Setecidades Titulo
Mestre tem samba e desfile na mão
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
10/02/2007 | 22:23
Compartilhar notícia


Pense num desastre carnavalesco. Daqueles que arruinam o desfile de uma escola de samba, faz chorar e corar todo mundo, desde arquibancada, foliões, adversários e até os jurados. A rainha tropeça, esbarra no carro alegórico, o destaque se desequilibra, e cai. Bem em cima do presidente da agremiação, coitado, que está logo ali. O intérprete se desconcentra com a confusão e começa a cantar a letra do ano passado. Dá para piorar? Dá.

Nada disso precisa acontecer. Basta o mestre de bateria desmaiar. Serão centenas de ritmistas à deriva, o samba atravessado pelo descompasso, melodia se transformando em batuque, como se fazia com a panela da mãe. O inferno instaurado na avenida.

É só por isso que o mestre de bateria é a figura mais importante durante os minutos em que a escola cruza o sambódromo. Ainda que os próprios neguem. “Todo mundo é importante na escola. Não tem essa de um ser mais que o outro. É que eu tenho que ser chato. Se não, não sai samba”, desconversa o mestre Luizão, da Mocidade Independente Cidade São Jorge, de Santo André.

“A turma respeita a gente, né? O mestre tem que ser rígido. Se não a moçada desanda. Graças a Deus, conquistei meu espaço”, diz, na humildade, o mestre Marquinhos Lisa, da Gaviões do Morro, de São Bernardo.

Parece simples. O sujeito fica lá, balançando os braços, apitando. A platéia não imagina a trabalheira de se coordenar graves, médios e agudos, e fazer todo mundo acertar o breque. Sempre tem aquele que esquece de parar e dá aquela batida estridente quando o resto faz silêncio.

Sabem tocar (muito bem) todos os instrumentos que formam uma bateria – tamborim, tarol, surdo, repinique, pratinela. Quem não sabe fazer, não tem autoridade para ensinar.

Luizão, José Luís de Assis, tem 56 anos. É o senhor da bateria no Grande ABC. Já é velha guarda. Foi batizado mestre quando tinha 17 anos. Tomou banho de champanhe na Acadêmicos do Salgueiro, no Rio.

Tem duas décadas de São Jorge. Não usa apito. Prefere gesticular. “Gosto que meus ritmistas toquem de cabeça erguida. Sou feio, mas têm que olhar pra mim.” Mecha branca na cabeleira black, é o mestre mais experiente da região.

Luizão mora no barracão da São Jorge, toma conta de tudo. “Minha casa tem sete banheiros e churrasqueira.” Já formou outros mestres e anda preparando outro para sucedê-lo. Um dia vai parar. Um dia. Marquinhos tem 27 anos. Criado na favela do DER, em São Bernardo, onde ainda vive, Marco Antonio de Oliveira tinha 7 quando começou a tocar tamborim. Há dois anos, assumiu a bateria da Gaviões do Morro. “Fiquei de perna bamba”.

Marquinhos é auxiliar de ambulância. No dia do desfile, vai trabalhar das 6h às 18h. E rezar para não fazer hora extra. “Só faltava essa.”

O chefe sabe que ele também é chefe no Carnaval. E que tem 120 ritmistas a espera do maestro, que tem o samba nas mãos.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;