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Tropicália acadêmica
Ângela Correa
Do Diário do Grande ABC
08/02/2010 | 07:06
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Por ter como tema um dos movimentos culturais que ecoam no imaginário brasileiro desde 1960, o livro Brutalidade Jardim - A Tropicália e o Surgimento da Contracultura Brasileira (Editora Unesp, R$ 37, 276 páginas) poderia ser apenas mais um relato deslumbrado de um estrangeiro diante das cores brasileiras. Mas o autor, o pesquisador norte-americano Christopher Dunn, se apoiou em bases muito mais seguras do que o fascínio por personagens que criaram e difundiram o tropicalismo. O resultado é uma obra importante, senão fundamental, para quem aprecia a música popular brasileira.

Hoje integrante do departamento de espanhol e português da Universidade de Tulane, na Louisiana, o professor tomou contato com a questão em 1985, quando ouviu o álbum-manifesto Tropicália ou Panis at Circenses (1968) na casa de um professor. Até então, música brasileira era sinônimo de bossa-nova.

"É uma referência para o mundo de jazz. Eu também curtia o som do guitarrista Pat Metheny, que tocava com o grande percussionista pernambucano Naná Vasconcellos", diz Dunn em um português irretocável.

Passado o impacto inical, Dunn prosseguiu com os estudos focados no Brasil - fez pós-graduação em estudos brasileiros. Em 1992, conseguiu entrevistar Tom Zé e Caetano Veloso. "Eu vim gravar para um programa de rádio chamado Afropop Worldwide. O segmento era dedicado aos 25 anos da Tropicália. As entrevistas que me concederam foram absolutamente reveladoras", relembra. Retornou ao Brasil como bolsista para aprofundar a pesquisa para a tese de doutorado, na qual o livro se baseia.
A participação das principais figuras do movimento foi primordial. "Caetano, Gil e Tom Zé me deram muita atenção", revela. Mas o diferencial do livro de Dunn é justamente o fundo de pesquisa científica que diferencia o livro do que já foi publicado a respeito. O especialista observa o movimento sob o contexto de outras manifestações culturais - daqui e de fora.
A ditadura militar (que ganhou todo um capítulo), a TV e as influências internacionais foram analisadas com informações das mais variadas fontes. "Não tive dificuldade em coletar dados porque não usei arquivos do Estado, que tem pouco sobre os tropicalistas. Além de ler fontes secundárias, também consultei jornais da época".

Outro capítulo interessante diz respeito a como a Tropicália foi absorvida, tardiamente, fora do País, por artistas como Beck e, mais recentemente, Devendra Banhart. "Foi ignorada fora do Brasil até os anos 1990. O músico e produtor David Byrne teve um papel importante em divulgar a diversidade da música popular brasileira através do selo Luaka Bop. O lançamento da coletânea de Tom Zé pelo Luaka Bop em 1990 foi fundamental para preparar o terreno para a chegada da música tropicalista porque revelou uma música popular brasileira experimental, vanguardista que poucos conheciam", diz o autor de Brutalidade Jardim, batizado por um trecho de Geléia Geral, de Gilberto Gil e Torquato Neto, que tem a letra analisada no terceiro capítulo.

Trecho

"Os tropicalistas foram relativamente menos afetados pela censura, em grande parte porque sua música em geral não era associada ao protesto político. Mesmo assim, tanto Gil como Caetano compuseram músicas que criticavam o regime, depois de voltar do exílio no início dos anos 70. Esse período também marcou a reconciliação pública entre os tropicalistas e Chico Buarque, após vários anos de distanciamento." (pág. 190)

"Soy Loco Por Tí, América posicionava o Brasil no contexto da luta antiimperialista no hemisfério. Gravada pela primeira vez por Caetano Veloso em seu álbum-solo de 1968, a música era um apelo à solidariedade latino-americana, sugerindo que os tropicalistas estavam cientes das implicações continentais do movimento."
(pág. 140)




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