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História do Mangue Beat vai para as telas
Do Diário do Grande ABC
17/07/1999 | 15:44
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Chico Science morreu, mas o mangue beat, movimento musical surgido no início da década em Pernambuco, está prestes a ser imortalizado pelas lentes do cinema. O documentário "O mundo é uma cabeça", em fase de finalizaçao, vai contar, com irreverência e descontraçao, como um grupo de cabeças pensantes e antenadas deu novos sopros criativos à cultura brasileira.

Desde o festival "Abril Pro Rock" de 1996 que os cineastas Bidu Queiroz e Cláudio Barroso vêm filmando shows e realizando entrevistas com os principais participantes do movimento. Naquela ocasiao, o movimento vivia seu período áureo. "Chico Science e Naçao Zumbi" haviam acabado de lançar o segundo disco, "Afrociberdelia", e voltavam de apresentaçoes na Europa; o "Mundo Livre" também lançava o segundo trabalho, o "Devotos do Odio" acabara de gravar seu primeiro disco e o "Mestre Ambrósio" começava a ganhar popularidade com sua mistura de forró com outros ritmos.

"Chico Science foi a primeira pessoa que procuramos para falar do projeto, porque apesar de ser um filme sobre o mangue beat, era ele o personagem principal", relembra Bidu Queiroz. O líder da Naçao Zumbi adorou a idéia e chegou a ver todo o material da primeira fase telecinado, antes de morrer em um acidente de carro, em fevereiro de 1997. A tragédia levou os diretores a interromperem o filme.

"Tínhamos medo de que ficasse com um caráter mórbido. Tanto que em nenhum momento a morte de Chico é mencionada. A mídia já explorou suficientemente isso", diz Bidu. Só em dezembro do ano passado ele e Barroso retomaram as filmagens, que foram concluídas no "Abril Pro Rock" deste ano.

Ao todo, há cerca de três horas de material rodado em película no formato 16 milímetros (que será ampliado para 35 milímetros), e seis horas de registros sonoros, que vao dar origem a um longa-metragem de pouco mais de uma hora de duraçao. Segundo Bidu, a idéia é incorporar o espírito do mangue beat e fugir da estrutura tradicional do documentário musical. "Minha inspiraçao é a mistura de musical e comédia de Os reis do iê-iê-iê. A essência do mangue beat sempre esteve ligada ao humor." Ele acredita que o parentesco com os Beatles vá ainda mais longe. "O filme tem um subtexto que é um paralelo com Liverpool e o que aconteceu na Inglaterra dos anos 60. Afinal, Recife também é uma cidade portuária, passava por um processo de segregaçao cultural e precisávamos resgatar esta auto-estima."

Entre as raras imagens de Chico Science que o filme apresenta, está uma longa seqüência em que ele passeia pelo Recife a bordo de um velho Galaxy, conversando com o amigo Rogê (citado na letra de Macô e dono da Soparia do Rogê, onde rolaram os primeiros shows das bandas do mangue), que Bidu e Barroso pretendem usar como espinha dorsal do documentário. A direçao de fotografia ficou a cargo de Paulo Jacinto dos Reis, o Feijao, que já havia feito um belo trabalho no filme "O baile perfumado", de Lírio Ferreira e Paulo Caldas.

O título do filme homenageia "Este mundo é um pandeiro", de Watson Macedo - para Bidu a primeira grande comédia musical brasileira -, e foi tirado de uma letra da banda pernambucana Eddie inspirada por um gibi do Batman. O personagem Chapeleiro Louco, na história Asilo Arkan, dizia: "As vezes eu acho que o mundo é uma cabeça e que nós vivemos dentro de uma cabeça que nos sonha". E as cabeças continuam sonhando em Pernambuco, apesar do movimento ter perdido parte de sua força. "A gama original de conceitos nao foi mais trabalhada, mas ficou a diversidade. O número de bandas é cada vez maior, embora a mídia sempre tenha a expectativa de que surja um novo Chico Science", lamenta Bidu.

Enquanto o novo Chico nao aparece, os diretores e a produtora executiva Clélia Bessa lutam para conseguir cerca de R$ 60 mil que seriam suficientes para finalizar o filme (orçado em R$ 120 mil). A idéia era lançar o documentário no Festival de Brasília, em outubro, mas a falta de verba fez com que os planos fossem adiados. Sem nenhum apoio do governo de Pernambucano, eles contam com a boa vontade do empresariado, através das leis de incentivo fiscal, para que o mangue beat feche a década nas telas de cinema.




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