mantuan. Ele convocou 17 jogadores. Eu estava no meio. Ele rodou quase todos, menos eu. Guardo na lembrança este esquecimento, mas não guardo mágoa. Aconteceu e pronto. Mas que eu estava doido para jogar, ah isso eu estava...

Por esse tempo estava nascendo o News Seller, lançado em 1958. O News Seller chegava a Mauá?

Chegava e era muito comentado. As pessoas aguardavam. Nome diferente. Notícias diferentes. Depois se transformou no Diário.

Foi em 1968. O News Seller se transformava no Diário. Quatro anos depois o senhor se elege vereador pelo antigo MDB. Como foi a sua entrada na política?
O Élio Bernardi dominava a política de Mauá. Estava há anos no poder. Elegia-se ou punha um, punha outro na Prefeitura e na Câmara. Dizia que se colocassem um paletó num poste, ele elegia o poste. O MDB, de oposição à Arena do Élio Bernardi, saía sempre com três candidatos a prefeito. Comecei a frequentar o diretório, primeiro como ouvinte, depois suplente. Cheguei a titular. Em 1972 iriam sair novamente três candidatos pelo MDB. Fiz uma pesquisa: 70% das pessoas ouvidas queriam um candidato único do MDB. Mostrei a pesquisa no diretório. Então foi formada a chapa Amaury Fioravante e Manoel Moreira. A chapa foi eleita e o MDB elegeu dez vereadores, contra cinco da Arena.

A cobertura política do Diário sempre foi dinâmica, não?
O Diário sempre foi muito importante. Tornei-me uma fonte do editor de Política, o Aleksandar Jovanovic (hoje professor universitário). O que saía no Diário, repercutia.

Por exemplo.
Em 1988, o deputado federal José Carlos Grecco era candidato a prefeito na sucessão de Leonel Damo. Eu estava em casa. Toca o telefone às 4h. Pensei: ou é para distribuir jornal ou recolher jornal das bancas. Estar às 4h no diretório... Era para recolher os exemplares do Diário das bancas. Na manchete: ‘Grecco entra em zona de risco’. O Grecco aparecia ainda com 10% à frente do principal oponente, o Amaury Fioravante. Disse aos dirigentes: ‘Vocês são doidos. Estamos 10% na frente. Vai acontecer o que acontece no futebol. Estamos ganhando de 10 a 0. Vamos brigar com o juiz. Ele vai expulsar seis ou sete jogadores nossos. Vamos perder por WO. Não façam isso’.

Os jornais foram recolhidos?
Fui voto vencido. Fui às ruas. Recolhi quatro jornais. Entreguei no diretório, devolvendo o troco do dinheiro que me passaram para comprar os jornais antes que fossem distribuídos. Insisti: ‘Vocês perderam a eleição. Acabaram de perder a eleição’. E fui para casa. O Amaury ganhou por 110 votos, na sucessão do Leonel Damo. Foi a eleição que teve mais votos nulos. O eleitor de Mauá se decepcionou. O episódio ocorreu no domingo. A eleição na terça-feira. Muitos comentários. Os anunciantes de Mauá no Diário se revoltaram. Ninguém leu os seus anúncios. E o anúncio classificado é muito importante até hoje.

Por que o senhor não continuou na política partidária? Por que não saiu mais candidato?
Eu não tinha veia política. Gostava de trabalhar por Mauá. Trouxemos o Projeto Cura, que asfaltou todo o Parque São Vicente. Contribui para trazer o Sesi a Mauá. Fomos procurados pelo Sesi. Dei apoio ao projeto, mas exigi que fosse feito um como o do Prefeito Saladino, em Santo André. Demorou a sair porque o terreno tinha turfa. Um brejão. A terra podre. Precisou ser toda retirada. Mas aí está o Sesi.

A Mauá de hoje, como o senhor analisa os passos da sua cidade?
Quando foi aberta a Petroquímica União, os administradores de Mauá não acreditaram no seu potencial. Entendiam que a Refinaria de Capuava era suficiente. A entrada principal da Petroquímica ficou em Santo André, na nova avenida aberta, a Costa e Silva. E Santo André ficou com toda a arrecadação dos impostos municipais, mesmo que a maior parte da Petroquímica esteja localizada em Mauá. Quem levantou o problema foi o vereador Manoel Hauck, que hoje mora em Ribeirão Pires. Ele procurou demonstrar que 80% da produção escoavam por Mauá, através de tubulações, e não pela portaria principal. Hoje a maior arrecadação da indústria fica para Mauá.

O Rodoanel corta Mauá. Foi bom para a cidade?
Foi bom. Graças ao Rodoanel a Avenida João XXIII, que dá acesso ao Polo Industrial de Sertãozinho, foi concluída. O Rodoanel ajudou. Tem acesso diretamente ao polo. Facilita a implantação de novas indústrias, já que Mauá tem pequena parte apenas do seu território em área de proteção ambiental.

O que não foi bom para Mauá?
Aterrar o Tanque da Paulista foi um erro. Hoje o tanque seria uma atração, o nosso Ibirapuera. O Tanque da Paulista bem cuidado forneceria água à cidade. Hoje toda água consumida em Mauá é comprada da Sabesp. A água do Tanque da Paulista seria nossa. Seria o Guarará do município. Faltou visão.

E a cidade como um todo, como o senhor enxerga a Mauá 2018?
Houve uma expansão demográfica. Mauá deixou de ser cidade dormitório. Antigamente Mauá era chamada de ‘pé de barro’. O barro das fábricas de cerâmica, o barro das ruas sem pavimentação. O sapato sujo de barro. Eu mesmo cheguei a usar galochas quando saía de casa; depois tirava as galochas, embrulhava. A vida seguia. Hoje a maior parte da população trabalha em Mauá. São dois polos industriais. Comércio e setor de serviços fortes. Mas é visível, ainda, que muitos trabalham fora, em montadoras como a Scania e a Volkswagen, que mantêm ônibus para o transporte dos seus funcionários.

Como vislumbra o futuro de Mauá?
Penso que o futuro está no Polo Industrial de Sertãozinho, criado na antiga Fazenda Matarazzo. Há espaço de crescimento nesta área da cidade. A Tintas Coral ocupa um pedaço da antiga zona rural da Fazenda Matarazzo. Noticiando e documentando toda esta metamorfose mauaense, temos o Diário. Sessenta anos de história. Eu me formei lendo o Diário. Duas seções se destacam, a Memória e o caderno Cultura&Lazer. O pessoal não lê só o que sai sobre Mauá. É um todo que interessa para entender o Grande ABC. Os 105 anos do João Gava: é o tipo de matéria que prende a atenção. O Social do Diário acompanha a mais longeva festa de Mauá atualmente, a Festa do Queijo e Vinho do Rotary. A próxima – pelo 35º ano – será em 8 de junho. Todos os convites já foram vendidos. O Diário é um marco histórico da nossa região. Sempre trouxe as melhores reportagens. Influencia e continua influenciando a opinião pública. Tenho certeza de que o Diário continuará sempre pujante.

Deixe uma mensagem final.
A nossa Mauá bucólica do passado se transformou em metrópole. Já é difícil encontrar os antigos. Há barreiras a serem suplantadas. Os jornais locais parecem não acreditar na força da memória da cidade, diferentemente do Diário. Temos abnegados como o professor William e o Daniel Alcarria, preocupado com a questão da memória do esporte. Verdadeiramente abnegados. Precisam de mais espaço e apoio.

João Sérgio Rimazza e o Diário

O jovem leitor do semanário News Seller que aguardava pela chegada do jornal em Mauá; o vereador sempre noticiado e informante da Editoria Política; o memorialista que coordenava a elaboração de livros sobre a história da cidade e informava sobre o andamento dos trabalhos à Editoria Geral, hoje Setecidades; o rotariano divulgando no Social do Diário sobre as festas do clube de serviço. Estas podem ser relacionadas, cronologicamente, como as várias fases do relacionamento entre João Sérgio Rimazza e o Diário. Em 1976, não eleito, encerrava a carreira política, mas não os contatos diretos com o jornal.
 




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