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Santa Cruz sofre com o abandono no pós-balsa, em São Bernardo
Por Francisco Lacerda
Do Diário do Grande ABC
01/01/2017 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Para chegar ao bairro Santa Cruz, região do pós-balsa, em São Bernardo, é preciso ter paciência para encarar longas filas ao usar a embarcação. Já do outro lado há ruas íngremes, sem asfalto, esburacadas, outras com pedras e as de terra são um verdadeiro lamaçal quando chove. O mato é alto, há lixo em vários pontos. As casas mais bem arrumadas são de veraneio. É local esquecido pelo poder público, sem infraestrutura, precário.

Único serviço de Saúde do bairro, a UBS (Unidade Básica de Saúde) está sempre lotada. Também falta remédio. Devido à demora no atendimento vira espécie de centro de convivência, local para assistir à TV e até como ‘comprovante de endereço’ aos moradores. “Quando precisam fazer inscrição para alguma coisa ou até mesmo matrícula do filho na escola, eles (moradores) vêm pedir e nós imprimimos a ficha de cadastro de atendimento”, revela Ana Paula Santos Baracho, 31, oficial administrativa há três anos na unidade.

É nesse cenário de abandono que vive a família de Samuel Penha Martins, 19 anos. Humilde e sofrido apesar da pouca idade, desempregado faz bicos para sustentar a mulher, Bruna Elen, 23, os três filhos (Manoela, 6, Mirela, 5, e Yago, 3 meses) e pagar R$ 500 de aluguel. Os três cômodos na Estrada do Rio Acima têm água e energia elétrica, mas vêm do ‘gato’. Trabalhava como pedreiro, mas não há emprego no Santa Cruz.

Bruna, olhar triste, que além dos três filhos cuida de duas crianças ‘da vizinha’, diz que outro grande problema é a falta de pavimentação. “Precisa pôr asfalto aqui. Quando chove é pura lama, as roupas viram um barro só e a casa fica imunda. E quando seca, então, que sobe a poeira?”

Na residência também mora Ana Carolina Nunes Silva, 21, e gestante (seis meses). Prima de Samuel, ela é ajudante de ferro-velho e foi abandonada pelo companheiro assim que ele soube da gravidez. As ‘péssimas’ condições de locomoção a fazem ter ‘muito medo’ de perder o bebê devido à demora do transporte ou de eventual socorro.

Samuel balança a cabeça concordando com Ana. A demora o fez perder a avó. “Ela passou mal e chamamos o Samu. Demorou demais e ela foi piorando. Quando chegaram, colocaram no carro e fomos. Quando a gente entrou na balsa minha avó morreu.”

Questionado por que não socorreu a avó à unidade do bairro, é Ana quem responde. “A UBS daqui é sempre lotada. Tem de chegar meio-dia para ser atendido às 15h e os médicos atendem até a hora que querem. Se der a hora deles, vão embora. Isso sem falar que nunca tem remédio.” 

As crianças, alheias aos problemas, brincam no quintal de terra, próximo à fossa usada como banheiro, já que a casa não dispõe desse ‘luxo’. Conseguem sorrir encobertas pela poeira levantada pelos carros na rua de cascalho. Samuel não. Ele não sorri, não tem perspectiva. “Dizem que a esperança é a última que morre. A minha já morreu. Político vem aqui e faz promessas de que tudo vai melhorar, mas nada vai mudar.”

ESPERANÇA

Não muito longe dali e enfrentando os mesmos problemas mora Maria da Graça Valadares, 54 anos, no bairro há 28. Ela, três filhos, uma nora e três netos dividem dois cômodos e mais um no fundo. Na casa falta até o básico. Energia elétrica e água também vêm do ‘gato’. No quintal de terra há montes de roupas espalhados esperando para serem lavados no tanquinho ao lado da única porta do imóvel, da cozinha, encostado a parede verde, não de tinta, mas de lodo formado pela umidade. Viúva e vivendo com a pensão do marido (R$ 900), dona Maria Pretinha, como é carinhosamente conhecida, diz nunca ter visto melhorias no bairro. “É assim desde quando mudei para cá. O ônibus demora demais e depois ainda tem de esperar muito tempo na balsa.”

O lar é humilde, paredes sem acabamento e coberto com telhas de amianto. Para chegar à casa, no alto, é necessário subir ‘escada’ de terra amparada por pedaços de madeira. Fácil escorregar. Cabisbaixa, raras vezes Maria Pretinha levanta a cabeça para conversar. “Aqui é tudo muito difícil. Quando chove vira um inferno de lama. Quando está sol ninguém aguenta a poeira.”

Filho de Maria Pretinha, Marcos Valadares Araújo, 33, é casado com Jucimara, 28. Ele, pedreiro, e ela, dona de casa, contentam-se em ver as crianças ‘por aí, soltando pipa’, já que não há áreas de lazer. “Quando dá vamos até o Centro. Mas é muito longe”, lamenta ela.“Olhe (Prefeitura) um pouquinho para esse lugar. Aqui tem seres humanos iguais aos de outros bairros”, desespera-se Marcos.

Mesmo diante de tantas dificuldades, Maria Pretinha ainda encontra forças para cuidar, além dos netos, de Lupi, Laila, Amarela, Spyke e Tuti, os cinco cães da casa. A alegria transmitida por eles, netos e bichos, faz com que não desanime na espera por vida melhor. “Se Deus quiser vai melhorar. A gente não veio ao mundo só para sofrer.”
 




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