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Ecad sob investigação
Por Luciane Mediato
Especial para o Diário
24/05/2011 | 07:00
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Duas Comissões Parlamentares de Inquérito devem investigar o Ecad(Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) neste ano. Além da proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro também terá sua própria CPI. Se a instituição nunca foi unanimidade, toda a movimentação só faz crescer a curiosidade sobre suas atividades - e o quanto de fato ajudam a classe musical.

As denúncias não são recentes. Em 1995, uma CPI da Câmara Federal já apurava denúncias como falsidade ideológica, sonegação fiscal e formação de quadrilha. Desta vez, a investigação é baseada no abuso da ordem econômica e prática de cartel no arbitramento. O autor também pede exame do modelo de gestão coletiva centralizada de direitos autorais de execução pública. As novas denúncias tiveram início quando o motorista de ônibus Milton Coitinho dos Santos foi apontado como beneficiário de R$ 127,8 mil referentes aos direitos sobre canções que não pertenciam a ele.

Só no ano passado, o Ecad arrecadou cerca de R$ 432,9 milhões. Em geral, o valor é dividido da seguinte forma: 75% para o autor registrado, 17% para a administração e 7,5% para as associações.

As divisões e a idoneidade no repasse do dinheiro são as principais interrogações. "Os valores nem sempre são os mesmos para todos os músicos, pois existem coautorias e participações de outros artistas. Então esse montante destinado aos compositores é dividido em mais partes. Disponibilizamos tudo semestralmente no nosso site", explica Mario Sergio Campos, gerente executivo de distribuição do Ecad.

Campos argumenta que existem mecanismos para que falhas como a recente sejam evitadas. "Todas as vezes que é solicitado registro, existe busca no nosso banco de dados e em outras fontes de informação. Há uma série de procedimentos para analisar o áudio. Caso ocorra algum pagamento equivocado ou em duplicidade, bloqueamos na hora os direitos."

DIREITO DE QUEM?
"Basicamente existem dois tipos de direito autoral no País. O moral, que é ser reconhecido como autor de obra e significa que você pode modificar ou mantê-la original", explica o advogado Ivan Parizotto. "Outro aspecto está relacionado à execução. Exemplo é quando se compra o CD: a pessoa adquire direito à reprodução privada sem fim econômico. No Brasil, os autores têm direito de se reunir em associações para melhor proteger e exercer esses direitos."

As associações que cuidam dos direitos autorais normalmente respondem ao Ecad. Mas a filiação e controle das reproduções pela instituição não são obrigatórios. "O compositor em princípio tem todos os direitos sobre a obra. Mas, muitos assinam com as gravadoras que se tornam representantes da propriedade intelectual. Neste momento começa a confusão, pois algumas gravadoras negociam com as emissoras de rádio e TV a transmissão. O problema é que às vezes os músicos registram as letras também no Ecad, o que gera dupla venda. Acredito que se filiar a associações seja melhor, porque te ajuda a arrecadar e a composição permanece sua", diz o advogado.

Na condição de maior interessado, o músico Fernando Iazzetta acredita que o Ecad não deveria apenas recolher os valores. "Como ocorre em outros países, essa entidade deveria representar os músicos. Seria saudável até mesmo a existência de mais de uma entidade e os músicos escolheriam a que melhor lhes representaria."

Nas cobranças dos direitos autorais pelo Ecad, alguns fatores não são considerados, o que gera grande divergência entre os compositores. Por exemplo, há diferenças na arrecadação de um concerto de música erudita e de um show de música popular; ou de uma apresentação em um espaço alternativo para um pequeno público, ou de um grande show num estádio de futebol. Aparentemente essas diferenças não são levadas em consideração pelo órgão. "No Brasil somos reféns do Ecad e não temos representatividade. A outra entidade que deveria representar os músicos, a Ordem do Músicos do Brasil. Hoje, somos cobrados em relação aos deveres (contribuições, pagamentos de taxas etc), mas não temos voz quando se trata de receber nossos direitos", afirma Iazzetta.

Com relação às denúncias de fraude, o músico é taxativo: não se espanta. "Embora inadimissível, não me parece ser o maior problema da entidade. Ao contrário, só reforça a ideia de que é um grupo mais preocupado com a arrecadação do que com a representação dos músicos."

Os artistas e produtores redigiram carta aberta em defesa de seus interesses e convocaram os setores da Cultura para um debate aberto e democrático sobre a reforma da lei de direitos autorais. Um dos integrantes dessa manifestação é o produtor musical e superintendente do auditório do Ibirapuera, Pena Schmidt. Ele acredita que o debate dos direitos autorais não pode ser radical. "Temos que vislumbrar e conciliar os direitos autorais com nova ordem social que vivemos. Existem desafios e possibilidades gerados pela internet e meios digitais", explica.

Segundo Schmidt, a grande questão a ser respondida é: como a sociedade pode tornar as obras disponíveis para o maior público possível, a preços acessíveis e, ao mesmo tempo, assegurar uma existência econômica digna aos criadores e intérpretes e aos parceiros de negócios que os ajudam a navegar no sistema econômico? "Uma resposta adequada virá de "uma combinação de leis, infraestrutura, mudança cultural, colaboração institucional e melhores modelos de negócio", ou seja, será fruto de um pacto entre diversos setores da sociedade. O que precisa mudar não é o Ecad é o sistema como um todo", avalia.

André, guitarrista e vocalista da banda andreense Nitrominds, tem algumas músicas registradas na Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), uma das nove associações que administram o Ecad, mas conta que a burocracia para fazer parte do bolo é contemplada pela falta de retorno e prestação de conta da entidade. "Tocamos direto por aí e tem muitos shows cujos direitos de autoria não recebemos. Eles cobram, mas nunca prestam contas, parece que dividem o dinheiro somente entre os que mais arrecadam", conta.(Colaborou Thiago Mariano)

O QUE FAZ A ENTIDADE

O Ecad é uma sociedade civil de natureza privada. Nove associações, responsáveis pela fixação dos preços e regras de cobrança e distribuição dos valores arrecadados, administram a instituição e têm como filiados os titulares de direitos autorais. Seu trabalho é também remeter ao Ecad as informações de cada sócio e seu repertório, para alimentar o banco de dados e possibilitar a distribuição dos valores arrecadados entre os titulares das composições registradas.

No banco de dados da entidade estão cadastrados 342 mil diferentes titulares, com 2,4 milhões de obras catalogadas em 862 mil fonogramas cujos registros contabilizam todas as versões de cada composição.

O Ecad cobra locais como emissoras de TV, casas de shows, restaurantes, cinemas, hotéis e academias pela execução de músicas que compõem seu banco de dados. Ao todo, são 418 mil usuários de música - como são chamados esses espaços e emissoras que pagam pela reprodução das obras. A nova proposta de lei do direito autoral em discussão no Ministério da Cultura prevê a fiscalização do Ecad.




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