Para o diretor Gabriel Villela, a atriz Walderez de Barros “é um pedaço vivo da história recente do teatro brasileiro”. Walderez comemora 40 anos de palco com [Urfaust] Fausto Zero, de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). A peça estréia neste sábado no Espaço Promon, em São Paulo – Vera Zimmermann também está no elenco. Fausto Zero é o texto que originou uma das obras-primas da literatura universal, Fausto.

O Dr. Fausto (Walderez), um intelectual obcecado pelo saber, faz um pacto com Mefistófeles (Alvise Camozzi): em troca da alma, pede uma vida repleta de descobertas. E encontra o prazer. Conhece a casta Margarida (Vera), apaixonam-se, ele a engravida. E Fausto segue sua aventura sem saber que ela deu à luz, matou a criança e enlouqueceu. Quando sabe, já é tarde: sua alma está comprometida.

Villela fala sobre a atualidade do texto: “Vivemos num mundo bipolarizado entre nações que se autoproclamam ‘eixo do bem‘ e outras que são proclamadas ‘eixo do mal‘, quase num regresso à barbárie. O mundo está meio fundamentalista. Nesse sentido há um recuo na civilização. Todo cidadão comum sonha em vender a alma, e nunca foi tão fácil negociar”.

A proposta de [Urfaust] Fausto Zero, porém, não é alertar para a questão dessa ética contemporânea enviezada. “Não fazemos teatro da sirene”, afirma o diretor. A intenção é descortinar as nossas porções corruptível e incorruptível. “Fazemos a peça como uma exposição de idéias, não como uma indução a uma opção.”

Há nas entrelinhas duas questões distintas que se somam. “A primeira é o relacionamento homem-divindade. Por outro lado, há as indagações primordiais ‘quem sou’, ‘de onde vim’ e ‘para onde vou’. Fausto não consegue explicar e vai atrás dos prazeres, tendo Mefistófeles a ciceroneá-lo. Essa parte, a metafísica do homem ligado a si, é a mais ativa da peça”, diz Villela.

Para Vera, Margarida é uma heroína romântica, “uma mulher pura e religiosa que vai da ingenuidade à loucura”. É com Margarida que Fausto, “um ser com uma angústia muito grande e que busca a explicação para a existência da humanidade, descobre o amor, a paixão, o desejo”. “Fausto estava tão enfiado dentro de filosofias que não esse tipo de caminho. O próprio Goethe viveu de paixões”, afirma a atriz.

A cenografia inclui um tear. “É uma metáfora de situações em que se fala sobre o que é a existência, como o homem procede diante dela”, diz Villela. Explica-se: o tear remete às moiras da mitologia grega (ou parcas, como eram conhecidas em Roma). Ajudantes do Destino que nem Zeus conseguia contrariar, elas passam o tempo a tecer, a medir e a cortar o fio da vida.

O fato de uma mulher interpretar Fausto não tem a ver com a dualidade do ser humano. “Fazemos teatro de idéias, arquétipos, mitos, não drama psicológico ou naturalismo de TV que impõem padrões. Na tragédia grega a mulher não ia para o palco, assim como no teatro elisabetano [período em que frutificou William Shakespeare]. Walderez é uma atriz completa, que trabalha a idéia do personagem”, afirma o diretor.

O mito de Fausto, o homem que vendeu a alma ao diabo, não nasceu da pena de Goethe, que escreveu Fausto Zero (ou Proto-Fausto) entre 1773 e 1775. Conforme chegava a maturidade, Goethe reescrevia a obra, que fala sobre a busca do conhecimento confrontando ascetismo e vida mundana e tem enorme alcance poético, humanista e filosófico.

Walderez conquistou vários prêmios em teatro e na TV. Entre diversas peças, fez Medéia, de Eurípedes, A Gaivota, de Anton Tchecov, e Madame Blavatsky e O Abajur Lilás, de Plínio Marcos, com quem foi casada. Esteve no epicentro de episódios marcantes do teatro brasileiro, como os que envolveram a censura do regime militar (1964-1985). “Ela devotou a vida ao teatro de idéias. E não vendeu a alminha ao diabo”, diz Villela.

[Urfaust] Fausto Zero – Teatro. De Johann Wolfgang von Goethe. Tradução de Christine Röhrig. Direção de Gabriel Villela. Com Walderez de Barros, Vera Zimmermann, Maria do Carmo Soares, Alvise Camozzi e Nicolas Röhrig. Quintas a sábados, às 21h, e domingos, às 19h. No Espaço Promon – av. Juscelino Kubitschek, 1.830, São Paulo. Tel.: 3847-4111. Ingr.: R$ 30 e R$ 40. Até 27 de junho.