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Alfaiates se adequam para driblar as crises da atividade

Na busca pela sobrevivência do ofício, os profissionais se reinventam ao longo dos anos

Flavia Kurotori
Especial para o Diário
09/09/2017 | 07:30
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André Henriques 23/8/16


O processo artesanal de confeccionar roupas masculinas, ou a alfaiataria, meio século atrás costumava ser uma profissão diferenciada a ser seguida. “Ou você era pedreiro, sapateiro e carpinteiro ou virava alfaiate. Minha mãe disse para eu me tornar alfaiate para não me sujar”, lembra o andreense Divino Cupertino, 81 anos. Nos dias de hoje, o octogenário ainda é apaixonado pelo ofício que executa há 65 anos, e é grato pelo conselho materno.

De acordo com dados do Sindicato de Profissionais em Confecção do ABC, o setor conta atualmente com apenas 300 profissionais na região, considerando alfaiates e costureiras que desempenham a função de alfaiate. Embora a entidade não possua números mais antigos, a presidente Aparecida Leite Ferreira afirma que eles representam menos de 10% da categoria, formada por cerca de 3.700 trabalhadores, uma vez que a prática artesanal perdeu espaço para a industrialização do processo. “Desde a década de 1990, quando houve a abertura da nossa economia e começaram a importar peças da China, por exemplo, o setor perdeu espaço, pois não tem como competir com o baixo custo que elas chegaram às lojas, custando até 50% menos”, aponta.

Alfaiate desde os 10 anos, Antônio Válter Trombeta, 64, viu na mudança do mercado a oportunidade de abrir a própria confecção em São Bernardo, a Via Santony Confecções. Atualmente, a empresa produz, em média, 300 peças de trajes a rigor – como ternos e smokings – por dia e emprega 130 funcionários.

“Os alfaiates ficam com a pilotagem da linha de produção e, junto com algumas costureiras especializadas, confeccionam peças por completo, do corte ao acabamento. Já as demais costureiras trabalham em etapas: algumas fazem apenas as mangas, outras apenas bolsos e assim por diante”, exemplifica. A classe possui piso salarial de R$ 1.250, entretanto, Aparecida afirma que a média é de R$ 1.600 por mês.

Os clientes da empresa são, principalmente, estabelecimentos de aluguel de roupas black-tie. Por este motivo, a sazonalidade afeta sua produção. “Nesta época do ano, até abril, aumenta o volume de formaturas e casamentos, então a demanda cresce. Já entre maio e julho, diminui drasticamente”, explica o empresário, sem abrir números de faturamento.

Apesar da particularidade, a Via Santony hoje abastece estabelecimentos em todo o País. Trombeta afirma que não abre mão da qualidade de seus produtos nem de “colocar a mão na massa”. “Participo da parte de criações e modelagem. Às vezes, as lojas têm alguma demanda específica, como um cliente muito alto, que requer um tamanho especial, então desenvolvemos a peça necessária”, relata. “No momento, eu estou precisando de um terno. Então eu mesmo estou trabalhando nele nas horas vagas.”

Com uma alfaiataria em Santo André há 30 anos, Cupertino garante que faz seu trabalho artesanalmente, da mesma maneira que aprendeu na juventude. Entretanto, um fator diferente da década de 1950 são os clientes. “Antes, nós (os alfaiates) éramos procurados para confeccionar a roupa personalizada. Hoje, a maioria dos nossos trabalhos é de ajustes e consertos”, pontua ele, que é indicado por algumas grifes de varejo para providenciar os reparos. Porém, o octogenário avalia que, “por mais que se faça ajustes, nenhum traje cairá tão bem quanto aqueles feitos sob medida”.

O ofício foi celebrado nesta semana, dia 6, quando se comemora o Dia do Alfaiate.

LONGEVIDADE - Trombeta atesta que a profissão de alfaiate jamais acabará. “A quantidade de pedidos pode diminuir, mas hoje tem e sempre terá espaço para estes profissionais.” Cupertino concorda, mas ressalta que conquistar a clientela e manter a qualidade do trabalho são essenciais. “Para aquele (alfaiate) que não oferece qualidade, acaba”, comenta. “Tenho clientes que moram nos Estados Unidos e na Itália. Sempre que eles vêm para cá me procuram para confeccionar um novo traje”, conta.


Cantor Roberto Carlos já foi cliente

O alfaiate Divino Cupertino conta que, no início da carreira – quando as confecções ainda não tinham se rendido à industrialização – clientes de perfis variados faziam parte do cotidiano. “Até para ‘defunto’ já fiz terno. Antigamente, quando um homem morria, juntavam dez alfaiates que passavam a noite fazendo a roupa para poder enterrar no dia seguinte”, lembra.

Já em 1965, o profissional atendeu o cantor Roberto Carlos. “Eu trabalhava em uma fabriqueta de calças em São Paulo e chegou uma encomenda especial de calça feita de saco de estopa. Na época, era moda, por conta daquela febre hippie.”

Cupertino recorda que estava trabalhando na peça, quando um cliente entrou no local e dois seguranças ficaram parados na porta. “Ele veio até mim, cutucou o meu ombro e disse: ‘É você que está trabalhando na minha calça?’” Entretanto, o alfaiate não reconheceu o cantor de imediato. “Ele ainda não era tão conhecido.”

Antes do ilustre cliente partir, o alfaiate perguntou se o conhecia de algum lugar, e o artista apenas disse, rindo: “Pode ser”.

Cupertino apenas reconheceu o cantor mais tarde, e garante que o Rei é humilde e é “um ser humano da melhor qualidade”.  




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