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Afinal, o que se passa com a saúde do prefeito Tortorello?
Por Daniel Lima
Do Diário do Grande ABC
06/11/2004 | 13:17
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O estado de saúde do prefeito Luiz Tortorello é um grande ponto de interrogação público e uma fonte privada de informações complexas. Estaria o prefeito realmente adoentado, gravemente adoentado, ou a quebra da rotina de comandar o Paço Municipal da cidade de melhor qualidade de vida no Brasil é apenas uma série de coincidências?

Os familiares e os assessores mais próximos de Luiz Tortorello desconversam oficialmente sobre o assunto, mas fazem avaliações reservadas que convergem para o mesmo enredo: o prefeito que acaba de eleger seu sucessor, o ex-diretor de Saúde José Auricchio Júnior, estaria enfrentando momentos difíceis por conta de grave enfermidade supostamente localizada na região estomacal.

A notícia de que Luiz Tortorello está profundamente debilitado deixou de freqüentar apenas os corredores do Paço Municipal de São Caetano. Aliás, naquele espaço, o que mais se pratica no dia-a-dia é espécie de programada encenação para dar ares de que a rotina não foi quebrada em momento algum. Quando se pergunta pelo prefeito, assessores e secretárias indicam com extremo zelo e diplomacia algum compromisso externo, ou mesmo reunião interna inexpugnável.

Em outros tempos, as mesuras não chegavam a esse requinte. A agenda pública supostamente atendida pelo prefeito geralmente não coincide com a presença física do dirigente. Pratica-se um jogo de faz-de-conta teoricamente para amenizar os efeitos da ausência do prefeito reeleito em 2000 com 78% dos votos válidos, o mais expressivo registro eleitoral no Grande ABC que nem mesmo William Dib atingiu neste ano.

Visita domiciliar – Não bastasse o fato de Luiz Tortorello ausentar-se dos compromissos apontados por seus assessores, a movimentação na residência do prefeito, no bairro Olímpico, desperta suspeitas de que são mais que especulações o que o envolveria fisicamente. Visitas constantes, especialmente de médicos e paramédicos, acrescentam ares de inquietação ao ainda seletivo grupo de amigos e parentes que teriam acesso a detalhes médicos.

Até mesmo vizinhos mais próximos dizem estranhar a quebra da rotina de Luiz Tortorello. Ele se teria enclausurado em sua residência e recebido visitas pouco comuns ao cotidiano de um prefeito que deveria estar no Paço Municipal. Sexta à tarde, o próprio irmão de Luiz Tortorello, Antonio Pádua, fez visita domiciliar. Considerando-se que se tratava de um dia útil e, portanto, de expediente no Paço Municipal, a presença de Antonio Pádua não se configura natural.

Principalmente porque até médicos da Prefeitura constaram da relação de visitas mais demoradas ou permanentes. Caso de Mara Cristina Pereira que, depois de uma hora com o prefeito, retirou-se da residência da avenida Lemos Monteiro. Quando se dirigia ao veículo Corsa, a médica observou a presença do fotógrafo do Diário e o inquiriu sobre a motivação do flagrante. Informada sobre o trabalho jornalístico e, na seqüência, indagada sobre o motivo de sua presença, Mara Cristina Pereira confirmou ser médica, mas que sua visita prendia-se unicamente a supostos laços de amizade familiar.

Uma outra médica supostamente ligada aos quadros da Prefeitura permaneceu pelo menos durante todo o dia no interior da residência do prefeito. Ao atender a campainha, ela se identificou como Patrícia. Solicitada a autorizar uma entrevista com Luiz Tortorello, a médica supostamente do Programa Saúde da Família confirmou a presença do prefeito mas negou a possibilidade do trabalho jornalístico.

Agenda virtual – Uma hora antes, no Paço Municipal, assessores do gabinete de Luiz Tortorello informaram que o prefeito estivera na Prefeitura, mas que saíra para cumprimento de agenda no Tiro de Guerra. Nada que se confirmasse com uma visita no local, a menos de mil metros do Paço. Tortorello foi representado na solenidade pelo chefe de gabinete, Alfredo Frignani. Também participou o presidente da Câmara de Vereadores, Paulo Pinheiro.

Já há pelo menos dois meses o Diário recebeu informações que dariam conta da possível precaridade de saúde de Luiz Tortorello. Observadores atentos da cena política de São Caetano estranharam a ausência de Tortorello na maioria dos comícios de José Auricchio Júnior na segunda quinzena de setembro, quando a propagada debilidade física do prefeito teria se acentuado. O Diário preferiu aguardar novos detalhes sobre o quadro de saúde do prefeito porque as informações eram rarefeitas e poderiam produzir estragos político-eleitorais, já que o assunto coincidentemente emergiu durante a fase mais calorosa da disputa pelo Paço.

A decisão de transformar série de indícios em material jornalístico se deve ao interesse social que a atuação do prefeito de São Caetano desperta e também à constatação de que, superada a cronologia eleitoral, os ruídos possivelmente especulativos cederam espaços a uma espécie de filtragem cada vez mais seletiva e simétrica de informações.

No momento em que secretários municipais admitem em conversas informais a gravidade do quadro e que, mesmo familiares, discreta e reservadamente, não negariam ambiente de intensa emotividade por força de eventuais diagnósticos realizados no Hospital Albert Einsten, o Diário decidiu levar a público a notícia.

Desdobramentos – Além do componente especificamente social que torna Luiz Tortorello objeto de informação jornalística, os eventuais desdobramentos de informações que convergem para a possibilidade de agravamento do quadro de saúde podem desencadear derivações político-administrativas. Afinal, o prefeito eleito José Auricchio integra o grupo que tem Luiz Tortorello como principal líder político do município. Isso significa que qualquer cenário que retire Tortorello do cotidiano da vida pública de São Caetano poderia gerar série de acontecimentos que fugiriam do esquadrinhamento previamente concertado após a definição de que, entre muitos concorrentes, seria o então diretor de Saúde o herdeiro do prestígio do prefeito.

Desta forma, o quadro clínico de Luiz Tortorello não se resume à sua própria identidade pessoal e ao interesse específico de familiares. Depois de 12 anos no comando de São Caetano, quando colecionou três mandatos a partir de 1989, com intervalo entre 1993 e 1996, a representatividade de Luiz Tortorello como dirigente público transcende o exclusivismo pessoal que diagnósticos médicos supostamente preocupantes poderiam sugerir.

A linha divisória entre pessoa física e homem público é reconhecidamente tênue e, por isso mesmo, precisa ser tratada com absoluta segurança ética e informativa. E, quando se chega a esse ponto, ao ponto em que a especulação inicial se diluiu e ganha o formato de um conjunto consistente de informações, a ética só se mantém integralmente como bem público se não se submerge à omissão.




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