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CPI encerra fase política sem provas de irregularidade
Por Do Diário do Grande ABC
14/05/1999 | 09:36
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Com o longo depoimento prestado nesta quinta-feira pelo dono do banco Marka, Salvatore Alberto Cacciola, a CPI do Sistema Financeiro praticamente encerrou a fase politicamente mais instigante dos seus trabalhos. Do ponto de vista prático, a comissao nao obteve, porém, elementos capazes de comprovar a suspeita de irregularidade na operaçao de venda de dólares ao banco de Cacciola e ao outro investigado, o FonteCindam; ou ainda, nao fixou um nexo indiscutível entre o ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, e essas duas instituiçoes.

Em termos objetivos, o Senado nao achou até agora um documento, um dado concreto, um papel ou ouviu um depoimento suficiente para amparar uma denúncia e a abertura de processo judicial. A fase seguinte dos trabalhos da CPI tenderá a se mostrar ainda mais árdua, na medida em que os senadores desejam interrogar executivos e controladores de bancos sobre os lucros que apuraram com a mudança cambial de janeiro. A suposiçao do requerimento que justificou a criaçao da CPI é de que esses homens receberam, ou compraram, informaçoes exclusivas e antecipadas (inside information) sobre a desvalorizaçao cambial, o que lhes permitiu direcionar aplicaçoes para posiçoes em dólar isentas de qualquer risco. A suspeita era de que Cacciola seria um dos financiadores de um esquema de corrupçao no BC. Os senadores, entretanto, nao conseguiram demonstrá-lo de modo cabal, mesmo tendo recebido o ex-banqueiro para depor já de posse de todas informaçoes preciosas sobre seus contatos telefônicos e operaçoes bancárias, cujos sigilos há muito foram quebrados. As dificuldades óbvias que os senadores terao para demonstrar que os bancos, dentre os quais incluem-se bancos estrangeiros de alta reputaçao - montaram esquemas de inside information (um crime repe lível sob todos os aspectos, especialmente pelos participantes do mercado financeiro, para os quais o inside equivale a comprar o juiz e fazer gol válido com a mao em um jogo de futebol) nao deve ser interpretada como uma prova de fracasso da CPI dos Bancos.

Sotisficaçao - Os interrogatórios na CPI do Sistema Financeiro e os atos que os precederam, praticados em especial pelo Ministério Público e a Polícia Federal, permitiram o debate de questoes de extrema relevância para a vida democrática do país. O Senado descobriu, por exemplo, que os brasileiros construíram um mercado financeiro altamente sofisticado e um sistema bancário tao sólido que saiu sem maiores traumas, e em tempo recorde, de uma crise cambial sem precedentes.

A discussao sobre o funcionamento da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) revelou a existência de um mercado de hedge (proteçao) e dos chamados derivativos que, se por um lado, tem uma organizaçao de primeiro mundo, por outro responde a uma regulaçao falha e ineficiente da parte da autoridade monetária. O futuro debate sobre o Proer na CPI permitirá análises instrutivas a esse respe ito e abrirá o caminho para o aperfeiçoamento da legislaçao.

Limite - O episódio da prisao de Francisco Lopes na CPI, por ter se recusado a assinar um documento que o obrigaria a depor contra si próprio - e os fatos que a precederam, como a busca e apreensao em sua sua casa e na do dono do Banco Marka, Salvatore Cacciola, por procuradores da República acompanhados de policiais federais armados - mostraram que a democracia do País ainda se situa em um limite impreciso entre os direitos individuais assegurados pela Constituiçao, como o da presunçao da inocência e o da inviolabilidade do lar, e o desrespeito truculento desses princípios em nome do bem e da virtude.

Sem alarde, e depois do habeas-corpus concedido a Lopes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI passou a declarar o direito dos depoentes de se calarem diante de questoes que possam ser usadas contra eles um eventual processo criminal futuro. Apesar disso, é provável que o instrumento parlamentar da CPIs mantenha o modus operandi que o tem caracterizado. Isto é, provavelmente os parlamentares continuarao a atuar como atuam os policiais em interrogatórios, que tem transformado essas comissoes em espetáculos destinados a moer reputaçoes, sejam ou nao culpados os que porventura entram na sua linha de tiro. Por serem inquéritos políticos, elas constróem obviamente resultados políticos, mas seus métodos têm se revelado inadequados para viabilizar puniçoes judiciais exemplares. Por esse motivo, elas continuarao a produzir a sensaçao popular de que no fundo sao fornos de assar pizza.




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