Cultura & Lazer Titulo
Ataque cinematográfico
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
24/07/2005 | 07:35
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Não bastam uniformes, adesivos, bolas oficiais, retratos autografados ou títulos para amealhar mais e mais torcedores para um clube de futebol. O Real Madrid que o diga. O clube espanhol de 103 anos de idade, e que tenta cravar Robinho no seu milionário colar de pérolas, apelou para o cinema para ampliar sua já ilimitada influência ao redor do mundo. Em 25 de agosto, estréia na Espanha (não há previsão para o Brasil) Real, o Filme, dirigido por Borja Manso, um longa-metragem para dar conta do "clube que mais emoções desperta ao redor do planeta", segundo o site oficial da agremiação.

O ataque cinematográfico custou ao Real Madrid 6 milhões de euros (cerca de R$ 16,5 milhões). É dinheiro de cafezinho se comparado ao que o clube pode pagar por Robinho caso ceda às deliberações santistas: US$ 50 milhões (R$ 117,5 milhões).

O cinema traveste-se de vez em instrumento de persuasão mercadológica e de consolidação publicitária. Uma nova e talvez a mais exata expressão do filme de propaganda, que não atende a anseios políticos, como as obras de Leni Riefenstahl sob a égide do nazismo; nem a religiosos, como o recente A Paixão de Cristo em relação ao catolicismo imutável de Mel Gibson. Agora, a mercadoria (apaisanada em paixão futebolística) está desnuda na tela.

Casillas, Roberto Carlos, Helguera, Zidane, Figo, Beckham, Raúl, Ronaldo e Owen, mais o técnico Vanderlei Luxemburgo, são os protagonistas de Real, o Filme, a primeira obra audiovisual, com o devido desconto dos filmes de circulação interna, a ter um clube de futebol como leitmotiv, como tema central.

A estrutura do filme, rodado entre dezembro de 2004 e junho passado, denuncia sua característica de anzol, sua tentativa de identificação com o espectador e candidato a torcedor, sua ambição de superlotar o rol de admiradores do time. Real é uma obra que mixa dados documentais e ficcionais. Em meio a imagens de treinamentos e bastidores com seu elenco de atletas, há cinco episódios fracionados por quatro continentes do planeta.

O diretor Borja Manso é também realizador de Madri 11M – Estávamos Todos Naquele Trem, documentário sobre os atentados terroristas na capital espanhola em 11 de março de 2004, que legaram 191 mortos e 1,9 mil feridos. Define sua nova realização, feita sob encomenda, como um instantâneo de "um sentimento que une pessoas em torno do mundo, de diferentes idades, classes sociais e interesses". Nas letras miúdas lê-se "sentimento" como sinônimo de Real Madrid. Dispensa informar o time pelo qual torce Manso.

Nos segmentos ficcionais, a ambição de panificar torcedores fica evidente. Na Venezuela, um menino e seu avô compartilham um segredo sobre o passado do clube; no Japão, uma adolescente compra briga com o namorado por causa do galã-em-pele-de-craque David Beckham; nos Estados Unidos, um jogador mirim com lesão no joelho se identifica com Ronaldo; no Senegal, outro menino sonha em assistir a uma partida do time europeu; e, em Madri, um professor fanático pelos galácticos.

Hipnose coletiva – Real, o Filme foi apresentado no último Festival de Cannes e, este mês, numa conferência no Santiago Bernabeu, estádio oficial do clube. A tendência em pensar no longa-metragem, com 90 minutos de duração, menos como obra de arte cinematográfica e mais como uma ferramenta de hipnose coletiva é o fato de ser uma ação geminada com a turnê mundial do clube, que durante todo este mês tem viajado aos Estados Unidos, Tailândia, China, Japão e Hungria para participar de jogos promocionais contra equipes locais. Sua procura não é exatamente por estádios; é por mercados.

Um filme que provavelmente provocará os desejos publicitários de muita equipe por aí – desde que possua um cofre sadio – e descampará reflexões, por se tratar de um comercial em longa-metragem. O merchandising deixa de ser uma estratégia coadjuvante para se tornar moinho central e único na arte cinematográfica. Não existe idéia ou ideal que confronte o cultivo do consumismo que rege o trabalho, em tese artístico.

Real, o Filme, pelo que se conhece de seu enredo e se observa em seu trailer (disponível no site www.realmadrid.es), não seria muito diferente, no plano objetivo, de um longa-metragem sobre o refrigerante mais comercializado do mundo ou a rede de lanchonetes de igual influência. Não se trata da divulgação de uma idéia, de uma perspectiva ou de uma memória; é tudo em prol da marca. E fim de jogo.




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