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Governo incentiva bancos a investir menos em habitaçao
Do Diário do Grande ABC
13/02/2000 | 16:27
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O próprio governo federal incentiva os bancos a investir menos em financiamentos da casa própria. Além de fixar um limite baixo para aplicaçoes em empréstimos imobiliários com recursos da caderneta de poupança, uma resoluçao do Conselho Monetário Nacional permite que as instituiçoes contabilizem diversos créditos de fundos extintos e operaçoes indiretas para cumprimento desse limite.

De acordo com a resoluçao 2.623, de 29 de julho de 1999, que alterou a resoluçao 1.980, de 30 de abril de 1993, os bancos devem destinar 60% do dinheiro da poupança para financiamentos habitacionais. Esse limite já foi de 70% até meados de 1999.

Para se ter idéia, as aplicaçoes extras que entram nas contas dos 60% chegam a representar o mesmo volume dos financiamentos imobiliários em andamento concedidos pelas instituiçoes privadas: somam R$ 15,4 bilhoes, conforme relatório do Banco Central referente a outubro de 1999. Assim, na prática, os bancos privados aplicam apenas 30% dos recursos da caderneta nesses empréstimos. No total, o setor tem aplicados R$ 30,4 bilhoes de recursos da poupança na área imobiliária, conforme a lógica da resoluçao do governo.

Além dos financiamentos de imóveis (que incluem aqueles para fins comerciais com taxas de juros acima de 12% ao ano), os bancos podem contabilizar para atingir o limite de 60% várias operaçoes: créditos que eles têm a receber do Fundo de Compensaçoes de Variaçoes Salariais (FCVS), de responsabilidade do Tesouro Nacional, letras hipotecárias emitidas em cima de empréstimos concedidos e imóveis recebidos em liquidaçao de contratos.

Sao contabilizados até antigos créditos de fundos extintos, como o Fundo de Apoio à Produçao de Habitaçoes Populares de Baixa Renda (Fabre) e Fundo de Estabilizaçao (Festa), geridos pelo extinto Banco Nacional de Habitaçao (BNH).

O Banco Central alega que sao aplicaçoes legais que correspondem a financiamentos habitacionais. A maior parte dessas operaçoes periféricas refere-se aos créditos que os bancos têm com o FCVS. É aquele fundo criado e bancado com recursos do Tesouro Nacional que cobre o resíduo dos contratos da casa própria no lugar do mutuário.

O setor privado cobre um terço do limite de 60% exigido pela resoluçao com esses créditos. Eles somam R$ 11,2 bilhoes na carteira de aplicaçoes imobiliárias das instituiçoes, de R$ 30,4 bilhoes. O consultor técnico da Associaçao Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), José Pereira Gonçalves, justifica: 'Sao financiamentos concedidos que nao foram pagos``. É a mesma explicaçao do Banco Central, embora o FCVS nao seja formado com recursos da caderneta de poupança.

Troca de chumbo - Os bancos chegam a fazer acordos entre si para se enquadrar na legislaçao. É o que acontece na negociaçao de letras e cédulas hipotecárias adquiridas. Essa operaçao é muito comum entre um banco que está acima do limite - ele emite a letra em cima de um empréstimo da sua carteira - e outro que está abaixo, admite o consultor técnico Abecip.

'Para a letra ter sido emitida, houve um financiamento concedido``, justifica Gonçalves. Segundo ele, essa operaçao de empréstimo que originou a letra é deduzida do limite do banco emissor. E engorda o de quem compra. Isso tudo porque o setor nao quer aplicar mais que o limite de 60%.

Conforme dados de outubro de 1999, as letras hipotecárias representavam R$ 3,1 bilhoes, 6% do total que os bancos deveriam aplicar em operaçoes imobiliárias. Só as instituiçoes privadas utilizam R$ 2,8 bilhoes.

Observando todo o sistema, verifica-se que os bancos aplicam, na verdade, 88% dos recursos da caderneta de poupança em operaçoes imobiliárias, incluindo as operaçoes periféricas.

Só que essa estatística é engordada pela Caixa Econômica Federal, que está bem acima do limite. Ela possui aplicaçoes de R$ 38 bilhoes (incluindo as compensaçoes extras), maior que seus depósitos de poupança (R$ 28 bilhoes), por ser o banco de habitaçao do governo federal. Só em financiamentos da casa própria em andamento, sao R$ 28 bilhoes. Os demais bancos estaduais e federais aplicam 82% dos recursos dos poupadores na área imobiliária.

Já as instituiçoes privadas, no entanto, andam próximas da linha dos 60% - mais precisamente 62%, conforme dados de outubro e novembro de 1999, últimos divulgados pelo Banco Central. Essa margem de 2% é só de segurança para evitar desenquadramento repentino em virtude, por exemplo, de uma elevaçao da captaçao dos recursos de poupança. 'Os bancos privados aplicam sempre o valor mínimo``, atesta um técnico do Banco Central.

'Os bancos cumprem o limite de 60%. O problema é que é possível contar diversos tipos de operaçoes para isso, que nao sao necessariamente novos financiamentos nem lastreados com recursos da poupança``, diz um técnico da Caixa Econômica Federal.

Há razao para isso. O sistema financeiro paga apenas TR mais 6% de juros ao ano para os poupadores da caderneta. No mercado, os bancos podem aplicar esse dinheiro e ganhar muito mais. Eles consideram financiamento habitacional operaçao de alto risco para lucro baixo: os juros máximos sao de 12% ao ano no Sistema Financeiro da Habitaçao.




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