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Brasil: 152 dias para abrir empresa
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
10/07/2004 | 18:00
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Alto, andar ligeiramente encurvado, próprio de quem passa muito tempo debruçado sobre livros, óculos de grau, o professor conduz o convidado por sua ampla e confortável residência no bairro Alto de Pinheiros, em São Paulo. Ele atravessa cômodos amplos, passa por um jardim gramado e chega a uma edícula transformada em escritório, repleta de livros, papéis, apostilas, documentos diversos, luz oblíqua e aconchegante. O computador posicionado em um dos cantos parece um cão de guarda.

O professor puxa duas cadeiras não muito confortáveis (talvez para a entrevista não se prolongar por muito tempo), cedendo uma delas para o repórter, que tem diante de si um dos mais renomados intelectuais e economistas do país.

O entrevistado esbanja títulos acadêmicos: PhD (doctor of philosofy) da Universidade de Cambridge (Inglaterra), onde lecionou por mais de dez anos. Foi eleito pelos alunos como o melhor professor de Economia da USP, é autor de livros de repercussão extramuros da academia, como os celebrados Vícios Privados, Benefícios Públicos (Prêmio Jabuti, de 1993), Nada é Tudo, As Partes e o Todo e Auto-Engano, e leciona nas Faculdades Ibmec, em São Paulo.

Eduardo Giannetti da Fonseca inicia a entrevista exclusiva ao Diário falando da dificuldade que representa abrir um empreendimento no Brasil (152 dias em média de burocracia), que leva 40% dos empresários para a “zona cinzenta” da informalidade. Ele elogia a criação de uma Universidade Tecnológica no Grande ABC e diz que a região precisa encontrar novas vocações. “E não cabe a mim que sou economista dizer qual será, porque isso quem tem de dizer são os empresários”, diz. Na entrevista faz críticas aos políticos, fala do “auto-engano” do PT e do medo de ser feliz. Giannetti da Fonseca transborda conhecimento, erudição, citações.

Diário – Professor, o jornal me encarregou de abrir uma empresa para mostrar as dificuldades que os empreendedores enfrentam. Para resumir, não consegui abrir a firma, tropecei em uma burocracia enorme. Por que o Brasil oferece tanta dificuldade assim para quem quer gerar emprego e novos negócios?
Eduardo Giannetti da Fonseca – Um estudo recente do Banco Mundial mostrou que demora-se em média 152 dias para se abrir uma empresa no Brasil. Somente cinco países no mundo inteiro ficam atrás. Austrália, Canadá, Cingapura são países que oferecem muita facilidade para se abrir uma empresa. O Brasil é bem dotado de empreendedorismo. Sua população quer iniciar um negócio, mas o ambiente jurídico e institucional cria entraves. É um cipoal, um verdadeiro labirinto de impostos, encargos e ameaças contratuais. Isso tudo amarra a vontade brasileira de empreender e oferece uma tentação muito grande para se adotar a informalidade. Começa uma zona cinzenta, 40% da renda brasileira está na informalidade. Até mesmo empresas de porte maior têm operado na informalidade. O Brasil é o campeão mundial de ações trabalhistas. As empresas relutam em contratar. A classe média está desaparecendo das empresas. As empresas descambam para uma situação de informalidade. O governo ainda não atentou para essa deterioração do sistema empresarial brasileiro.

Diário – Como mudar esse quadro? A reforma tributária não alteraria essa situação?
Fonseca – É preciso rever a relação entre os diferentes poderes, entre a União, o Estado e o Município. Essa indefinição de autoridade gera prejuízos para a sociedade, com número excessivo de impostos. A reforma tributária só piorou essa situação. Virou uma rodada de disputa de níveis de governo para aumentar sua fatia de arrecadação. A Cofins está batendo recordes de arrecadação. A reforma não resolveu o conflito entre a União, o Estado e os municípios e jogou a conta para as costas do setor privado, para a sociedade. O que era para aliviar se tornou um ônus adicional. Segundo o IBGE, 36% da renda produzida do PIB são carga tributária bruta e vão direto para os cofres públicos. Ainda por cima o Estado gasta de 4% a 5% do PIB além do que arrecada. Quarenta por cento da renda brasileira transita pelo setor público. O Estado brasileiro não atende as necessidades mais elementares da população, não oferece segurança, os programas sociais se deterioram, gasta-se 40% do PIB e não se atende as necessidades básicas da população brasileira.

Diário – Qual é a análise que o senhor faria sobre o Grande ABC?
Fonseca – Gostaria de conhecer mais. Tenho amigos que falam maravilhas tão grandes de São Caetano que eu tenho vontade de conhecer. Nas pesquisas, São Caetano aparece em um nível diferenciado. O Grande ABC sofreu esvaziamento industrial, que lhe rende uma perda de importância industrial. Foi um pólo dinâmico de desenvolvimento durante a industrialização. A região vai buscar agora novas vocações. No futuro, o ABC não terá a mesma proeminência em termos de base industrial, como teve no passado. É um bem para a sociedade brasileira não ter tanta concentração industrial em uma só área. É bom ter mais distribuição. O desafio do Grande ABC será encontrar essa nova vocação. São os empresários que vão descobrir. Não cabe a mim, que sou um economista, não cabe a um burocrata fazer essa indicação de vocação. Quando isso acontece, é um desastre. Foi o que ocorreu na Zona Franca de Manaus, criada durante o regime militar, em uma decisão geopolítica. Decisões assim não funcionam.

Diário – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou a criação de uma Universidade Tecnológica no Grande ABC. Isso será positivo?
Fonseca – A criação de uma Universidade Tecnológica no Grande ABC é uma idéia interessante, só é preciso cuidado para a forma como ela funcionará. O Brasil gasta muito com ensino superior. É um absurdo que aquele sujeito que pagou para fazer o ensino fundamental, que pagou para cursar o ensino médio, não pague a universidade. É um paradoxo que o nível de renda das pessoas que fazem faculdade particular seja menor que aquelas que fazem faculdade pública. Sou muito favorável à criação de um pólo tecnológico de eficiência no Grande ABC. A única ressalva que faço é nessa questão do pagamento. O jovem que não pode pagar pelo seu curso universitário deveria ganhar uma espécie de bolsa, para ser paga depois que ele se formasse. Esse seria o modelo ideal.

Diário – O presidente Lula referiu-se à necessidade de uma reedição do Plano Marshall para aquecer a economia dos países em desenvolvimento. O que o sr. pensa a respeito?
Fonseca – O Plano Marshall não foi um fator decisivo de recuperação. A injeção de recursos nos países afetados pela guerra teve papel limitado e números modestos. A única coisa que a guerra não destruiu foi a capacidade de trabalho, a produtividade, a inventividade, a ciência e a tecnologia. A grande lição é que sem capital humano, não há receita, não há sistema econômico que resolva o problema da prosperidade. A Alemanha e o Japão estavam em cinzas e duas gerações mais tarde já haviam recuperado seu potencial produtivo. Não se trata de mera transferência de recursos financeiros para os países em desenvolvimento. Alguns países até se afundaram mais. É o caso de países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que ganharam na loteria do petróleo, mas não conseguiram resolver seus problemas elementares. A prosperidade depende essencialmente de capital humano e liberdade. Com liberdade para as pessoas usarem seu talento, sua criatividade, o sistema floresce.

Diário – Em relação a isso, existe uma tendência na gestão de empresas pela revalorização do capital humano.
Fonseca – O capital humano faz a diferença. Se a empresa não tem capital humano, não vai se manter, é um imperativo investir em capital humano. Não é um ato de bondade, mas uma exigência econômica. Alfred Marshall dizia que “o mais valioso entre todos os capitais é o investimento em seres humanos”.




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