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Presença das mulheres no mercado quase dobra em 32 anos

Porém, elas ganham salário menor que homens e não têm as mesmas chances de ascensão na região

Por Flávia Kurotori
Especial para o Diário
25/03/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


Desde 1985, a participação feminina no mercado de trabalho do Grande ABC praticamente dobrou, passando de 23,5% para 41,7% em 2017. Isso significa que, 32 anos atrás, de 100 trabalhadores, 23 eram mulheres e, no ano passado, a cada 100, 41 eram do sexo feminino. Embora o dado seja positivo, as mulheres ainda ocupam cargos com remunerações menores e não possuem as mesmas chances de ascender que os homens.

Os dados são de recorte da pesquisa socioeconômica do Inpes (Instituto de Pesquisa) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), e foram cedidos com exclusividade para o Diário.

“A participação cresceu em todo o mundo neste período, pois houve uma mudança antropológica do papel feminino na sociedade. Antes, ela era vista como a pessoa que cuidava da casa e dos filhos”, explica Leandro Prearo, diretor do Inpes. “Na metade do século passado, o mercado e, principalmente as indústrias, começaram a expandir, e as mulheres passaram a ser consideradas mão de obra barata para funções precarizadas, porque não tinham altos níveis de escolaridade”, completa.

Ainda que nos dias de hoje o cenário tenha se alterado – a mulher tem em torno de um ano a mais de escolaridade do que os homens –, sua média salarial é inferior. “Elas desempenham funções menos qualificadas e que, consequentemente, remuneram salários menores, além de não terem as mesmas chances de promoção na empresa”, afirma Prearo.

“Algumas companhias afirmam que as mulheres não querem crescer, o que até acontece, mas em pouquíssimos casos. Já as que têm interesse em ascender, não têm oportunidade”, destaca Cris Kerr, especialista em diversidade em empresas e CEO da CKZ Diversidade. “As empresas ainda consideram os mesmos aspectos do passado, como a questão da licença-maternidade e o cuidado com os filhos.”

Em outras situações, as firmas buscam empregar mulheres, porém, não praticam a inclusão. “Às vezes, elas sentem-se ‘deixadas de lado’ e acabam pedindo demissão”, observa Cris.

Prearo destaca que, atualmente, 29% das famílias da região são chefiadas por mulheres. “Nos momentos de crise, algumas mulheres acabam entrando no mercado de trabalho para incrementar a renda, quando integrantes da família perderam seus empregos.”

POR SETOR
Os setores com maior número de mulheres são o de serviços e o comércio. Em 2007, 46,7% do ramo de serviços era ocupado por elas, passando para 54,5% em 2016. No mesmo período, a participação no comércio passou de 41,5% para 45,9%.

“Esses segmentos possuem bons postos, que remuneram bem, mas também têm empregos precários, com pouca assistência e salários baixos”, diz Prearo. “As pessoas não esperam ou incentivam que mulheres atuem na área de ciências, tecnologia ou exatas”, pondera Cris.

Já na indústria, em 2007, 21,8% dos funcionários eram do sexo feminino, subindo para 24,5% em 2016. Segundo Prearo, neste ramo as sete cidades diferenciam-se do cenário nacional. “Aqui (na região), a indústria é focada no segmento metalúrgico, onde a presença delas é menor. No restante do País, como possuímos outros segmentos industriais (como têxtil e de eletrodomésticos, por exemplo), esta proporção muda.”

“Ocupamos cargos diferentes, com salários menores. Nas linhas de produção de empresas de autopeças os salários são bem maiores do que em empresas de eletroeletrônicos, onde a quantidade de mulheres é bem maior”, conta Andrea Ferreira de Sousa, coordenadora da comissão de mulheres do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “Dizem que para exercer esta função (na linha de produção da parte eletroeletrônica) precisa de mais delicadeza, mas esta ‘qualificação’ não é recompensada.”

PRECONCEITO
Sem estimar números, Prearo alega que o preconceito do mercado de trabalho na região quanto à presença de mulheres é menor do que no País. “Mas, como o grau de instrução aqui é maior, elas não encaram o desrespeito como algo normal e defendem seus direitos.”

Por outro lado, Andrea salienta que o machismo ainda é muito presente, e as trabalhadoras, na maioria das vezes, não fazem denúncia. “É preciso entender que isso não é normal, e ninguém pode aceitar isso. Os homens também precisam ter essa sensibilidade para mostrar para os demais colegas que não é certo.”

Empresária de Mauá concilia carreira, maternidade e casa

Francisco Lacerda

Quem conversa com Josy Mota, 37 anos, pensa que o dia dela tem mais de 24 horas, tamanha intensidade com que administra as empresas da família e concilia com os lados mãe, mulher, dona de casa e empresária.

Casada há 20 anos, dois filhos, de 16 e 18 anos, paulistana de nascimento, mas mauaense por opção, essa empreendedora precoce é dona de dois salões de beleza (Studio Hollywood) e uma academia (Evoque), todos dentro do Mauá Plaza Shopping, além de outras empresas junto com o marido.

Começou no mundo dos negócios aos 9 anos, com o pai, que sempre teve comércio. Ajudava no dia a dia e fazia o fechamento. Adotou o lema de aprender e empreender e hoje cuida de 55 funcionários só no centro de compras. “Com 15 anos eu abri meu próprio negócio, junto com meu pai. Depois, com meu namorado, hoje meu marido, abrimos nossa empresa.”

Ela fica na ativa 18 horas por dia. Circula o tempo todo entre as empresas, inclusive aos sábados. Às mãos tem sempre o celular, na maioria das vezes checando a rotina de seu pessoal; outras, de olho no que faz a concorrência. Frequenta a academia três vezes por semana, participa de variados cursos, seminários, assiste a palestras e faz mais todas as atividades inerentes ao dia a dia de uma mulher.

No domingo ela descansa? Não necessariamente. Esse é o dia de trabalhar no ministério de casais na igreja Batista de Santo André, para tentar “não deixar as pessoas se separarem”. “Divórcio não é bom.”

“Trabalho fora umas 13 horas. E quando chego em casa, tenho de terminar alguma coisa que comecei durante o dia para ajudar a baixar a adrenalina. Na verdade, só uso minha casa para dormir”, diz, aos risos.

Josy diz que a vontade de empreender nasceu após descontentamento pelo mau atendimento recebido em um salão de beleza que frequentava com a mãe. “Aquilo me irritava, porque eu tinha horário, mas eles não. Faltava funcionário, outro estava ocupado, enfim, era muito chato.”

Ela admite que nunca foi cabeleireira, não sabe fazer escova, sobrancelha nem maquiagem. Nada! Mas sempre foi “chata com a prestação de serviços”. Um dia, em uma conversa, a mãe explicitou o desejo de abrir o próprio estabelecimento. Conseguiram uma loja “bem pequenininha de 36 metros quadrados”, em frente ao shopping. “Era mais para ter um clube, porque não dava dinheiro.” Mas logo o local passou a não suportar a alta demanda.

A ideia de abrir loja no interior do shopping veio junto com a expansão do local. Assim foi. Pouco tempo depois, o negócio já havia ficado pequeno. A fila na porta incomodava a administração do local, que a repreendeu. Problema? Para ela, nenhum. “Era 2015 e compramos outro salão, um que já existia aqui (no centro de compras) há 14 anos. Como eram públicos e propostas bem diferentes, destruímos inteiro, mandei todo mundo embora e refiz. Tinha má fama. E nem sempre a mulher que vem aqui quer ficar bonita só por fora. A gente tem de fazer trabalho de ajudar essas pessoas a sonharem, perguntar o que querem ser, o que querem ter, enfim, conversar, aumentar a autoestima, e de um jeito que recuperasse a credibilidade do salão.”

Com o crescimento do Studio Hollywood surgiu a intenção de expandir o raio de atuação. Assim, em 2016, Josy fundou a Academia Evoque. “Foi lançada com proposta diferente, para público também diferente, com equipamentos modernos, professores diferenciados, que ficam o tempo todo ao lado do aluno.”

Quem conversa com Josy e nota seu alto-astral acha que a vida sempre foi positiva a ela nos negócios. “Não foi. Apanhei muito. Porque conciliar a vida de mãe, mulher, dona de casa e empresária é difícil. Tenho de ter muita criatividade quanto a isso. Não se administra pessoas. A gente administra contratos. Porque se envolver e ter emoção, alguém usa isso contra você. Mas gosto do empreendedorismo. E empreender e aprender são muito próximos.”

PERCALÇOS
A empresária revela nunca ter enfrentado preconceito nem falta de respeito durante a trajetória de empreendedora em Mauá. Segundo ela, isso vai muito do posicionamento da pessoa. A sua maior dificuldade à frente dos negócios na cidade é quanto à falta de mão de obra qualificada.

Mesmo assim ela aconselha quem quer enveredar pelo mundo do empreendedorismo. “Tem de aceitar correr riscos, porque ser empreendedor no Brasil é ser mágico. E saber das escolhas que vão ser feitas. Quando se começa, não dá para ser a melhor mãe, melhor mulher, a melhor empresária, a melhor chefe. Se estiver disposta a correr riscos, empreenda. Se pintar um pouquinho de medo, não vá.”

Após ter enfrentado câncer na tireoide, descoberto em setembro e retirado em outubro, lamentação é palavra proibida no vocabulário dela. “O sucesso é um processo lento, e reclamar não acelera esse processo. Não reclame de nada. Agradeça a Deus pelo que você tem. Você pode fazer algo a mais. Você só não pode é fazer a menos.” 




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