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Lições de jornalismo
Renata Petrocelli
Da TV Press
24/07/2005 | 07:39
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Sempre que anda nas ruas e algum desconhecido se aproxima, Domingos Meirelles sabe de antemão se trata-se de um leitor ou de um telespectador. Há cinco anos no comando do Linha Direta, o jornalista é autor de As Noites das Grandes Fogueiras, sobre a Coluna Prestes, em sua 10ª edição. "O leitor é mais cerimonioso. O telespectador, como aceita nossa invasão à casa dele, sente-se mais íntimo", diz. Longe das grandes matérias na TV há cinco anos, desde que assumiu o programa semanal da Globo, é pesquisando e escrevendo sobre temas históricos que Domingos dá vazão ao espírito de repórter. O próximo livro, ainda sem título definido, trata da Revolução de 1930 e já está pronto, com lançamento previsto para outubro, pela editora Record. "Tenho de ter minhas compensações. Fiquei 35 anos fazendo matérias e sinto muita falta", admite o jornalista, que completa este ano quatro décadas de carreira. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

PERGUNTA: Como jornalista acostumado às reportagens de grande fôlego, o que motiva você no Linha Direta?

DOMINGOS MEIRELLES: Quando recebi o convite para o programa, estava voltando à Globo depois de uma rápida passagem pelo SBT Repórter. Como precisava de um produto ao qual estar vinculado, acabei ficando, porque era interessante naquele momento. Mas desde então eu aprendo muito com o programa. Ao longo da minha vida profissional, desenvolvi uma capacidade de aprender a cada dia uma coisa nova. Aprendo com as histórias, os personagens, o sofrimento das pessoas. Além disso, o programa está em permanente processo de mudança. Estamos sempre discutindo as estruturas narrativas. Como escrevo, converso muito com os diretores de dramaturgia, com a redação e acho que estamos atingindo um grau de aprimoramento muito interessante.

PERGUNTA: Mas você não sente falta de atuar como repórter?

MEIRELLES: Sinto muita falta. Fiquei 35 anos fazendo matérias. Mas tenho esta limitação imposta pela emissora, então procuro ter minhas compensações. De uma certa forma, compenso isso porque escrevo minhas próprias matérias. Como atualmente minha vida se limita a apresentar um programa, todo o tempo que tenho livre uso para pesquisar, para trabalhar com um recorte histórico que é a República Velha. Ali sou tudo: editor, pesquisador, repórter, vou às bibliotecas, escrevo para as pessoas, peço documentos. Acabo sublimando esta carência de forma muito prazerosa.

PERGUNTA: Como você avalia a evolução do programa nestes cinco anos?

MEIRELLES: Acho que o programa melhorou muito, sobretudo em função do rigor com que o diretor Milton Abirached avalia como ele é visto e entendido pelas pessoas. Hoje o Linha Direta é bem acabado, bem editado. A própria audiência é um indicador de que o programa contempla algumas expectativas do grande público. A média de audiência varia de 24 a 27 pontos, num horário tardio. E o público é fiel. Temi muito quando passamos para depois de A Grande Família, mas o público foi junto.

PERGUNTA: Apesar da audiência sempre alta, o programa enfrentava críticas por banalizar a violência. Você acha que houve mudanças neste sentido?

MEIRELLES: No início, o programa tinha realmente alguns problemas, que foram sendo resolvidos. Como lidar com a violência é um bom exemplo disso. Uma coisa que sempre discutimos é como tirar a violência do gesto. Se um sujeito matou a família a machadadas, não é preciso mostrar o machado cortando o corpo das vítimas. Mostra-se o gesto e usa-se a sombra, o resto fica por conta de cada um. Questões como esta foram sendo aparadas, corrigidas, objetos permanentes de uma crítica interna. Hoje a gente evita cenas muito explícitas de violência, tenta sugerir, insinuar. Acho que isso contribuiu para que o programa parasse de receber críticas.

PERGUNTA: Você atribui uma função social importante ao Linha Direta?

MEIRELLES: Ele preenche um vazio deixado pelo poder público. As pessoas que procuram o programa não acreditam mais nas instituições, na política, na justiça, no futuro. Mas acreditam no programa e dão a ele um significado quase mágico. Isso dá uma idéia do fascínio que a TV exerce sobre o cidadão comum. As pessoas me abordam nas ruas para fazer pedidos sobre questões que nem fazem parte do formato do programa: reclamam da fila do INSS, do tomógrafo quebrado no hospital, da falta de remédios. No imaginário das pessoas, o programa é capaz de resolver qualquer problema. É a sensação que fica em função dos mais de 300 foragidos que já foram capturados, num país que não tem sequer um cadastro unificado de foragidos. O programa supre esta carência do poder judiciário.




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